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Possível “divórcio” entre a Lava Jato e Bolsonaro terá 4 momentos decisivos
| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Oito meses depois de assumir o mandato, o presidente Jair Bolsonaro dá sinais de que está se afastando da Lava Jato. Por meio de gestos, declarações e decisões, Bolsonaro se distanciou da operação e vem tirando a carta-branca que havia dado ao ministro da Justiça, Sergio Moro. Por outro lado, integrantes da operação passaram a acusar o presidente de estar deixando de lado seu compromisso de campanha eleitoral com o combate à corrupção.

O possível "divórcio" de Bolsonaro com a Lava Jato terá em breve quatro capítulos decisivos: o veto ou sanção do projeto de lei do abuso de autoridade, o empenho (ou falta dele) do Planalto com o pacote anticrime de Moro, o enxugamento das verbas para o combate ao crime e à corrupção e a escolha do novo procurador-geral da República

O projeto de lei do abuso de autoridade

Até o próximo dia 5, Bolsonaro tem decidir sobre se sanciona ou veta o projeto de lei de abuso de autoridade, aprovado na Câmara recentemente. O projeto é visto por membros do Ministério Público e do Poder Judiciário como um ataque à investigações contra a corrupção. Moro, que sempre foi contra o projeto, enviou ao presidente uma série de artigos que espera que sejam vetados pelo chefe.

Um veto mais extenso de Bolsonaro à proposta, contudo, tem potencial para prejudicar as relações do presidente com o Congresso. Deputados já fazem pressão para que o presidente mantenha praticamente toda a íntegra do projeto, com exceção do trecho que prevê punição de policiais que usarem algemas em preso. Esse trecho fez parte de um acordo para que a Câmara aprovasse o texto do Senado sem mudá-lo – o que exigiria que voltasse para mais uma votação de senadores.

Qualquer veto extra pode complicar ainda mais a relação de Bolsonaro com o Congresso. Mas, se deixar de vetar pontos considerados problemáticos por Moro e membros do Ministério Público e Judiciário, Bolsonaro vai enfraquecer o ministro.

O pacote anticrime e o corte no orçamento

Bolsonaro tampouco tem feito esforços para garantir a aprovação da principal proposta de Moro como ministro: o pacote anticrime que tramita no Congresso.  Moro já sofreu uma série de derrotas no grupo de trabalho que analisa o pacote na Câmara. Os deputados retiraram do texto original a previsão de prisão após condenação em segunda instância e o plea bargain (espécie de acordo entre Ministério Público e réus que confessam ter cometido crimes). Também devem sair do pacote o excludente de ilicitude e parte do banco nacional de perfis genéticos, propostos pelo ministro.

Moro também reclama do orçamento previsto para o Ministério da Justiça em 2020. Segundo o jornal O Globo, em um ofício enviado ao ministro da Economia, Paulo Guedes, Moro afirma que o valor reservado à pasta pode inviabilizar políticas de segurança e combate à corrupção – os motivos que fizeram o ministro a aceitar o convite de Bolsonaro para integrar o governo.

A previsão de orçamento para a pasta de Moro para o ano que vem é de R$ 2,6 bilhões, 32% a menos do que o valor destinado ao Ministério da Justiça neste ano. O drama da falta de recursos, porém, é vivido pelos demais ministérios.

A escolha do novo PGR

A escolha do novo procurador-geral da República será outro possível foco de atritos de Moro e da Lava Jato com Bolsonaro. Raquel Dodge deixa o comando da Procuradoria-Geral da República (PGR) em setembro. E o presidente já deu sinais de que não necessariamente escolherá um nome da lista tríplice para a PGR, eleita pelos membros do Ministério Público Federal (MPF).

Procuradores argumentam que a escolha de um nome de fora seria um enfraquecimento da autonomia do MPF. E que, dependendo de quem seja o escolhido de Bolsonaro, pode haver prejuízos ao combate à corrupção.

O próprio Bolsonaro recentemente deu uma declaração que foi vista como um indicativo de que o combate à corrupção pode vir a não ser a prioridade que ele espera do novo procurador-geral da República. “Quero um PGR que não apenas combata a corrupção, [mas] que entenda a situação do homem do campo, não fique com essa ojeriza ambiental, que não atrapalhe as obras que estão dificultando licenças ambientais, que preserve a família brasileira, que entenda que as leis têm de ser feitas para a maioria e não para as minorias. É isso o que queremos.”

Os atos e ações de Bolsonaro que sinalizam afastamento da Lava Jato

Atos e ações de Bolsonaro interpretados como um afastamento relação à Lava Jato já vem ocorrendo há algum tempo. Por vezes, por meio de ações (ou de sinalizações de ações). Em outras ocasiões, através de palavras de desprestígio de integrantes da operação.

No fim de semana, a página oficial de Bolsonaro no Facebook respondeu a um comentário de um internauta que pedia que o presidente “cuidasse bem” de Moro. "Todo respeito a ele [Moro], mas o mesmo não esteve comigo durante a campanha, até que, como juiz, não poderia", escreveu o presidente.

Também no fim de semana, Bolsonaro destacou que Moro não tem autonomia completa no governo. "Olha, carta branca... Eu tenho poder de veto em qualquer coisa, se não eu não sou presidente. Todos os ministros têm essa ingerência minha e eu fui eleito para mudar. Ponto final", disse, ao deixar o Palácio da Alvorada. Apesar disso, o presidente negou que haja uma crise com Moro. "Não tenho problema nenhum com o Moro", disse o presidente no sábado (24).

Recentemente, Bolsonaro também tratou sobre Deltan Dallagnol ao responder a à sugestão de internautas, no Facebook, para indicar o coordenador da força-tarefa da Lava Jato no Paraná para a PGR. O presidente respondeu compartilhando um post de outra página no Facebook que tratava Deltan como um "esquerdista estilo PSol".

No domingo passado (25), foi a vez de um dos filhos de Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), acusar Deltan de ter ligações com ONGs de esquerda. O coordenador da força-tarefa havia criticado, dias antes, em entrevista à Gazeta do Povo, o presidente Bolsonaro.

Mas o afastamento de Bolsonaro em relação à Lava Jato não ficado restrito às palavras. Recentemente, o presidente afirmou à imprensa que iria substituir o superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, Ricardo Saad, por questões de produtividade. O Rio de Janeiro é o reduto eleitoral da família do presidente e o anúncio presidencial foi interpretado na instituição como uma tentativa de interferir no trabalho da PF.

A Polícia Federal reagiu e emitiu uma nota confirmando a substituição de Saad, mas indicou que o escolhido para o cargo não seria o indicado por Bolsonaro. O diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que foi indicado por Moro, chegou a ameaçar entregar o cargo se houvesse interferência política no trabalho da corporação.

Bolsonaro replicou, aumentando a temperatura da crise, e ameaçou demitir Valeixo. "Se eu não posso trocar o superintendente, eu vou trocar o diretor-geral", afirmou Bolsonaro. "Se eu trocar hoje, qual o problema? Está na lei que eu que indico, e não o Sergio Moro. E ponto final", completou o presidente.

O delegado Carlos Henrique Oliveira Sousa, ex-superintendente regional de Pernambuco, é o preferido da PF para assumir o cargo no lugar de Ricardo Saadi, mas ainda não há garantia de que isso vá mesmo ocorrer.

A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central também é encarada como uma tentativa de dificultar a atuação do órgão, considerado fundamental para investigações de lavagem de dinheiro.

O ex-presidente do Coaf Roberto Leonel, indicado por Moro, começou a ser “fritado” pelo governo depois de reclamar de uma decisão judicial que beneficiou o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e que paralisou investigações com base em dados detalhados de órgão de controle, como o Coaf, sem autorização judicial.

Moro também reclamou da mesma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, e viu sua relação com Bolsonaro piorar. O Coaf começou o ano sob o guarda chuva de Moro, no Ministério da Justiça, sendo presidido por um aliado do ministro, o auditor fiscal Roberto Leonel. Depois, voltou para o Ministério da Economia sem que Bolsonaro fizesse esforço para impedir a troca. Por fim, o governo decidiu mandar o órgão para o Banco Central, mudando a presidência e até o nome – passou a se chamar Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Bolsonaro ainda estuda promover mudanças na Receita Federal, outro órgão de controle importante para o combate à corrupção. A ideia é transformar o órgão, hoje subordinado ao Ministério da Economia, em uma autarquia. A mudança é criticada por auditores fiscais, que temem mais interferência política na atuação da Receita.

Integrantes da Lava Jato passam a criticar o governo

Os movimentos de Bolsonaro foram interpretados por integrantes da Lava Jato como ameaças ao combate à corrupção.

Em entrevista à Gazeta do Povo na semana passada, o coordenador da Lava Jato no Ministério Público Federal (MPF) no Paraná, Deltan Dallagnol, criticou o governo. “O presidente Jair Bolsonaro, ao longo da campanha eleitoral, se apropriou de uma pauta anticorrupção. (...) Agora, o que nós vemos é que ele vem se distanciando desta pauta de corrupção quando coloca em segundo plano o projeto anticrime do juiz federal Sergio Moro. Ele coloca em segundo plano essa pauta quando ele faz mudanças no Coaf e desprestigia o auditor da Receita Federal Roberto Leonel, que trabalhou na Lava Jato”, disse Deltan.

Em entrevista à Globonews no fim de semana, o procurador aposentado Carlos Fernando Lima, que fez parte da força-tarefa da Lava Jato, afirmou que Bolsonaro fez um “acerto” para “espremer a Lava Jato”.

“O que nós temos hoje é um grande acerto entre a direita, representada pelo Bolsonaro, e o Congresso, centrão, [Rodrigo] Maia e a esquerda, pressionando, espremendo a Lava Jato”, disse Lima. “Infelizmente o governo Bolsonaro está destruindo completamente, coisa que os governos Lula, Dilma e Temer não conseguiram. Destruindo totalmente as instituições”, ressaltou o procurador aposentado.

Lima também criticou as declarações de Bolsonaro sobre o novo procurador-geral da República. O presidente afirmou que o perfil procurado para o cargo não deve ser de alguém que apenas seja contra a corrupção. “Ele quer transferir o combate à corrupção para quê? Para a causa ambiental? Para a causa indígena? Ele não concorda com nenhuma das grandes causas que movimentam o Ministério Público, que são as causas em que o Ministério Público é titular dessa obrigação de defender. Então me parece que ele quer um Ministério Público inerte, que não trabalhe efetivamente em nada de importante”, criticou Lima.

Moro continuará no cargo de ministro?

Nos bastidores da política, já há quem entenda que o afastamento de Bolsonaro em relação à Lava Jato e o enfraquecimento de Moro poderá levá-lo a deixar o governo.

Moro deixou para trás uma carreira de 22 anos de magistratura para assumir um cargo com a promessa de que teria carta branca para atuar no combate à corrupção, ao crime organizado e ao crime violento. Aos poucos, porém, a carta branca foi dando lugar a interferências do presidente.

“Moro certamente aceitou a incumbência imaginando poder institucionalizar o combate à corrupção. Seria, de certa forma, transformar a Operação Lava Jato em política permanente de combate à corrupção. Imagino que determinadas decisões do presidente colocam em xeque essa tarefa do ministro”, disse à Gazeta do Povo um parlamentar aliado de Moro.

Apesar disso, ele diz acreditar que não é inteligente que o governo Bolsonaro promova uma fritura de Moro, ou que se afaste da pauta anticorrupção. “O ministro Moro é importante ao governo. Ele deu sustentação popular, credibilidade e está havendo sim medidas que desidratam medidas de fiscalização”, avalia o parlamentar. “A agenda da campanha foi o combate à corrupção; e ela continua a ser prioridade dos eleitores. Mas deixou de ser prioridade de alguns dos eleitos”, completa.

Para o parlamentar, a queda da popularidade de Bolsonaro na pesquisa CNT/MDA divulgada nesta segunda-feira (26) é um reflexo do afastamento do presidente de pautas de combate à corrupção. A pesquisa mostra que o governo é avaliado como ruim ou péssimo por 39,5% dos brasileiros – em fevereiro esse índice era de 19%. A reprovação ao desempenho pessoal de Bolsonaro também subiu, de 28,2% em fevereiro para 53,7% na pesquisa divulgada nessa segunda. “O que ainda garante popularidade ao presidente é o ministro da Justiça”, disse o parlamentar. “É o ministro de maior prestígio.”

Mas, para o deputado federal Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala, fiel defensora de Moro na Câmara, não há enfraquecimento do ministro. “Em todas as pastas haverá discordâncias e a palavra final é do presidente. Isso é a coisa mais natural do mundo. Nao que ele esteja enfraquecendo qualquer ministro”, opinou o deputado. Segundo o parlamentar, não há distanciamento nenhum entre Bolsonaro e Moro e os dois têm um ótimo relacionamento.

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