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"Efeito pandemia" pode levar Congresso a ter produtividade inédita durante as eleições
Senado durante votação remota: sistema é elogiado por parlamentares| Foto: Pedro França/Agência Senado

A imprevisibilidade que marca 2020 afetou uma tradição negativa do Congresso Nacional: a falta de trabalho de Câmara e Senado nas semanas que antecedem as eleições. A pouco mais de um mês para o primeiro turno das disputas municipais, o Legislativo tem registrado discussões e votações em um ritmo superior ao verificado em ocasiões anteriores, quando corredores vazios e sessões canceladas faziam a rotina do Parlamento. Mas, ainda assim, embora menor, o Congresso terá o chamado "recesso branco" neste ano.

Em 2016, o ano das eleições municipais mais recentes, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já presidia a Câmara, falava em interromper votações em 11 de agosto, mais de um mês antes da eleição. Em 2020, não há programação de paralisação tão extensa. A Câmara, em princípio, vai seguir funcionando sem parar.

Mas o Senado decidiu que haverá "recesso branco", ao menos por enquanto, em dois períodos de outubro: entre os dias 8 e 18 e entre os dias 26 e 30 de outubro. Nos intervalos, haverá o chamado "esforço concentrado".

O que explica a produtividade do Congresso em 2020

A pandemia de coronavírus é o que explica o quadro diferente do habitual. Em primeiro lugar, por ter dominado a pauta do Congresso e feito com que os parlamentares tivessem menos tempo para discutir outras propostas, que foram se acumulando e ainda demandam análise antes do fim do ano.

Entre elas, está o Orçamento da União e projetos de interesse da gestão de Jair Bolsonaro, como a reforma administrativa e o programa Renda Cidadã, que vai substituir o Bolsa Família. O Senado também terá que aprovar (ou rejeitar) a indicação de Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal (STF). A sabatina dele na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa foi marcada para 21 de outubro – oito dias após a aposentadoria do ministro Celso de Mello.

O segundo elemento que leva ao panorama não convencional de votações no período eleitoral é o sucesso dos sistemas digitais de sessão implantados por Câmara e Senado – algo que também é decorrente da Covid-19.

As plataformas on-line têm possibilitado a realização de discussões e votações, e assim não só garantido o funcionamento do Legislativo de forma remota como também indicado aos parlamentares a possibilidade de promoverem sessões mesmo no ápice das campanhas eleitorais.

O mutirão de votações presenciais realizado recentemente pelo Senado, para a análise de autoridades foi uma exceção, resultado de uma exigência do regimento da Casa. "A ferramenta das votações virtuais dispensa a exigência presencial. Pode fazer com que a gente ajuste os horários, faça votações de maneira concentrada, principalmente para temas mais consensuais", disse o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES).

O primeiro turno das eleições municipais está agendado para 15 de novembro. O segundo, se necessário, ocorrerá no dia 29 do mesmo mês. A realização das eleições em novembro é também um efeito da pandemia de Covid-19: o padrão é que a votação ocorra no primeiro e no último domingos de outubro.

"Recesso branco" e "esforço concentrado"

O quadro de "abandono" do Congresso antes das eleições é um dos exemplos do "recesso branco". A expressão caracteriza períodos em que formalmente não há paralisação das atividades de Câmara e Senado, mas sessões e reuniões não são agendadas e, assim, os parlamentares podem se ausentar de Brasília sem que haja registros de falta. O "recesso branco" é, geralmente, resultado de acordos entre os presidentes do Senado e da Câmara com os líderes partidários.

O contraponto do "recesso branco" é o "esforço concentrado", que ocorre quando, mesmo durante o período eleitoral, são agendadas sessões, geralmente uma ou duas por semana, para votações de projetos. Nesses casos, há também um acordo entre as lideranças para que as votações transcorrem de maneira mais rápida, com a aprovação de diferentes matérias em um único dia.

O Senado, que terá pelo menos dois períodos de recesso branco neste mês, inclusive já marcou dois "esforços concentrados" para compensar. Um deles já ocorreu entre 21 e 25 de setembro. O segundo esforço concentrado ocorre no período entre 19 e 21 de outubro – quando serão votadas uma indicações de uma série de autoridades cuja nomeação depende de aval dos senadores – inclusive a de Kassio Nunes Marques ao STF.

Cenário "completamente diferente", dizem parlamentares

Deputado federal de maneira ininterrupta desde 1995, Gonzaga Patriota (PSB-PE) vê a tecnologia como decisiva para a maior produtividade do Congresso no período da pandemia. Segundo ele, nas cidades a "campanha virtual" tem dado o tom entre os candidatos a prefeito e vereador. "Mesmo sendo um ano eleitoral, a gente está mais apegado à pauta do Congresso Nacional", afirma. "Acredito que até a semana da eleição nós teremos votações. Nos outros anos, a gente se afastava e não conseguia ir a Brasília", acrescenta.

Os elogios à plataforma virtual são endossados pelo senador Elmano Ferrer (PP-PI): "Estamos com uma grande produtividade neste período de pandemia. Nas matérias consensuais, consideramos que a produtividade está altíssima".

Em seu segundo mandato, o deputado Evair Vieira de Melo também faz um paralelo entre o quadro atual e o de 2016, o da última eleição municipal, quando ele já era parlamentar federal. "Aquela vez ficamos 15 dias sem votação nenhuma. Foi um cenário completamente diferente do que estamos vendo agora", diz. "No período eleitoral, os parlamentares têm dificuldade para estar em Brasília. Então, com o sistema virtual, eles podem tirar algumas horas para tocar o dia, para participar de votações."

O deputado acrescenta também que a definição sobre a Lei Orçamentária tende a ser um estímulo maior para a produtividade dos parlamentares. A lei exige que o Congresso aprove o Orçamento da União antes do fim do ano. "Antes, até havia condição de esperar um pouco mais, esperar o fim das eleições. Agora não tem jeito, o ano acaba 30 dias depois da eleição", diz Melo.

Outros parlamentares apostam que produtividade não será alta

Outros parlamentares, entretanto, fazem ressalvas à possibilidade de o Congresso ser realmente produtivo no período eleitoral. "Vejo com muitas dificuldades a ideia de termos mais de duas sessões semanais", afirma o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ).

Também do DEM, o deputado Kim Kataguiri (SP) afirma: "A sinalização é de que a gente vai ficar semanas sem votação. Eu, pessoalmente, já tenho visto e revisto a pauta e os projetos que estão na ordem do dia, já preparado para me posicionar e votar em todos eles. Mas tenho consciência de que não serão votados nesse mês, pelo menos a maior parte deles".

E mesmo os deputados que apostam em uma produtividade maior durante o período eleitoral têm ressalvas quanto à possibilidade de o Congresso votar temas maiores, como as reformas tributária e administrativa, ainda em 2020. "Acho que não. Se for, só depois das eleições. Mas são temas que ainda precisam de discussões maiores", declara Gonzaga Patriota. "Estamos com 'sangue no olho' para isso, mas isso é uma decisão coletiva", diz Evair Vieira de Melo.

Já Sóstenes Cavalcante é mais pessimista: "Não tem a menor condição. Não há cronograma para isso".

O Congresso tem 68 parlamentares como candidatos nas eleições de 2020. São 66 deputados federais: 59 concorrendo a prefeito e sete a vice-prefeito. O número de deputados candidatos é inferior ao verificado nos pleitos de 2012 e 2016, quando foram, respectivamente, 87 e 82 deputados. No Senado, são dois os candidatos: Vanderlan Cardoso (PSD) disputa a prefeitura de Goiânia (GO) e Jean Paul Prates (PT) é candidato a prefeito de Natal (RN).

Mesmo parado, Congresso custa R$ 1,25 milhão por hora

Mesmo durante o "recesso branco" – ou outra forma de paralisação durante o período eleitoral – o Congresso não deixa de custar aos cofres públicos R$ 1,25 milhão por hora. O cálculo é da ONG Contas Abertas. "Somando o orçamento anual de Câmara e Senado, incluindo todas as despesas, o custo é de R$ 30 milhões por dia", diz o secretário-geral da instituição, Gil Castello Branco.

Segundo ele, a economia causada pela adoção do teletrabalho no Congresso Nacional não pode, até o momento, ser calculada de modo definitivo. "Ainda vamos ver com precisão qual será o valor. Certamente teremos menos despesas com passagens aéreas, café e água. Mas os custos fixos de salários continuam iguais", afirma.

Castello Branco destaca que os períodos eleitorais costumam marcar "debandadas" no Congresso. Ele diz ser possível a ocorrência de uma maior produtividade em 2020, mas pondera: "O parlamentar não vai estar à disposição o tempo inteiro para uma reunião, ainda que por live. Ele pode estar em um trabalho de campo, pode estar no interior… ainda não se sabe qual será a assiduidade".

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