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Instabilidade política tende a afastar investidores do Brasil
Crise política aumenta o risco para investimentos no Brasil.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

A pandemia do novo coronavírus tornou o ambiente de investimentos mais incerto em todo o mundo. Dúvidas sobre quando a sociedade poderá voltar ao "normal", com a reabertura plena das atividades econômicas sem riscos à saúde, ainda rondam até países que, aparentemente, já passaram pela pior fase da Covid-19.

No Brasil, porém, o risco não se limita aos efeitos do coronavírus. Por aqui, a crise política também assusta investidores, e não é de hoje: em setembro do ano passado, o economista Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central (BC), já afirmava que a queda na confiança, por conta da incerteza política, vinha minando investimentos privados no país.

De lá para cá, a situação se agravou. Um dos principais nomes do governo de Jair Bolsonaro, o ex-juiz Sergio Moro, deixou o Ministério da Justiça e Segurança Pública acusando o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal (PF). O episódio deu origem a um inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), que segue em curso.

O STF também conduz uma apuração a respeito da disseminação de fake news contra a Corte e seus ministros. Aliados e apoiadores do presidente já foram atingidos pelo inquérito, pela suspeita de disseminarem ou financiarem a rede de notícias falsas contra o STF.

Na semana passada, uma nova fase das investigações envolvendo o senador Flávio Bolsonaro, um dos filhos do presidente, se iniciou: a prisão do ex-assessor Fabrício Queiroz, ocorrida na casa do advogado de Flávio e do presidente, Frederick Wassef. Em relatório divulgado no domingo (21), o banco norte-americano JP Morgan classificou o episódio como "um novo capítulo da saga política" no país, já que aproxima a crise do Palácio do Planalto.

A animosidade entre os Poderes também cresceu nos últimos meses, com ataques públicos de Bolsonaro ao ministro Alexandre de Moraes, do STF; e a troca de farpas com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.

E, como se não bastassem as rusgas institucionais, o governo passou a ter de lidar, ainda, com a reprovação da conduta do presidente na pandemia do coronavírus e a realização de manifestações contra o governo.

Investidores mais conservadores tendem a fugir do Brasil

Tudo isso parece alheio à economia mas, na prática, esses fatores entram no cálculo feito pelos investidores na hora de decidir onde vão (ou não) aplicar seu dinheiro.

Roberta Muramatsu, professora da Universidade Mackenzie e pesquisadora do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, explica que os mais conservadores tendem a preferir ganhos certos, mesmo que menores. Esse grupo, segundo ela, tende a tirar seus investimentos do país. "Por outro lado, alguns investidores mais alavancados vão precificar as perdas e tentar lidar com elas", afirma.

Na visão da professora, é este segundo perfil que vem fazendo com que a Bolsa de Valores de São Paulo apresente resultados positivos nos últimos dias – mesmo que, aparentemente, não tenham ocorrido melhoras significativas no cenário.

"Alguns analistas avaliam que houve uma diminuição no temor dos investidores, mas eu não compartilho dessa visão. O ambiente político continua conturbado. A alta, na minha opinião, tem a ver com os investidores (tanto domésticos quanto estrangeiros) que estão cientes do risco e, dadas as suas preferências, escolhem encarar essas incertezas e manter suas carteiras no Brasil", avalia.

Ana Paula Cherobim, professora de Finanças da Universidade Federal do Paraná (UFPR), por outro lado, acredita que a percepção dos investidores melhorou significativamente nos últimos dias. Segundo ela, há uma "conotação política muito grande na realidade econômica do país".

"Há uma turma torcendo para que a coisa melhore, para que a atividade econômica se recupere rapidamente. Mas tem do outro lado a turma do 'quanto pior, melhor'. É público que, em situações de fragilidade econômica, as pessoas tendem a não votar no atual governo. No fim, o que era um problema de saúde, se transformou em um problema econômico que está sendo agravado por questões políticas", avalia.

Investimentos de longo prazo também são afetados

De qualquer modo, é consenso que a instabilidade política afeta o humor dos investidores e pode, inclusive, contaminar as expectativas do mercado para o futuro. Raphael Cordeiro, consultor de investimentos e sócio da Inva Capital, afirma que os setores que dependem de uma maior regulamentação do governo, como o bancário e o de energia elétrica, podem sofrer mais pela deterioração das perspectivas.

"A crise está fazendo a arrecadação cair drasticamente, e há o temor de que o governo decida aumentar as alíquotas de impostos para compensar parte das perdas", explica.

Cordeiro aponta, ainda, que a expectativa sofre a influência do grau de endividamento público: quanto maior a dívida, maior a preocupação sobre a solvência e a capacidade de pagamento do governo. No caso do Brasil, o governo deve ter uma avalanche de números negativos em 2020, com retração do Produto Interno Bruto (PIB) aliada ao aumento do endividamento e do déficit das contas públicas.

Para Roberta Muramatsu, da Universidade Mackenzie, os efeitos da deterioração dos indicadores das contas públicas sobre o humor dos investidores podem ser minimizados se houver algumas sinalizações claras do governo. Entre elas está o compromisso com as reformas e o ajuste fiscal quando a pandemia passar.

"A gente vai poder caminhar em um terreno um pouco menos pantanoso se o governo criar estratégias de compromisso críveis. Se mostrar para as pessoas que, por um lado, esses gastos são extraordinários e provisórios; e, por outro, que não estão servindo para satisfazer interesses comezinhos", afirma.

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