A reforma da Previdência, apesar da larga votação favorável na Câmara dos Deputados, trouxe novamente ao debate político a discussão sobre a capacidade de o governo federal de interferir na decisão dos deputados por meio da liberação de emendas no orçamento. Reportagens divulgaram que recursos foram disponibilizados com intensidade nos dias que antecederam a votação, o que levou o PSOL a acusar a gestão de Jair Bolsonaro (PSL) de crime de responsabilidade.
Entre deputados, novatos e experientes, há entendimentos diferentes sobre o verdadeiro poder de influência das emendas parlamentares sobre os votos no Congresso. Alguns relatam terem ouvido colegas celebrando a chegada das emendas e indicando que, a partir da liberação dos pagamentos, votariam com o governo. Já outros definem como "mito" o poder das emendas e apontam que as regras atuais em torno do orçamento tiram o poder de barganha.
O cenário atual ajuda a manter o contexto de indecisão. Bolsonaro foi eleito presidente com o discurso de "nova política" e montou seu primeiro escalão sem ceder ministérios a partidos, como fizeram seus antecessores - abrindo, assim, novos métodos para negociação entre Executivo e Legislativo.
Além disso, a tramitação da reforma da Previdência na Câmara teve como principal protagonista o presidente da casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o que para muitos parlamentares diminuiu a influência do Palácio do Planalto sobre os congressistas. Mas o ano legislativo terá novas votações complexas, e certamente as emendas continuarão em pauta.
O que são as emendas, afinal?
As emendas parlamentares ao orçamento são indicações que cada deputado federal e senador têm direito de fazer sobre o orçamento da união. Os parlamentares podem sugerir R$ 15 milhões em verbas federais para projetos públicos - geralmente, as quantias são repassadas a hospitais ou obras de infraestrutura nos municípios em que os políticos mantêm suas bases eleitorais.
As emendas estão previstas na Constituição e fazem parte do cotidiano de presidentes e congressistas desde a redemocratização. No entanto, passaram por uma grande transformação a partir de 2015, com a promulgação da chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo. A PEC estabeleceu que o governo federal não teria mais direito de escolher ou não o pagamento de uma emenda definida por um parlamentar.
O quadro reduziu o poder de barganha que orbitava as emendas. E gera, atualmente, situações curiosas - reportagem do jornalista Lúcio Vaz, da Gazeta do Povo, identificou que o ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), um dos maiores adversários do presidente Bolsonaro, tem sido contemplado com emendas na gestão do seu rival.
Mas a PEC não finalizou a capacidade de barganha em torno das emendas porque não estabeleceu um prazo para que os recursos sejam efetivamente transferidos. E é em torno desta última etapa que se dá, atualmente, a negociação que envolve emendas e voto.
"Isso é um mito" versus "isso é 100% verdade"
A situação criada desde 2015 leva deputados a definirem como "mito" a capacidade de as emendas influenciarem o voto dentro do Congresso.
"Isso é um mito. Cada deputado tem direito a um valor respectivo de emendas, e esses valores são destinados a obras públicas nas regiões, de modo impositivo. Justamente por isso não existe toda essa capacidade de se modificar votos", declarou o deputado Aureo (Solidariedade-RJ), que está em seu terceiro mandato.
Também na terceira legislatura, Eros Biondini (Pros-MG) tem opinião semelhante: "é natural que o governo estabeleça as suas relações com as bancadas no sentido de formar uma base, mas as votações seguem as consciências de cada deputado".
Já o estreante André Janones (Avante-MG) descreve um quadro oposto. O parlamentar diz ser "100% verdade" a existência de negociações em torno da liberação de emendas ao orçamento. "Infelizmente, em todas as votações percebe-se que o objetivo principal dos deputados é o atendimento das emendas. O que eu considero um desvio de finalidade, já que apresentar emenda ao orçamento não é trabalho prioritário do deputado. As prioridades são legislar e fiscalizar", apontou.
Segundo Janones, à época da votação da reforma da Previdência a situação foi "escancarada". "Não era bochicho não, era parlamentar falando alto para todo mundo ouvir, que teve uma emenda liberada e, por isso, ia modificar o voto", Janones.
O deputado disse que não chegou a ser procurado para falar sobre suas emendas porque adotou, desde o período eleitoral, uma postura de combate à reforma da previdência, e que portanto seu voto não seria influenciado.
Também em primeiro mandato, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) é outra parlamentar que relata não ter sido abordada por membros do governo para discutir a liberação de emendas. Mas na mão oposta de Janones, Ventura é do partido que foi um dos principais fiadores da reforma na Câmara. Por outro lado, a deputada conta que os comentários sobre a distribuição de recursos influenciaram o cotidiano dos parlamentares.
"Houve muito rumor sobre recursos que seriam distribuídos. E nós fomos procurados por entidades que diziam 'agora vocês estão com dinheiro sobrando'. Mas nós do Novo respondíamos: 'não temos, porque não participamos disso'", declarou.
O jogo em torno das emendas é ético?
Mesmo que as emendas não correspondam a corrupção - no sentido de que não se trata de dinheiro público desviado para o bolso de algum político - a possibilidade de sua liberação influenciar nas votações do Congresso é algo que, historicamente, desperta questionamentos.
Os deputados André Janones e Adriana Ventura são dois que questionam o modelo vigente. "A principal prerrogativa do parlamentar deveria ser a de definir o orçamento. Mas as emendas acabam se tornando instrumentos de barganha", Adriana.
Já Carlos Chiodini (MDB-SC), que é também deputado de primeiro mandato, minimiza as críticas: "existe uma distorção nesse caso. Não há problema no fato de um parlamentar buscar benefício para a população que o elegeu. Além disso, os parlamentares que apoiam o governo querem ter acesso aos recursos do governo".
O presidente Bolsonaro falou sobre o tema em suas redes sociais no dia 10 de julho, à época do primeiro turno da votação da reforma da Previdência. "Por conta do orçamento impositivo, o governo é obrigado a liberar anualmente recursos previstos no orçamento da União aos parlamentares e a aplicação destas emendas é indicada pelos mesmos. Estamos apenas cumprindo o que a lei determina e nada mais", escreveu o chefe do Executivo.
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