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Carrinho de supermercado em meia às gôndolas.
Supermercadistas garantem: não vai faltar alimento.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo/Gazeta do Povo

A quarentena causada pela pandemia de coronavírus e a paralisação de diferentes setores da economia geraram preocupações quanto ao acesso aos alimentos e também temores de prateleiras vazias nos supermercados brasileiros. Notícias pontuais de desabastecimento em alguns estabelecimentos e de consumidores exagerando nas compra ampliaram o receio.

O desabastecimento, no entanto, é um risco descartado por produtores e integrantes do governo federal. Na verdade, o temor é exatamente o contrário: que haja um excesso de oferta de alimentos que não serão consumidos porque as pessoas estocaram produtos e porque as cadeias de transporte enfrentam problemas para distribuir a produção – o que já está causando dificuldades econômicas para esse setor.

"O risco de desabastecimento é nenhum. O Brasil produz hoje sete vezes o que a população precisa para se alimentar", afirma o superintendente técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Bruno Lucchi.

Em diferentes entrevistas recentes a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi enfática ao dizer que "não vai faltar comida" para os brasileiros.

Representante dos funcionários do setor, o secretário de Política Agrícola da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), Antoninho Rovaris, endossa a abordagem: "Creio que não temos esse risco, especialmente nas grandes cidades. O Brasil é um grande produtor, com um volume muito alto para exportação".

Parte da confiança do setor vem do fato de o agronegócio ter tido vários dos seus braços enquadrados como "serviços essenciais" por parte do governo federal – ou seja, como atividades que não podem ser interrompidas durante a quarentena.

O Decreto 10.282 e a Medida Provisória (MP) 926, por exemplo, estabeleceram ações que não podem ser afetadas por decisões de governos estaduais ou municipais. Aí se encontram a produção e entrega de alimentos e bebidas, a prevenção e controle de pragas, a inspeção de produtos de origem animal, entre outros.

A segurança quanto à impossibilidade de desabastecimento, entretanto, não indica que o setor não vê preocupações durante a pandemia. Produtores e governo temem outra consequência do quadro atual: o risco de uma espécie de "excesso de alimentos".

A análise é que a quarentena inibe e altera hábitos do mercado consumidor e também representa dificuldades de logística, que é essencial para que a produção chegue ao seu estágio final. Esse ambiente, analisam, pode trazer consequências econômicas para diferentes partes do processo.

Logística: do apoio ao desbloqueio

O transporte de cargas é habitualmente citado pelos produtores do agronegócio como um dos principais gargalos do setor no Brasil. O momento atual, de propagação da Covid-19 e de quarentena, eleva a preocupação.

O quadro aproximou os ministérios de Infraestrutura e Agricultura. A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, diz estar "em contato permanente com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas" para o monitoramento de eventuais bloqueios em estradas, portos e aeroportos.

A observação de possíveis bloqueios se relaciona com um dos pontos mais sensíveis do momento. Assim que a pandemia foi conflagrada, alguns prefeitos e governadores decidiram fechar as divisas estaduais e limites municipais, o que motivou debates judiciais e contestação por parte de outros administradores.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, apresentou uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em que pede a suspensão de decretos de bloqueio emitidos por oito estados: Goiás, Bahia, Mato Grosso, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

O Ministério da Infraestrutura também se aproximou dos gestores municipais. A pasta elaborou um modelo de decreto, para ser utilizado por prefeitos que garante o funcionamento de serviços essenciais ao transporte de cargas, como borracharias e restaurantes em estradas. O documento foi produzido em conjunto com a Confederação Nacional de Municípios (CNM). O Ministério ainda desenvolveu ações similares com governos estaduais, e reuniu empresas para a construção de um protocolo de regras para auxílio para os caminhoneiros.

O apoio aos transportadores de cargas é visto como essencial para quem está na ponta. "Nosso trabalho está diminuindo em 70%. E a 'gordurinha' que tínhamos no orçamento está acabando", afirma o caminhoneiro Claudinei Habacuque, que atua em São Paulo. Ele diz que, até o momento, não encontrou nas rodovias os pontos de apoio mencionados pelo governo e por empresas do setor, e cobra medidas para a elevação da segurança. O caminhoneiro, no entanto, relata que a categoria descarta a realização de paralisações. "Isso não iria adiantar nada. E nós não queremos sermos vistos como os vilões da história", apontou.

Mercado identifica novos padrões de consumo e pede ações diferenciadas

O setor de supermercados considera o momento atual como de normalidade. Segundo nota enviada pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) à Gazeta do Povo, os empresários da área identificaram um pico de demanda na semana do dia 15 de março, quando as orientações de quarentena começaram a se espalhar pelo país, mas o fluxo voltou ao habitual nos dias seguintes. "Não há necessidade do consumidor estocar", acrescenta o texto da Abras.

Já por parte da CNA, embora haja o entendimento de que o desabastecimento é uma hipótese remota, a preocupação está em equalizar as diferentes realidades de produtores e consumidores diante do novo cenário instalado pela pandemia.

"Precisamos atuar para ajudar na comercialização de produtos que perderam seus canais de vendas", diz Bruno Lucchi. Ele mencionou como exemplos destes produtos artigos como os queijos, que têm sua demanda influenciada pelo fluxo de restaurantes e bares, e também as flores.

Lucchi afirma que a CNA tem dialogado com redes varejistas para garantir o remanejamento de produtos. O superintendente da CNA explicou que cenários de crise como o atual indicam não apenas uma retração no consumo, mas também uma mudança no perfil das compras. "Produtos como o ovo tendem a ter suas vendas aumentadas nessas condições, enquanto outros, como a carne, habitualmente são menos consumidos", ressaltou.

A alteração nos padrões de oferta e demanda abre caminho ainda para modificações abruptas nos preços praticados pelos lojistas. Nas últimas semanas, não foram poucos os exemplos de preços abusivos, no Brasil e no exterior, de produtos de primeira necessidade – em especial o álcool em gel. A Abras disse que busca coibir a prática atuando em parceria com o Ministério da Justiça e Seguridade Pública, por meio da Secretaria Nacional do Consumidor.

A aproximação com o governo é defendida também pela CNA como um mecanismo para a obtenção de outro mecanismo de escoamento da produção. Lucchi relatou que a entidade propôs à Casa Civil do governo federal que o poder público promova a compra de alimentos e faça a doação deles a famílias carentes. Ele viu como positiva a aprovação, por parte do Senado, de um projeto que assegura a distribuição da mereda escolar aos estudantes da rede pública, mesmo com as aulas suspensas.

Já a Contag, segundo Antoninho Rovaris, espera do poder público a prorrogação de financiamentos, que garantam mais prazo, aos pequenos produtores, para o pagamento de dívidas.

E como fica a segurança dos profissionais do setor de alimentos?

A definição do agronegócio e de sua cadeia como atividades essenciais implica que os trabalhadores do setor permaneçam em atividade regular, enquanto grande parte dos outros brasileiros faz trabalho domiciliar ou mesmo não opere durante o período. O cenário motiva questionamentos sobre a segurança dos profissionais do setor, e a prevenção deles para não se infectarem com o coronavírus.

"É um segmento com muitos trabalhadores de idade avançada", diz Rovaris. O dirigente da Contag, entretanto, vê no campo menos condições de propagação do coronavírus, por causa do espaçamento natural que envolve as atividades do setor.

Bruno Lucchi menciona que a CNA já tem orientado a adoção de práticas como maior higienização das propriedades e a implementação de dormitórios mais amplos, para evitar a aproximação de pessoas. "Estamos também pedindo para que os ônibus, que geralmente são utilizados para levar 40 trabalhadores [rurais], passem a transportar 20."

Lucchi afirma ainda que a CNA vê a possibilidade da reabertura de feiras livres, que a entidade vê como importante para a comercialização de alguns produtos, mas a partir de novos parâmetros: "Com mais espaçamento entre as barracas e preços 'redondos', para evitar troco".

Nos supermercados, a Abras diz seguir os procedimentos estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS), e providenciou uma cartilha com práticas de segurança para as empresas do setor.

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