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Ministro Edson Fachin, do STF.| Foto: Arquivo STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira (10), em sessão plenária por videoconferência, a constitucionalidade do chamado “inquérito das fake news”, aberto em março de 2019 para investigar ofensas, ameaças e notícias falsas contra o Tribunal.

O único a votar até o momento foi o relator, o ministro Edson Fachin. Ele julgou improcedente a ação movida pelo partido Rede Sustentabilidade, que, em março de 2019, pedia a suspensão do inquérito por considerá-lo inconstitucional.

Fachin sugeriu algumas balizas para o inquérito: a atuação conjunta com o Ministério Público, a garantia de que os investigados tenham acesso aos autos, a condição de que o objeto do inquérito sejam manifestações que denotem “risco efetivo” à independência do poder Judiciário por meio de ameaças, e a observância dos princípios de liberdade de expressão e de imprensa.

O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou que o julgamento continuará na quarta-feira da semana que vem (17). Caso a maioria dos ministros acompanhe o relator, o inquérito das fake news continuará sendo conduzido pelo STF.

Em sustentação oral sobre inquérito, jurista alerta para “ditadura do Judiciário”

Em sua maioria, os juristas que fizeram as sustentações orais prévias ao voto do relator foram críticos ao inquérito das fake news.

Luiz Gustavo Pereira da Cunha, advogado representante do PTB responsável por uma das sustentações orais do julgamento, citou uma frase de Rui Barbosa: “A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.

Para o advogado, o inquérito viola “o preceito fundamental da separação de poderes”, “o artigo 129 da Constituição federal, que trata da competência do Ministério Público para promover a ação penal pública”, além da Lei Orgânica da Magistratura. “A presidência da investigação por magistrados somente é possível nos casos em que houver indício de participação de outro magistrado, o que não é o caso”, disse Cunha.

Cunha considera que “o poder de polícia do Supremo, fora de suas dependências territoriais” é ilegal e inconstitucional. “O poder de polícia está limitado às dependências ou sede do tribunal, nada além disso. Há um limite geográfico, uma competência territorial para o inquérito, limite e competência impostas pela letra do regimento interno”, disse o advogado ao tribunal.

O advogado-geral da União, José Levi Mello, também foi crítico ao inquérito e recomendou ao Tribunal “não criminalizar a liberdade de expressão ou a liberdade de imprensa, inclusive e em especial na internet”. Aconselhou ainda ao STF que, "na dúvida entre a liberdade de expressão e uma possível e alegada fake news", assegure a liberdade de expressão.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, manifestou-se favorável à manutenção do inquérito, mas pediu à Corte para delimitá-lo melhor. O ministro acha necessário estabelecer “as balizas necessárias para que o inquérito das fake news não se eternize, mantenha-se num universo de um objeto delimitado, e propicie que todos os seus atos e diligências sejam previamente submetidos à apreciação” do Ministério Público Federal.

Como foi o voto de Fachin

O ministro Edson Fachin, relator do julgamento, fez um longo voto, de mais de duas horas, com críticas aos defensores do fechamento do Supremo e a pessoas que apoiam "a morte", "a prisão de seus membros" e a "desobediência a seus atos", em aparente referência a falas do ministro da Educação, Abraham Weintraub, no vídeo da reunião ministerial divulgado recentemente.

No começo, Fachin fez observações sobre a liberdade de expressão e de imprensa, lembradas pelos juristas que fizeram as sustentações orais como preceitos fundamentais que estariam sendo atacados pelo inquérito das fake news.

Ele ressaltou a adesão do Supremo a esses princípios, citando decisões anteriores da Corte favoráveis a essas liberdades. Destacou ainda que o inquérito “não pode e nem deve ser salvo-conduto genérico amplo e sem limites”. Em contrapartida, lembrou que as liberdades de expressão e de imprensa não isentam as pessoas de responsabilidades civis e criminais por condutas que ferem outros preceitos.

Para defender o STF das alegações de que o inquérito feriria a liberdade de expressão, Fachin também se ancorou em jurisprudências de tribunais que impõem limites à liberdade de expressão, como em casos em que há propagação intencional de informações falsas.

Em relação ao argumento de que o STF não poderia investigar, acusar e julgar num mesmo caso, Fachin reconheceu que o Ministério Público é o titular da ação penal, mas ressaltou que o artigo 43 do regimento interno do STF permite a instauração de inquéritos pela própria Corte. A omissão ou a inércia dos órgãos usualmente competentes (nesse caso, o Ministério Público Federal) justificariam que o STF assumisse a investigação.

“Até o momento de conclusão dessa fase informativa, a competência pode persistir com o Supremo Tribunal Federal, aplicando-se aí uma conhecida e admitida teoria do denominado ‘juízo aparente’, conforme inúmeros precedentes de ambas as turmas do Supremo Tribunal Federal”, disse o ministro.

Sobre a ameaça ao preceito constitucional da separação dos Poderes, Fachin afirmou que a democracia e o equilíbrio dos poderes está em risco sem o respeito ao Judiciário.

“São inadmissíveis no Estado de Direito a defesa da ditadura, a defesa do fechamento do Congresso Nacional ou a defesa do fechamento do Supremo Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que enfrentará a justiça constitucional de seu país, quem quer que os pratique precisa saber que este STF não os tolerará. Precisa saber que este Supremo não os tolerará”, disse Fachin.

O ministro concluiu seu voto dizendo que o objeto do inquérito deve se limitar a manifestações que “denotando risco efetivo à independência do Poder Judiciário, pela via da ameaça aos membros do Supremo Tribunal Federal e a seus familiares, atentem, assim, contra os Poderes instituídos, contra o Estado de Direito e contra a democracia”.

“Atentar contra um dos Poderes, incitando ao seu fechamento, incitando à morte, incitando à prisão de seus membros, incitando à desobediência a seus atos, ao vazamento de informações sigilosas, não são manifestações protegidas pela liberdade de expressão na Constituição. Não há direito ao abuso de direito. O antídoto à intolerância é a legalidade democrática”, afirmou o ministro.

Histórico do julgamento do inquérito

O julgamento ocorre cerca de duas semanas depois de uma operação da Polícia Federal (PF) que cumpriu 29 mandados de busca e apreensão relacionados ao inquérito. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro encabeçavam a lista de mandados, entre eles Luciano Hang, dono da Havan, Allan dos Santos, jornalista do Terça Livre, Bernardo Kuster, youtuber católico, além de deputados federais como Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Filipe Barros (PSL-PR) e do ex-deputado federal Roberto Jefferson.

O inquérito é criticado não só por bolsonaristas, que têm apontado a sua arbitrariedade e popularizado a expressão “ditadura do STF” nas redes sociais, mas também por diversos juristas, que veem com estranheza o fato de a Corte figurar como vítima, acusadora e julgadora do caso.

Ambos os procuradores-gerais da República que exerceram mandato no governo Bolsonaro, Raquel Dodge (até setembro de 2019) e Augusto Aras (atual PGR), já se mostraram contrários às investigações.

Em agosto de 2019, Dodge afirmou que considera o inquérito ilegal. “A usurpação de competências constitucionais reservadas aos membros do Ministério Público e sua investigação por verdadeiro tribunal de exceção evidenciam as ilegalidades apontadas”, disse a ex-PGR.

Aras pediu a suspensão do inquérito no último dia 27. Por estranho que pareça, a ação que sustentou esse pedido foi enviada no ano passado pelo partido Rede Sustentabilidade, que, à época, via no inquérito uma ofensa ao preceito constitucional da separação dos Poderes e destacava que o STF não tem competência para conduzir investigações criminais.

A Rede mudou de ideia e, após o pedido feito por Aras, quis desistir da ação. O partido alegou que “se, em seu nascedouro, o inquérito, ao que indica a mídia, apresentava inquietantes indícios antidemocráticos, um ano depois ele se converteu em um dos principais instrumentos de defesa da democracia e da lisura do processo eleitoral”. O ministro Edson Fachin, relator do caso, indeferiu o pedido.

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