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Julgamentos do STF em 2020 começam em fevereiro.
Resolução de 2018 do CNJ mudou regras para auxílio-moradia a magistrados.| Foto: Agência Brasil

A proposta de reforma administrativa que o governo Jair Bolsonaro pretende apresentar ainda não chegou a sair do papel. Ao longo das últimas semanas de 2019, a divulgação do texto foi adiada em diversas ocasiões e o entendimento é que tanto o Palácio do Planalto quanto o Congresso aguardam um “momento positivo” para o início do trâmite da iniciativa. Mas ainda no início das especulações sobre o conteúdo do projeto do governo, um item chama atenção: a ideia de reduzir de 60 para 30 dias as férias dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público (MP).

A sugestão motivou uma nota por parte do procurador-geral da República, Augusto Aras, que na ocasião havia completado pouco tempo no cargo. No texto, ele dizia que a carga de trabalho dos membros do MP era “desumana” e que a redução das férias afetaria a qualidade do trabalho do órgão. Aras também provocou os outros poderes na nota: disse que “caso o Parlamento pretenda levar adiante a redução das férias, é provável que tenhamos que discutir, também, a necessidade de se estabelecer jornada de trabalho e férias de 30 dias para os membros dos Poderes Legislativo e Executivo”.

Atualmente, o Congresso conta com dois períodos de recesso, um no meio do ano e outro na transição entre dezembro e o início de fevereiro.

A ideia de reduzir as férias dos integrantes de Judiciário e MP acabou ganhando menos espaço nas especulações sobre a reforma administrativa. Temas como o fim da estabilidade, a ideia de redução de jornada com correspondente diminuição de salário e avaliações rígidas do desempenho de servidores obtiveram mais protagonismo. Mas propostas elaboradas pelo próprio Congresso podem fazer com que a diminuição das férias de Judiciário e MP voltem ao radar, ainda que fiquem de fora da reforma administrativa.

PEC de senador aborda venda de férias

Um dos projetos é de autoria do autoria do senador Carlos Viana (PSD-MG). Na justificativa da proposta de emenda à Constituição, Viana chama as férias adicionais de “situação esdrúxula e injustificável”. O texto aponta ainda que, em virtude da possibilidade das “vendas” das férias por parte de juízes e procuradores, o privilégio gera despesas elevadas ao orçamento público. Levantamento divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo verificou que as férias adicionais representam um custo de R$ 4 bilhões por ano.

Outra iniciativa que tramita no Congresso e que pode acabar com as férias de 60 dias é uma que faz parte de um projeto maior, cujo objetivo é eliminar os salários de funcionários públicos que superem o teto determinado pela Constituição, que é o vencimento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta se originou no Senado, com autoria de um grupo de parlamentares de PSDB, MDB, PT, PL e PDT, atualmente está na Câmara e tem como relator o deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR).

Parlamentares veem ambiente favorável para mudança

Membros do Congresso Nacional que conversaram com a Gazeta do Povo sobre o tema avaliaram que existe, atualmente, um ambiente no Legislativo favorável à tramitação desse tipo de proposta.

“Acredito que passa [a redução das férias]. Temos que avaliar questões técnicas, para não violarmos a autonomia dos outros poderes, mas o momento é oportuno para isso”, disse o senador Izalci Lucas (PSDB-DF).

Ao longo de 2019, o Senado ensaiou uma “guerra” com o Judiciário: logo no início do ano parlamentares se mobilizaram para instalar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar irregularidades no poder. A “Lava Toga”, como a CPI foi batizada, acabou não sendo instaurada, mas gerou movimentações ao longo de todo ano. E mais para o fim de 2019, os senadores voltaram a questionar o STF após a decisão da corte de impedir a prisão de condenados em segunda instância - o que levou à libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Integrante da oposição ao governo Bolsonaro, o líder do PCdoB na Câmara, Daniel Almeida (BA), também avalia que existe uma inclinação no Congresso à redução do privilégio. “Tem uma possibilidade de o Congresso se mobilizar para garantir esse tratamento isonômico aos servidores”, declarou. Almeida disse que os oposicionistas poderiam votar a favor do tema mesmo que a ideia faça parte da reforma proposta pela equipe de Bolsonaro: “nós vamos sempre analisar o mérito das proposições. A origem da ideia [por parte do governo] tem significado político, mas não é isso que deve merecer a nossa apreciação”.

Um obstáculo para que a iniciativa avance no Legislativo é o lobby dos membros das carreiras afetadas. O deputado Rubens Bueno diz existir um “lobby poderosíssimo” para combater a tramitação da proposta. Grupos de servidores públicos são habitualmente vistos no Congresso Nacional em ocasiões de votações de temas que interessem às suas categorias.

Deputados interpretam fala de procurador como provocação

A fala do procurador Augusto Aras de que a discussão sobre a redução das férias de Judiciário deveria motivar um debate sobre os recessos de Executivo e Legislativo foi interpretada por parlamentares como uma espécie de provocação.

Bueno definiu o posicionamento de Aras como “conversa fiada sem compromisso”. “Os parlamentares não ficam sem trabalhar por 60 dias. Mesmo quando o Congresso está em recesso, estamos viajando, atendendo a população. Nós ‘prestamos concurso’ a cada quatro anos e somos avaliados pelos eleitores, diferentemente deles, que prestam apenas uma vez e se garantem pela vida toda”, disse.

A paralisação nos trabalhos do Congresso é determinada pela Constituição. A Carta Magna especifica que os trabalhos de Câmara e Senado ocorrem anualmente “de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro”. Ou seja, abre caminho para dois períodos de folga, um no meio do ano e outro em todo o mês de janeiro e no fim de dezembro.

O senador Izalci Lucas avalia que também estas paralisações poderiam ser revistas. “Acho que é o momento oportuno para pensarmos nisso. Muitas votações ficam paradas, há muito o que ser feito”, apontou.

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