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A discussão sobre o fim da meia-entrada em eventos culturais e esportivas
Show de dupla sertaneja: artistas querem o fim da meia-entrada, mas não será tão fácil acabar com o benefício.| Foto: Gazeta do Povo/Arquivo

O presidente Jair Bolsonaro recebeu um grupo de cantores sertanejos no Palácio do Planalto na última quarta-feira (29) e, no encontro, ouviu do produtor musical Doreni Caramori um pedido para acabar com a obrigatoriedade da meia-entrada em eventos culturais. Caramori, que é presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape), chamou o benefício de "injustiça histórica". Bolsonaro não se posicionou especificamente sobre o assunto, mas disse ter "carinho especial" pelos sertanejos e mostrou-se aberto a receber sugestões deles.

A visita dos sertanejos, a declaração de Caramori e a sinalização de Bolsonaro em discutir o assunto levou a meia-entrada a se tornar um dos assuntos mais discutidos da internet na quinta-feira (30). Na rede social Twitter, a hashtag #OpineSobreMeiaEntrada esteve nos "trending topics" ao longo do dia.

Quais são as regras da meia-entrada

A meia-entrada vale para ingressos de eventos culturais e esportivos. Contempla estudantes, idosos, pessoas com deficiência e jovens de baixa renda inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal.

O benefício hoje é regulamentado pela Lei 12.933, que foi aprovada em 2013, durante o primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O texto ampliou a meia-entrada a pessoas com deficiência e aos jovens carentes entre 15 e 29 anos. Até então, apenas estudantes e idosos eram contemplados com os ingressos a preço reduzido.

A lei de 2013 voltou a determinar que a carteirinha de identificação dos estudantes, para pleitear a meia-entrada, deve ser emitida por entidades como a União Nacional dos Estudantes (UNE) ou a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG). À época, a alegação para a justificativa da norma era a de que a identificação com carteirinhas expedidas unicamente pelas próprias instituições de ensino abriu caminho para falsificações de documentos e, por consequência, para o encarecimento dos ingressos.

A Lei 12.933 também especifica que a carga de ingressos com preço pela metade deve ser de no mínimo 40% do total dos bilhetes.

Os argumentos a favor e contra o benefício

Os defensores da meia-entrada alegam que o benefício é imprescindível para que mais pessoas tenham acesso a atividades artísticas e esportivas. Isso estimula a formação cultural dos brasileiros e os segmentos da economia ligados a esses setores.

Já os contrários acreditam que a meia-entrada é utilizada, em muitos casos, por pessoas que não precisariam de um subsídio (como estudantes ricos). Além disso, o benefício provocar um encarecimento geral dos preços dos ingressos para todas as pessoas.

Quais seriam os passos para acabar meia-entrada

Para que a meia-entrada deixe de existir, é necessário que o Congresso Nacional aprove uma lei extinguindo o benefício. Além disso, o presidente da República terá de sancioná-la. Ou seja, é preciso votações e debates tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, além do apoio do presidente. Como se trata de lei, a aprovação exige maioria simples nas duas Casas legislativas.

Mas, ainda que haja uma nova lei federal sobre o assunto, não haveria a extinção imediata de todas as hipóteses de meia-entrada que existem no Brasil. O advogado Paulo Palhares explica que a concessão do benefício aos maiores de 60 anos é regulamentada pelo Estatuto do Idoso, que estados e municípios têm legislações próprias estabelecendo o benefício. Ou seja, seria necessário mudar outras leis.

"A questão da meia-entrada é algo que envolve a regulação do comércio e também o acesso à cultura. Portanto, há uma competência concorrente em torno do tema. Houve ocasiões em que estados aprovaram leis para garantir a meia-entrada a servidores públicos locais, com uma alegação de que o benefício é um meio de acesso à educação. É uma área cinzenta", afirma Palhares.

Que projetos hoje há Congresso tratando do benefício?

A meia-entrada é tema constante de projetos de lei no Congresso Nacional. Mas normalmente para ampliar o benefício, e não para acabar com ele.

A deputada Mariana Carvalho (PSDB-RO) é autora de uma proposta para permitir a concessão da meia-entrada a pessoas que doem um quilo de alimento não-perecível no ato da compra do ingresso. Segundo o projeto, a iniciativa pretende estimular a solidariedade.

Já o ex-deputado André Amaral (PROS-PB) propôs, em 2018, que os trabalhadores do agronegócio pagassem metade do ingresso em feiras relacionadas ao setor. Na mão oposta, mesmo parlamentar foi o autor de uma proposição para impedir o acesso à meia-entrada para idosos e pessoas com deficiência que não tenham baixa renda.

Grande parte dos projetos sobre o assunto não têm vida longa na Câmara. Acaba rejeitado ou fica no limbo das propostas que permanecem sem definição. O projeto de Mariana Carvalho, por exemplo, teve sua última movimentação em fevereiro de 2018.

Quem é contra e quem é a favor da meia-entrada

Os argumentos clássicos da discussão sobre a meia-entrada refletem o fato de que o tema polariza opiniões de modo característico entre direita e esquerda.

Nas discussões virtuais da quinta-feira (30), a UNE realizou uma série de postagens em defesa da manutenção do benefício. Entre os argumentos, a entidade expôs que vê na meia-entrada também um mecanismo para redução da criminalidade.

Já entre os opositores se encontra o Partido Novo, que é favorável ao liberalismo econômico. O deputado Paulo Ganime (RJ), que será o líder da bancada do partido em 2020, disse à Gazeta que é contra a obrigatoriedade por acreditar que "a meia-entrada faz com que todos paguem mais caro".

Que medidas o governo Bolsonaro já tomou envolvendo a meia-entrada

O governo Bolsonaro propôs uma modificação na Lei 12.933 que não extinguiu o benefício, mas mudou a forma de acesso à meia-entrada. A Medida Provisória (MP) 895, editada em 6 de setembro de 2019, criou a Carteirinha de Estudante Digital, acabando com o monopólio da UNE na emissão do documento. A MP determina que qualquer estudante poderia solicitar sua identificação estudantil por meio de aplicativos disponíveis em lojas virtuais e passaria a ter direito, a custo zero, a uma carteirinha que poderia ser usada para solicitar a meia-entrada.

A mudança, contudo, não terá vida longa. Uma MP precisa ser transformada em lei pelo Congresso dentre um prazo legal. Câmara e Senado decidiram não apreciar a MP 895 – nem sequer iniciaram os trabalhos da comissão que deveria avaliar a norma. Com isso, a medida provisória perderá validade no próximo dia 16. E a UNE vai reassumir o monopólio de emissão das carteirinhas de estudante, que dão direito à meia-entrada.

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