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17-11-16 – Alberto Youssef saiu da carceragem e foi conduzido ate a Justica Federal em Curitiba (JF), para colocar a tornozeleira. O doleiro, preso na operacao lava-jato vai cumprir prisao domiciliar em Sao Paulo.
17-11-16 – Alberto Youssef saiu da carceragem e foi conduzido ate a Justica Federal em Curitiba (JF), para colocar a tornozeleira. O doleiro, preso na operacao lava-jato vai cumprir prisao domiciliar em Sao Paulo.| Foto: Gazeta do Povo

O presidente Jair Bolsonaro disse na quarta-feira (16) que tem orgulho de ter "acabado" com a Lava Jato "porque não tem mais corrupção no governo". A declaração repercutiu negativamente. A força-tarefa da Lava Jato no Paraná emitiu nota dizendo que o discurso do presidente demonstra sua incompreensão da necessidade de a operação continuar e de seu descompromisso com a luta anticorrupção. Além disso, a declaração ocorre em meio a uma série de ataques que a operação vem sofrendo nos últimos meses e do receio dos investigadores de que a Lava Jato efetivamente tenha um fim.

Se a Lava Jato de fato acabar no governo Bolsonaro, será mais uma das muitas semelhanças entre a investigação brasileira e a operação anticorrupção Mãos Limpas, da Itália.

A Mani Pulite, nome em italiano da investigação, acabou em 1994, durante o governo do primeiro-ministro Silvio Berlusconi. Antes de comandar a Itália, ele era apenas um empresário e outsider da política. Mas se aproveitou do vácuo de poder deixado pelos partidos tradicionais e se tornou primeiro-ministro surfando na onda da Mãos Limpas, com um discurso anticorrupção.

Nove meses após a posse de Berlusconi, a operação foi encerrada em meio a ataques de todos os lados e à aprovação de leis que dificultaram a punição de corruptos.

A trajetória de Bolsonaro até o Planalto é parecida com a de Berlusconi. O avanço das investigações da Lava Jato abalou os principais partidos – PT, MDB e PSDB – deixando um vácuo, preenchido por Bolsonaro. Embora não fosse um outsider como Berlusconi, Bolsonaro adotou um contundente discurso contra a corrupção e se apresentava como um ferrenho defensor da Lava Jato.

Em agosto de 2017, ao anunciar sua pré-candidatura para presidente, ele ditou o tom da campanha eleitoral: “Vivemos no país da corrupção (…) Está em jogo o futuro do Brasil”. Os ataques à esquerda se intensificaram ao longo da campanha e o centrão foi definido como “escória política” em julho de 2018.

As 81 páginas do plano de governo do então candidato Bolsonaro demonstram esse posicionamento. A expressão “combate à corrupção” e respectivas variações do termo são mencionadas 20 vezes no documento – uma a cada quatro páginas. Em suas propostas, Bolsonaro também contemplava o compromisso do candidato em resgatar as dez medidas contra a corrupção propostas pela força-tarefa da Lava Jato e assinadas por dois milhões de pessoas. Em 2016, a proposta virou o Projeto de Lei n.º 4.850, que há mais de quatro anos tramita no Congresso.

Já eleito presidente, Bolsonaro deu sua maior demonstração de alinhamento com a Lava Jato ao convidar o então juiz da Lava Jato Sergio Moro para assumir o Ministério da Justiça.

A demissão de Moro e as investidas de Aras contra a Lava Jato

Mas, menos de dois anos depois da eleição presidencial de 2018, o vento em Brasília mudou de direção. Em abril, Moro deixou o governo alegando tentativa de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal (PF).

Nessa mesma época, integrantes da chamada "velha política" ganharam novamente um lugar ao sol no governo Bolsonaro, e o Centrão passou a apoiar Bolsonaro no Congresso. A lua de mel do presidente com a Lava Jato também foi definhando à medida que foram se intensificando as investigações do Ministério Público do Rio contra Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Paralelamente, o procurador-geral da República Augusto Aras – nomeado por Bolsonaro fora da lista tríplice escolhida em eleição interna do Ministério Público Federal (MPF) – iniciou uma ofensiva contra as forças-tarefas da Lava Jato em Curitiba, São Paulo, Rio e Brasília. Medidas e propostas de Aras foram vistas como tentativas de asfixiar as operações de combate à corrupção.

No início de setembro, as forças-tarefas de Curitiba e São Paulo foram fortemente abaladas por mudanças internas. Os procuradores da capital paulista pediram demissão em massa, após denunciarem "incompatibilidades insolúveis" com a Procuradoria-Geral da República (PGR). No Paraná, o então coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, alegou motivos pessoais e deixou cargo.

Em suas investidas contra a Lava Jato, Augusto Aras obteve apoio público de ao menos um integrante da família Bolsonaro. "Aras tem feito um trabalho de fazer com que a lei valha para todos. Embora não ache que a Lava Jato seja esse corpo homogêneo, considero que pontualmente algumas pessoas ali têm interesse político ou financeiro. Se tivesse desmonte das investigações no Brasil, não íamos estar presenciando essa quantidade toda de operações", disse o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no começo de agosto, ao defender que os excessos da operação precisam ser investigados.

As ameaças à Lava Jato vindas do Congresso e do STF

Em entrevista à Gazeta do Povo, Deltan denunciou ameaças externas vindas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, e traçou um paralelo com o que ocorreu com a operação Mãos Limpas na Itália, em 1994.

Entre as semelhanças citadas por Deltan estão a reação do establishment político, a substituição da pauta anticorrupção por uma pauta contra alegados abusos do Judiciário e do MP, e uma série de projetos do Congresso que, na visão do procurador, têm efeito de dificultar investigações e processos contra a corrupção.

Ainda em 2019, antes da intensificação das investidas contra a Lava Jato, o Congresso aprovou a Lei de Abuso de Autoridade – vista pela força-tarefa como uma tentativa de intimidar policiais, procuradores e juízes que trabalham em operações anticorrupção. Bolsonaro sancionou a lei, com alguns vetos.

Atualmente, estão em tramitação no Congresso uma série de propostas com potencial para dificultar a punição de casos de corrupção. Essas propostas, por exemplo, afrouxam a Lei de Improbidade Administrativa e a Lei de Lavagem de Dinheiro e diminuem a pena para o caixa dois eleitoral.

Chama a atenção o fato de aliados de Bolsonaro estarem à frente de algumas dessas propostas. O projeto que enfraquece Lei de Improbidade, por exemplo, está sendo articulado pelo líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR) juntamente com Carlos Zarattini, parlamentar paulista do PT – o partido mais crítico da Lava Jato.

Paralelamente, projetos da pauta anticorrupção, como o que autoriza a prisão de condenados em segunda instância judicial, estão tramitando em ritmo lento.

Apesar disso, o procurador Deltan Dallagnol afirmou, em entrevista à Gazeta do Povo, que o Brasil ainda não repetiu a Itália nesse ponto – o que representa uma esperança na luta anticorrupção. “Até agora não existiu ainda grandes mudanças na lei que esvaziaram as punições, como aconteceu lá [na Itália]. Lá, por exemplo, se descriminalizaram algumas condutas e mudaram regras de prescrição”, disse Deltan.

O STF é outro poder onde as investidas contra a Lava Jato ocorrem já há alguns anos. O Supremo está dividido entre ministros "lavajatistas" e "anti-lavajatistas". Ora um grupo consegue vitória, ora o outro.

No ano passado, por exemplo, a decisão do STF que vedou a possibilidade de prender condenados em segunda instância judicial foi uma derrota da ala pró-Lava Jato. A medida permitiu a soltura de vários condenados em processos decorrentes da operação – incluindo ex-presidente Lula.

E a balança pode estar pendendo ainda mais para o lado anti-Lava Jato por escolha de Bolsonaro. Indicado pelo presidente para uma vaga no STF, o desembargador Kassio Nunes Marques é visto como um "juiz garantista". O termo define o magistrado que defende as garantias individuais acima de tudo em suas decisões. E, dentro do Supremo, o "garantismo" tem representantes como Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, todos considerados "anti-Lava Jato".

Kassio Nunes Marques, por sinal, já deu declarações públicas indicando estar alinhado a essa posição. Em conversa com senadores na última terça-feira (6), Marques afirmou que "ninguém é contra o combate à corrupção", mas que é preciso "aparar" os excessos de operações como a Lava Jato.

A ascensão de Berlusconi

No início de 1994, recém-empossado primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi também tentou legitimar seu governo surfando na imagem da operação Mãos Limpas.

Ele convidou os então juízes Antonio Di Pietro e Piercamillo Davigo, integrantes da força-tarefa de Milão, para assumirem os cargos, respectivamente, de ministros do Interior e da Justiça. Ambos recusaram. Mas Di Pietro iniciaria uma carreira política posteriormente, em abril de 1996, um ano e meio após deixar a magistratura, quando foi nomeado ministro da Infraestrutura do governo de centro-esquerda comandado pelo primeiro-ministro Romano Prodi.

Quando, em fevereiro de 1992, a força-tarefa italiana deflagrou a operação Mãos Limpas, o então empresário Silvio Berlusconi usou seus veículos de comunicação para apoiar abertamente a operação. Havia respaldo da opinião pública italiana, cansada de décadas de corrupção. Levantamento da Universidade de Cagliari aponta que, durante a operação, as três redes de televisão de Berlusconi dedicaram 40% do tempo às investigações lideradas pelo juiz Antonio Di Pietro.

Antes que fosse abruptamente encerrada em dezembro de 1994, após ataques vindo de todos os lados – do governo, parlamento, parte do Judiciário e da mídia –, a Mãos Limpas havia investigado, prendido e processado centenas de pessoas entre empresários e figurões da política, principalmente do partido de centro Democrazia Cristiana e dos socialistas.

Isso havia aberto o caminho para a ascensão de novas forças políticas, entre elas o partido de centro-direita Forza Italia, de Berlusconi.

Nas eleições de março de 1994, a coalizão liderada por Berlusconi, que englobava também os ex-fascistas de Alleanza Nazionale e os independentistas da Liga Norte, conquistou 43% dos votos, levando o empresário ao cargo de primeiro-ministro pela primeira vez. Era a promessa da nova política, não tão diferente do que aconteceu no Brasil.

As atitudes dúbias de Berlusconi em relação à Mãos Limpas

Apesar da atuação de seus veículos de comunicação em prol da força-tarefa da Mãos Limpas e de se beneficiar eleitoralmente da pauta anticorrupção, Berlusconi mantinha uma atitude volúvel sobre a operação.

No verão de 1993, antes de se candidatar, suas empresas entraram na mira dos investigadores e o empresário ordenou que seu jornal, Il Giornale, iniciasse uma campanha midiática contra os magistrados. O diretor de redação, Indro Montanelli, recusou e tentou resistir às pressões, mas deixou o cargo poucos meses depois.

Berlusconi sempre justificou seu empenho político como uma forma de evitar que a Aliança dos Progressistas, que reunia partidos de esquerda, tomasse o poder “após ter arrebentado a democracia por meio do uso político da Justiça”. Seu braço direito, Marcello Dell’Utri, porém, deu uma versão diferente: “Silvio Berlusconi entrou na política para defender suas empresas”, disse em dezembro de 1994.

Desde 1993, pairavam sobre o Berlusconi-empresário acusações de ter pagado propinas e caixa dois a políticos para ganhar licitações, entre outros crimes. As investigações avançaram durante o seu governo e, várias vezes, o primeiro-ministro ameaçou denunciar a força-tarefa por atentado aos órgãos constitucionais.

Em julho de 1994, o governo Berlusconi enviou ao parlamento um decreto batizado pela oposição de “salvaladri” (salva ladrões), que transformava a prisão preventiva em prisão domiciliar para réus e investigados pelos crimes do colarinho branco. A tentativa de “presentear” os envolvidos na Mãos Limpas acabou sendo barrada no parlamento.

O fim da Mãos Limpas

Paralelamente, os integrantes da força-tarefa de Milão foram vítimas de dossiês secretos com informações falsas e recebiam ameaças anônimas de mortes. Também foram alvo de inquéritos e ações disciplinares para apurar supostos desvios – que lembram as investigações do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra o procurador do MPF Deltan Dallagnol.

"Sei que no Brasil tem uma tentativa em curso, igual ocorreu na Itália, de fazer acreditar que houve um golpe judiciário com finalidades políticas e não uma investigação sobre os políticos corruptos”, afirmou Di Pietro em entrevista à Gazeta do Povo, em 2019. “Espero que a opinião pública não fique desinformada ao ponto de ficar confusa em relação à realidade dos fatos”, acrescentou.

Na Itália, a deslegitimação do trabalho dos magistrados continuou até o cerco se fechar no dia 6 de dezembro de 1994, quando Di Pietro tirou a toga durante uma audiência decretando o fim da operação e o desmembramento da força-tarefa.

Em janeiro passado, em entrevista ao semanal italiano L’Espresso, o ex-juiz afirmou que deixou a investigação porque temia ser preso por causa das acusações de corrupção passiva e abuso de poder. Nos anos seguintes, ele foi absolvido em todos os processos.

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