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O presidente Jair Bolsonaro e o vice Hamilton Mourão em evento sobre 100 dias do governo no Palácio do Planalto em 11 de abril de 2019
Bolsonaro levou ‘caneladas’ do vice-presidente Hamilton Mourão, mas não só. (Foto: Evaristo Sá/AFP)| Foto: AFP

Entre metas cumpridas na íntegra e outras parcialmente, os primeiros meses de governo de Jair Bolsonaro deixaram clara a crônica dificuldade do presidente de articular uma base de apoio. Acumularam-se polêmicas dentro do governo e críticas vindas não só da oposição, mas também de governistas, parlamentares novatos e veteranos que o apoiaram durante a campanha presidencial.

O fogo amigo partiu de companheiros de partido e de legendas que apoiam Bolsonaro. E o vice-presidente, general Hamilton Mourão, agiu de maneira muito independente, por vezes contrariando as ideias e posturas do titular – o que levou até a um pedido de impeachment de Mourão, feito por um deputado aliado ao governo. Entre outros exemplos, ele evitou se posicionar categoricamente contra o aborto e se reuniu com integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), historicamente alinhada ao PT.

A lista de "caneladas" trocadas por debaixo da mesa do governo em três meses e meio de governo não é pequena.

1. 'Estamos em um barco com poucas pessoas'

"Hoje nós estamos em um barco com poucas pessoas, e mesmo as poucas pessoas, muitas delas não estão remando no mesmo sentido. Isso é muito importante ficar claro. Falta uma estratégia, e até mesmo se for pra perder, que perca com dignidade, com a cabeça erguida." A análise é do deputado Felipe Francischini (PSL-PR), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados na última segunda-feira (15), após a aprovação de um requerimento para votar – antes da reforma da Previdência – as mudanças feitas pelo Senado na PEC do Orçamento Impositivo.

Em conversa com jornalistas à saída da comissão, Francischini disse que só a oposição ganha com o adiamento da votação da reforma. E reclamou do que chamou de "obstruções desnecessárias" por parte de deputados governistas. "É algo que tinha que ser melhor estudado pela liderança do governo, pra fazer os acordos."

Questionado se entende o adiamento da votação da PEC da reforma da Previdência para a próxima terça-feira (23) na CCJ, Francischni mostrou incômodo: "O governo que tem que dizer. O governo está ligando para os deputados, está dialogando, está se esmerando para aprovar a reforma? Se está fazendo isso, eu torço para que a gente possa aprovar o mais rápido possível. Mas se ele está fazendo isso é uma pergunta que só o governo pode responder."

2. Aliado pede impeachment do vice

O deputado federal Pastor Marco Feliciano (Podemos-SP) protocolou, na terça-feira (16), na mesa diretora da Câmara, um pedido de impeachment contra o vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB). O parlamentar acusa o general da reserva de crime de responsabilidade por "agir de maneira indecorosa e indelicada" com o presidente Bolsonaro.

"Nunca antes nos primeiros 100 dias de um governo um vice-presidente agiu de maneira tão indecorosa e indelicada, desdizendo tudo o que o presidente da República diz", afirmou Feliciano. A gota d’água para o pedido de impedimento, segundo o deputado, foi o fato de o perfil oficial de Mourão no Twitter ter curtido postagem da jornalista Rachel Sheherazade. No tuíte, ela compartilhou uma entrevista do vice-presidente nos Estados Unidos e fez elogios a ele.

"O vice-presidente Mourão curtiu uma fala estranha de uma jornalista que vive para alfinetar nosso presidente, dizendo que quando Bolsonaro sai do país, o país de fato é governado", explicou o deputado. "Eu me recuso a chamar ele [Mourão] de general, porque ele não é general no nosso governo. No nosso governo ele é um vice-presidente, um civil", reclamou em vídeo em que anuncia o pedido de impeachment no plenário da Câmara.

3. O vice também incomoda

Nos primeiros movimentos do governo Bolsonaro, o próprio Mourão deu declarações e tomou atitudes que desagradaram aliados do presidente e geraram estranhamento nos corredores do governo federal.

Ele realizou uma reunião com integrantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), entidade que faz oposição a Bolsonaro. Disse também que o país ainda não decidiu sobre transferir a embaixada brasileira de Israel para Jerusalém, uma promessa do titular, e afirmou que o aborto "é uma decisão da pessoa", o que vai de encontro ao posicionamento tanto do presidente quanto de praticamente todos os integrantes do PSL.

Durante a campanha presidencial, Mourão disse por diversas vezes que não pretendia ser um “vice decorativo”, expressão cunhada por Michel Temer e que simbolizou o rompimento entre ele e a ex-presidente Dilma Rousseff. Mourão é visto também como o principal líder do "núcleo militar" do governo, um dos grupos que marcam a composição da gestão Bolsonaro.

A viagem feita por Mourão aos Estados Unidos alguns dias depois da visita de Bolsonaro ao país também incomodou aliados do presidente. O vice esteve em Harvard, onde participou da Brazil Conference, e em palestra, separou as Forças Armadas do governo e adotou tom mais brando ao falar de questões de segurança pública.

Considerado guru ideológico do governo, o escritor Olavo de Carvalho, que mora nos EUA, escreveu em redes sociais que o evento em Harvard "virou festinha comunotucana" e disse que não tem nada a discutir com Mourão.

O próprio Olavo já havia dito, em evento nos Estados Unidos no mês de março, não saber quais eram as ideias políticas de Bolsonaro, e declarou que o presidente estava de mãos amarradas, e que se "é só continuar isso mais seis meses e acabou". Na mesma programação, o brasileiro chamou Mourão de "estúpido", "golpista" e dono de uma "vaidade monstruosa".

4. O líder do governo que não consulta o Planalto

Na última segunda-feira (15), o deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara, afirmou que a votação da proposta da reforma da Previdência vai acontecer na próxima semana na CCJ. Um acordo fechado com a oposição apontava para que a discussão tivesse início no dia seguinte (16) e que se estendessem até no máximo a próxima segunda-feira (22). Mas a inversão da pauta na comissão empurrou para a terça (23) a retomada da discussão sobre a reforma.

Questionado se ouviu o Palácio do Planalto para estabelecer o acordo, o líder do governo disse que a decisão é do Parlamento. "Não fiz consulta nenhuma ao governo, é uma decisão nossa", declarou o parlamentar, do partido de Bolsonaro. "Queremos discutir o máximo possível, o embate de ideias vai aprimorar a proposta."

5. A metralhadora de Alexandre Frota

Em entrevista ao jornal "Folha de S.Paulo" em 10 de abril, o deputado Alexandre Frota (PSL-SP) apontou o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, como o maior responsável pela dificuldade de articulação demonstrada até o momento pelo governo Bolsonaro. Para o parlamentar, o ministro se perdeu e não tem mais condições de manter o papel de articulador do presidente. Ele teceu críticas também ao ministro da Cidadania, Osmar Terra (MDB) pela nomeação de Henrique Medeiros Pires a secretário da Cultura, a quem classificou como “frouxo”.

Frota também não cansa de criticar a ala ligada ao escritor Olavo de Carvalho, a quem chamou de "maluco", e na mesma entrevista reclamou do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, indicado por Olavo.

Em março, por defender a prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, e pedir o afastamento do senador, Frota usou o twitter para informar que passou a ser considerado "persona non grata" no governo.

"Hoje depois de 4 anos de dedicação recebi a informação que sou persona não grata no Gov. Bolsonaro por eu defender a prisão do Queiroz que confessou rachar os salários de funcionários e por ter pedido o afastamento do Senador p ele apenas se defender", publicou no microblog.

6. A metralhadora do líder do PSL na Câmara

Líder do partido de Bolsonaro na Câmara, o deputado Delegado Waldir (PSL-GO) não poupou a própria legenda – incluindo a líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP) e o líder na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO) – em uma entrevista de duas horas concedida ao UOL. Na ocasião, disse também que, apesar de ser líder do partido do presidente, não é submisso, e que hoje é parlamento, não governo.

Foi Waldir quem deu voz à divisão dentro do PSL quanto ao texto da reforma da Previdência. Ao comparar a proposta do governo a um abacaxi que o governo queria que a Câmara descascasse com os dentes, disse: "Tem que trazer a faca para ajudar a descascar."

No fim de março, o partido fechou questão a favor da reforma e decidiu que contrários à decisão podem ser expulsos.

7. 'O governo vai tomar um cacete', avisa líder do PSL no Senado

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), reclamou da decisão do governo de alterar, no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) enviado ao Congresso na última segunda-feira (15), a política de reajuste do salário mínimo.

A proposta do governo passa a considerar apenas a inflação para o reajuste do salário, e não mais o cálculo com base na inflação do ano anterior mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, fórmula que vigorou entre 2012 e 2019. Com isso, o ajuste passa a ser feito apenas pela inflação, sem ganho real.

“Dentro do novo debate, com a nova política, na prática, se o centrão se juntar à oposição, o governo já toma um tremendo cacete”, afirmou o senador ao jornal "Folha de S.Paulo". "E ainda neste momento, o governo vai tomar um cacete e pedir desculpas, senão trava de vez a Previdência."

Para o parlamentar, a proposta, que classificou como uma "pendenga difícil", tem tudo para ser rejeitada no Congresso.

8. Líder no Congresso: briga no Twitter e liderança contestada

Joice Hasselmann teve a liderança contestada por integrantes do PSL depois de usar o Twitter para atacar deputados. Líder do governo no Congresso, ela ironizou a troca do nome do PPS para Cidadania e recebeu resposta do líder da legenda na Câmara, deputado Daniel Coelho (PE). Depois, trocou tuítes quentes com o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), chamando-o de "moleque" e "oportunista".

"A líder errou. Essa condução da discussão política via redes sociais tem de acabar. Ela e o PSL perdem a legitimidade para fazer a discussão agindo desta maneira. Uma líder não se pode dar ao luxo de atacar dois aliados que publicamente se declararam a favor da reforma", disse o deputado Darci de Matos (PSD-SC).

As críticas à liderança de Joice começaram dentro do próprio PSL. Deputados do partido dizem não reconhecer na parlamentar a capacidade de conduzir o diálogo com a Câmara. No dia 24 de março, ela foi cobrada via WhatsApp a respeito de mais detalhes sobre como deveriam atuar para defender propostas do governo, como a reforma da Previdência, e quanto à comunicação com o Palácio do Planalto. Joice passou a responsabilidade ao líder na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). "Sou líder do governo e não sou líder do PSL. Os interesses individuais dos integrantes do partido são tratados com o líder do partido e não comigo", rebateu.

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