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Como funcionam as forças-tarefas, como a da Operação Lava Jato
Procuradores da Lava Jato de Curitiba, com Deltan Dallagnol à frente: forças-tarefas sob risco de acabarem.| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A crise entre a Lava Jato e a Procuradoria-Geral da República (PGR), exposta após a subprocuradora-geral da República Lindora Araújo fazer uma "blitz" inesperada na sede da operação em Curitiba, pode ter como efeito colateral o fim da força-tarefa montada no Paraná para apurar desvios de recursos públicos da Petrobras. O modelo de forças-tarefas no Ministério Público Federal (MPF) precisa de autorização da PGR para funcionar. Essa autorização é renovada anualmente.

A Lava Jato não é a primeira força-tarefa criada pelo MPF para investigar esquemas de corrupção e desvio de dinheiro público. Mas seguramente é a mais relevante, pois desbaratou um dos maiores escândalos de corrupção da história brasileira. Outras forças-tarefas bastante conhecidas investigaram, por exemplo, o Caso Anaconda, em São Paulo; o caso Banestado, no Paraná e em Brasília; o Caso Hildebrando Pascoal, no Acre; e o Mensalão, em Brasília. Nenhuma delas, no entanto, conseguiu ter impactos tão profundos no cenário político como a da Lava Jato.

Atualmente, a Operação Lava Jato conta com forças-tarefas em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, além do time de procuradores em Curitiba. Em Brasília, há ainda a força-tarefa da Operação Greenfield, que investiga irregularidades em fundos de pensão. Além disso, é comum ver forças-tarefas montadas para investigar crimes previdenciários e de combate ao trabalho escravo em várias regiões do país.

Como funciona uma força-tarefa

As forças-tarefas funcionam como uma espécie de mutirão, em que uma equipe de procuradores é formada para atuar na investigação de um caso. Em geral, são procuradores especialistas no tipo de investigação em andamento, como lavagem de dinheiro, crimes previdenciários, etc. Trata-se de um método de organização e distribuição do trabalho.

A atuação das forças-tarefas do MP não é regulamentada em lei. O Ministério Público Federal lançou, em 2011, um manual sobre criação e atuação desse tipo de “mutirão”. Assinam o manual os procuradores Januário Paludo, Carlos Fernando Lima e Vladimir Aras. Paludo é integrante da Lava Jato em Curitiba e Lima também fez parte do grupo até se aposentar.

A constituição desses grupos de trabalho depende, necessariamente, do aval do procurador-geral da República e de uma deliberação dos órgãos colegiados superiores da instituição, como o Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) e as Câmaras de Coordenação e Revisão (CCR) competentes.

No caso da Lava Jato, a força-tarefa foi criada em 2014 e já teve o funcionamento renovado cinco vezes. Antes do final do ano, a força-tarefa vai precisar de um novo aval da PGR para seguir em funcionamento.

O manual do MPF explica o conceito da atuação das forças-tarefas: “do ponto de vista criminal, força-tarefa é a conjugação de meios materiais e recursos humanos voltada para o atendimento a necessidades temporárias, relacionada à persecução de delitos complexos, crimes graves ou infrações cometidas por organizações criminosas, sempre tendo em mira um objeto específico em determinada área geográfica”.

Um ponto importante destacado no manual do MPF é que as forças-tarefas funcionam de forma temporária, não como órgão permanente dentro da instituição.

“No máximo, pode-se prever a duração da força-tarefa unicamente para efeitos financeiro-orçamentários. Por óbvio, a força-tarefa não pode eternizar-se. Para que sejam evitadas tais situações, impõe-se o acompanhamento rigoroso pela respectiva Câmara, exigindo-se o envio de relatórios mensais sobre o andamento dos trabalhos à CCR, que, por decisão de seus membros, pode pôr fim às atividades da força-tarefa”, determina o manual.

Cabe à Câmara de Coordenação e Revisão decidir pela exclusividade ou cumulatividade de atribuições dos membros da força-tarefa. Ou seja, cabe à CCR decidir se os procuradores trabalharão exclusivamente nos casos investigados pela força-tarefa ou se deverão acumular essa função com a investigação de outros crimes de sua competência.

Também fica a cargo da CCR modelar a força-tarefa, indicando a quantidade de membros necessários à sua composição, sugerir os membros participantes e o seu coordenador, definir o objeto e estabelecer a expectativa de duração dos trabalhos.

Um balanço das forças-tarefas

Desde que foi instaurada, a força-tarefa da Lava Jato já apresentou 119 denúncias em Curitiba, que resultaram em 116 ações penais na Justiça Federal. Até julho de 2020, foram deflagradas 70 operações com base nas investigações. Segundo um levantamento do MPF, foram condenadas 165 pessoas por participação no esquema. Foram devolvidos aos cofres públicos cerca de R$ 4 bilhões.

Entre as vantagens de uma força-tarefa está a formação de uma equipe especializada para investigações que são complexas e exigem maior dedicação dos procuradores. “A força-tarefa terá diretrizes e plano de ação comuns, guiados pelo interesse público na elucidação de infrações relevantes”, diz o manual do MPF.

Mesmo com bons e expressivos resultados, há quem faça ponderações sobre o modelo de forças-tarefas. Em alguns casos, pesa o fato de algumas procuradorias ficarem desfalcadas enquanto procuradores atuam exclusivamente em forças-tarefas. Por outro lado, sem a exclusividade, as forças-tarefas podem perder o foco, já que há limitação de recursos humanos.

Em 2017, a então subprocuradora-geral da República Raquel Dodge, que viria a ser procuradora-geral da República no ano seguinte, elaborou uma proposta que estabelecia limites para a cessão de procuradores a outras unidades do MP. Depois de muita tensão, a resolução foi aprovada pelo Conselho Superior do Ministério Público, mas com uma alteração para garantir que as forças-tarefas já formadas não fossem afastadas.

Recentemente, a PGR, comandada por Augusto Aras, afirmou que o modelo de forças-tarefas está esgotado, é desagregador e incompatível com a instituição. A manifestação foi assinada pelo vice-procurador-geral, Humberto Jacques, no final de junho, ao rejeitar a prorrogação do empréstimo de dois procuradores com dedicação exclusiva para trabalhar na força-tarefa da Greenfield.

A operação investiga desvios de recursos de fundos de pensão e já ressarciu mais R$ 11 milhões aos cofres públicos. A força-tarefa já teve cinco procuradores dedicados exclusivamente às investigações, mas agora conta apenas com o titular do caso, Anselmo Lopes, e com o apoio de outros procuradores, que acumulam funções.

Em São Paulo, três procuradores da força-tarefa da Lava Jato também perderam a dedicação exclusiva à operação. O mesmo ocorreu com um procurador da força-tarefa do Paraná.

A pressão da PGR sobre a Lava Jato

A crise entre a PGR e a Lava Jato ganhou maior proporção depois de uma visita da subprocuradora-geral Lindôra Araújo, aliada de Augusto Aras, a Curitiba, em junho.

A visita foi marcada pela tentativa de obtenção de dados das investigações em Curitiba e por sinais de intimidação aos procuradores. Após as ações da subprocuradora, a força-tarefa liderada pelo procurador Deltan Dallagnol acionou a Corregedoria do Ministério Público Federal.

Em ofício, os responsáveis pela operação relataram que a iniciativa de acessar dados sigilosos da Lava Jato ocorreu "sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido".

Durante a visita, o delegado da Polícia Federal que atua na Secretaria de Segurança Institucional do MPF fez, por exemplo, uma inspeção em equipamentos de informática usados pela força-tarefa. A equipe responsável pela inspeção informou à procuradora-chefe do MPF no Paraná, Paula Cristina Conti Thá, que procurava por três equipamentos de gravação, mas que eles não foram encontrados.

A partir daí, os procuradores passaram a ter o receio de que a PGR poderia tentar um mandado de busca e apreensão em busca de um “guardião”, equipamento usado para interceptação telefônica.

Em nota, a força-tarefa da Lava Jato no Paraná afirmou que “jamais adquiriu o equipamento/sistema Guardião ou qualquer outro equipamento de interceptação telefônica”. O que foi, de fato, adquirido, foi um equipamento para gravação de ligações a partir dos ramais institucionais do MPF, depois que servidores e procuradores da força-tarefa passaram a receber ameaças. O equipamento não grava conversas de terceiros.

A licitação aberta pelo MPF tinha a intenção de comprar três aparelhos, mas acabou adquirindo apenas um. Esse fato, segundo os procuradores, alimentou uma espécie de teoria da conspiração de que dois aparelhos teriam “sumido”.

Dias depois, em uma decisão que afetou a força-tarefa, o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou que as forças-tarefas da Lava Jato no Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo entreguem à PGR todas as informações já colhidas nas investigações, conforme Lindôra queria.

A decisão foi tomada no recesso do Judiciário e no âmbito de uma ação da PGR que questiona se a Lava Jato tentou investigar os presidentes da Câmara e do Senado, apesar de ambos possuírem prerrogativa de foro privilegiado, ou seja, só podem ser investigados com autorização do Supremo.

Lava Jato acredita que PGR tenta "asfixiar aos poucos a operação"

Um integrante da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba disse à Gazeta do Povo acreditar que a PGR deve dissolver a atuação do grupo em setembro – prazo que encerra o funcionamento da força-tarefa se a autorização não for renovada por Aras. Para esse procurador, a PGR busca tentar “asfixiar aos poucos a operação” por “motivações políticas”.

Na visão dos procuradores de Curitiba, o atrito com a força-tarefa é um dano colateral de uma tentativa de enfraquecimento de Sergio Moro, ex-juiz da operação, que deixou em abril o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do governo do presidente Jair Bolsonaro.

Os procuradores acreditam que a intenção é “desmontar” a Lava Jato porque ela “dá força para o Moro”, já que o nome do ex-ministro está fortemente ligado à operação contra a corrupção. Segundo esse procurador, há um grupo político que “não quer que o nome da Lava Jato seja carregado para as próximas eleições”.

PGR quer centralizar investigações de corrupção e substituir forças-tarefas

A possibilidade de ter um novo órgão para unificar as forças-tarefa do país está em discussão no Conselho Superior do Ministério Público, colegiado presidido pelo procurador-geral Augusto Aras. O objetivo é criar a Unidade Nacional Anticorrupção (Unac).

Uma das propostas sob análise daria mais poder ao procurador-geral, pois centralizaria em Brasília o comando de operações como a Lava Jato e colocaria as bases de dados sob administração de uma secretaria ligada à PGR. O coordenador da Unac seria indicado pelo procurador-geral e as forças-tarefas do país ficariam subordinadas ao nome escolhido por ele.

A proposta de criar a Unac ainda está em fase inicial e não tem prazo para ser votada no Conselho do MP. Além de Aras, integram o colegiado outros nove subprocuradores eleitos pela categoria.

Um procurador da Lava Jato ouvido pela Gazeta do Povo disse não ser contra a ideia, mas destacou algumas preocupações da força-tarefa. O ideal, segundo esse procurador, é que o órgão seja regido por um colegiado, e não por um coordenador indicado por Aras. Ao colocar a Unac nas mãos de um indicado do procurador-geral, segundo esse integrante da Lava Jato, pode haver critérios políticos para definição das prioridades de investigação das forças-tarefas.

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