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Painel da Bolsa de Valores de São Paulo.
Economistas se dividem sobre solução para retomada do PIB| Foto: Nelson Almeida/AFP

A recessão vivida pelo país a partir de 2014 e a lenta recuperação do Produto Interno Bruto (PIB), que ainda demora a engrenar, reacenderam um debate antigo entre os especialistas da área. A divergência se dá em torno do melhor "remédio" a ser prescrito para que o Brasil possa voltar a usufruir de bons ventos econômicos. De um lado, enxugar gastos públicos, promovendo um ajuste fiscal. De outro, turbinar as despesas do governo, com foco nos investimentos, para estimular uma retomada mais vigorosa da atividade econômica, se preciso deixando de lado limitações impostas pela lei, como o teto de gastos.

Na primeira vertente, os economistas considerados mais ortodoxos – que em geral têm visão mais liberal da economia, que se alinham a boa parte da direita – apontam que a crise vivida desde o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT) é resultado, justamente, de uma política fiscal de "gastança" indiscriminada, que levou ao colapso das contas públicas.

Como consequência, caiu a confiança de credores, empresários e consumidores, com reflexos no consumo, nos investimentos, no emprego e na renda. Portanto, é preciso cortar e melhorar os gastos públicos, inclusive para que o governo tenha capacidade de, em breve, tocar obras e estimular a economia. Mas isso, dizem esses economistas, não acontece de uma hora para outra. E estimular a gastança neste momento só vai produzir uma nova crise no futuro.

Do outro lado, especialistas da corrente considerada heterodoxa apontam que a aposta dos últimos cinco anos foi, justamente, enxugar gastos – e que isso não vem se traduzindo em um PIB mais robusto. Para esses economistas, a queda nas despesas do setor público foi determinante para a queda da atividade econômica – e, com o setor privado também retraído, a economia não tem impulso para reagir. Eles argumentam, também, que a queda nas receitas do governo é que foi determinante para a piora das contas públicas, e não o desempenho dos gastos.

Pela metodologia do Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, a recessão começou no segundo trimestre de 2014, antes mesmo da reeleição de Dilma, e durou 11 trimestres, até o fim de 2016.

Em 2014, o PIB avançou apenas 0,5%. Na sequência, encolheu 3,6% em 2015 e 3,3% em 2016. A recuperação que veio em seguida é das mais fracas: a economia cresceu apenas 1,1% tanto em 2017 e 2018, e caminha para um resultado próximo de 1% neste ano.

Cada corrente econômica tem sua própria interpretação dessa sequência de fatos.

"O governo Dilma ignorou todas as regras e limitações, definiu que gasto era vida e deu no que deu. Já se tentou aumentar o gasto. Tem se falado nisso com uma certa veemência porque o nosso país tem uma memória muito curta", opina o economista Claudio Frischtak, presidente da InterB Consultoria Internacional de Negócios.

Ele avalia que a melhora vista neste ano, tanto no crescimento do PIB quanto no nível de emprego, não é estrutural. Por isso, argumenta, é preciso que o governo siga com cautela ao planejar seus gastos.

"A nossa situação continua muito, muito frágil. A razão básica para o crescimento baixo está relacionada ao grau de incerteza que permeia o nosso ambiente econômico. Para que isso melhore, é preciso que o ambiente político também fique mais estável, com uma articulação melhor entre governo e Congresso", completa Frischtak.

Mais confiança do mercado pode ajudar a "turbinar" o PIB

Economista da XP Investimentos, Marcos Ross concorda que a expectativa do mercado em relação à economia brasileira ainda não está firmada em um patamar positivo.

"Há pessoas falando que o ajuste que foi feito nas contas públicas não surtiu efeito. Mas o problema não vai se resolver do dia para a noite. Foram seis anos de gasto fiscal como nunca antes, de uma presença muito intensa do governo em várias áreas. Recuperar a confiança e a expectativa é um processo longo", explica.

Parte dos economistas, inclusive, vê a queda atual no nível de investimentos como uma consequência do desequilíbrio fiscal. Para Ana Carla Abrão, economista sócia da consultoria Oliver Wyman, não é possível aumentar os investimentos – tipo de despesa que dá retorno no futuro – sem, do outro lado, cortar gastos correntes.

"Nesse cenário, para aumentar investimentos, ou vamos aumentar impostos – o que a sociedade não comporta mais – ou vamos financiar isso em inflação, o que afeta a confiança e também não é tolerado pela população", pondera.

Visão oposta: presença maior do Estado para mais crescimento

Enquanto isso, economistas heterodoxos, em geral mais alinhados à esquerda no espectro político, apontam que a aposta dos últimos cinco anos foi, justamente, enxugar gastos – e que isso não vem se traduzindo em um PIB mais robusto.

"Não estou dizendo que todos os problemas do país decorrem do corte de gastos, mas há alguma coisa errada com a nossa estratégia. Não conseguimos reverter um quadro muito grave e aumentar o crescimento. Está na hora de admitir o fracasso", afirma Guilherme Mello, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Na visão dele, o contexto enfraquecido da atividade econômica – com baixa inflação e juros em queda – dá as condições para que o governo atue de forma mais enérgica na política fiscal. "Isso está pacificado na literatura econômica. Se houver um incentivo fiscal, com mais investimentos públicos, não vai haver aumento significativo da inflação porque as empresas têm capacidade ociosa. Quando houver esse incentivo, vai haver, também, aumento da demanda, do emprego e da renda", opina.

Investimento em obras

Antonio Porto Gonçalves, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), defende que o governo invista em empreendimentos com baixo impacto de custeio, como obras de infraestrutura que estão paradas. Mas pondera que, para isso, é preciso continuar cortando os gastos correntes obrigatórios, como os relacionados à folha de pagamentos do setor público.

"As despesas obrigatórias são um símbolo do Brasil antigo, de privilégio e salários elevados. É preciso que continue a redução de gastos nisso. Qualquer dinheiro economizado nessa área poderia ser aplicado em investimentos produtivos, como estradas, rodovias, ferrovias e portos, que vão ajudar o país a exportar", defende Gonçalves. Ele aponta que os recursos para tais investimentos também podem vir das privatizações planejadas pelo governo.

Mello, da Unicamp, também apoia a retomada do investimento público. Mas, assim como os demais heterodoxos, afirma que o governo poderia "aumentar um pouco o endividamento" para subsidiar esse tipo de obra.

"[Mesmo] com todos esses esforços [de ajuste fiscal], a nossa dívida aumentou e continua aumentando muito. Por isso, faz sentido aumentar essa dívida no curto prazo e fazer o país voltar a crescer. O resultado dos investimentos ajuda, depois, a amenizar a conta", conclui.

A escalada da dívida pública

A escalada da dívida pública começou em 2014, último ano do primeiro mandato de Dilma Rousseff. Antes, portanto, da nomeação do liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, que assumiu o posto em 2015, logo após a reeleição da petista, com a ideia de ajustar as contas do governo.

A dívida bruta, que havia terminado 2013 no equivalente a 51,5% do PIB, saltou para 56,3% apenas 12 meses depois. E continuou subindo praticamente sem trégua de lá para cá, chegando a 79,8% do PIB no último registro, de agosto de 2019.

Esse aumento da dívida em relação ao PIB é consequência, primeiro, da alta do endividamento em si. Desde 2014 o país tem déficit primário – ou seja, apesar de toda a contenção nas despesas, o governo federal ainda gasta mais do que arrecada antes mesmo de pagar os juros da dívida, o que leva economistas heterodoxos a defender que o problema maior não está no tamanho dos gastos, e sim na queda da arrecadação do Estado.

Além de o país estar devendo mais, a escalada da relação dívida/PIB foi acelerada pelo baixo desempenho do denominador, isto é, do PIB, nos últimos anos.

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