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Bolsonaro disse na saída do Palácio da Alvorada que "ordens absurdas" do STF não devem ser cumpridas: temperatura da crise entre os poderes sobe.
Bolsonaro disse na saída do Palácio da Alvorada que “ordens absurdas” do STF não devem ser cumpridas: temperatura da crise entre os poderes sobe.| Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

O habeas corpus que o ministro da Justiça, André Mendonça, apresentou em nome do titular da Educação, Abraham Weintraub, é o primeiro passo de uma série de movimentos judiciais que o governo federal pode fazer em direção ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias.

Declarações do presidente Jair Bolsonaro e informações veiculadas na imprensa indicam que proposições judiciais podem ser apresentadas com diferentes finalidades. Nesta quinta-feira (28), o chefe do Executivo disse que vai "botar limites", que não haveria mais nenhum dia como ontem (quando seus aliados foram alvos de uma operação da Polícia Federal) e que "ordens absurdas" não devem ser cumpridas.

O conjunto de ações estudadas pelo governo federal pode enfocar temas como abuso de autoridade, recusa a obediência a uma determinação judicial e até mesmo a retomada de uma disputa que o Palácio do Planalto já dava como perdida. As medidas podem inibir novos reveses no STF, mas a Constituição impõe severos limites às possibilidades do Executivo.

O que o governo estuda fazer contra o STF

O habeas corpus a favor de Weintraub foi anunciado por Mendonça nno perfil do Twitter do ministro da Justiça. Mendonça afirmou que a medida "visa preservar a independência, harmonia e respeito entre os poderes".

Weintraub está sob a mira da Suprema Corte desde a divulgação da reunião ministerial do dia 22 de abril, em que ele disse que colocaria "os vagabundos todos na cadeia, começando no STF". O habeas corpus faz referência ao inquérito 4.781, que motivou a operação policial contra as fake news. Ainda na terça-feira (26), Weintraub foi intimado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, a prestar esclarecimentos sobre a frase.

A decisão de impetrar o documento foi tomada em uma reunião no Palácio da Alvorada, na noite da quarta. O fato de o documento ser assinado por Mendonça gerou controvérsia. Embora qualquer cidadão possa produzir um habeas corpus a favor de outra pessoa, é inusitado que o ministro da Justiça execute o ato — o natural seria que o advogado-geral da União cumprisse tal tarefa. A oposição na Câmara anunciou que vai pedir a convocação de Mendonça para esclarecimentos.

Uma medida estudada pelo presidente e outros integrantes do Executivo é a de acionar ministros do STF na Justiça por abuso de autoridade. A possibilidade foi divulgada em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, e é também estimulada pelo pedido de esclarecimentos feito a Weintraub. Deputados que são alvos do inquérito 4.781 também consideram a ação.

No último domingo (24), Bolsonaro publicou em sua conta no Twitter um trecho da Lei de Abuso de Autoridade, mais especificamente o artigo 28: "divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou imagem do investigado ou acusado. Pena — detenção de um a quatro anos".

O presidente da República considera que o ministro Celso de Mello se excedeu ao mandar divulgar parte da reunião ministerial que não guardam relação com a investigação sobre a suposta interferência dele na Polícia Federal.

A reportagem indica que integrantes do governo defendem que Bolsonaro volte a nomear Alexandre Ramagem para a diretoria da Polícia Federal (PF). Ramagem, que atualmente é diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi escolhido pelo presidente para comandar a PF mas teve sua indicação barrada por Moraes, que viu riscos de favorecimentos pessoais de Bolsonaro no ato. Ramagem é amigo dos filhos de Bolsonaro.

Além disso, o episódio de sua nomeação foi estopim da queda do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que disse que Bolsonaro estaria manifestando interesse em interferir politicamente na PF ao colocar Ramagem no comando da entidade.

Outra possibilidade de contestação no radar do governo federal é o de fazer com que o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, se recuse a cumprir qualquer determinação que esteja relacionada com o processo de impeachment contra ele que foi movido pelo PT. Essa possibilidade foi divulgada em reportagem da Folha de S. Paulo.

Além disso, na tarde desta quinta-feira, Bolsonaro compartilhou um vídeo sobre "a aplicação pontual da 142". O "142" mencionado é o artigo da Constituição que fala sobre o funcionamento das Forças Armadas — e que, segundo defensores de uma intervenção militar, conferiria legalidade a um golpe de estado.

E o que o governo realmente pode fazer

Pelo fato de estar exercendo a Presidência da República, Bolsonaro tem direitos e deveres distintos da maioria dos cidadãos. Mas no ato de contestar o Judiciário quando se sentir lesado, deve seguir os mesmos passos de uma pessoa comum. A explicação é do advogado Renato Ribeiro, especialista em Direito do Estado. Ele falou à Gazeta do Povo sobre o que a legislação prevê, em tese, para o relacionamento entre os poderes.

"Um presidente que quiser contestar uma decisão judicial deve ir ao próprio STF, que é o foro competente para este tipo de situação. Ele pode recorrer, agravar, entrar com uma ação judicial, ou mesmo com um próprio recurso dentro do processo. Sempre na presença de um advogado", disse.

Ribeiro também apontou que o afastamento de ministros do Supremo, algo defendido por apoiadores de Bolsonaro, não está na alçada do presidente da República. "Um presidente não pode fazer nada em relação a isso. Os poderes são autônomos, e o impeachment de ministro do STF é uma prerrogativa exclusiva do Senado. O presidente da República não pode demitir um ministro e nem interferir em relação a um processo em curso no Senado", apontou.

O ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB e aliado recente de Bolsonaro, tem pedido em entrevistas que os ministros do STF sejam demitidos ou mesmo presos pelas Forças Armadas.

Acerca da possibilidade de recusa de um ministro de contribuir nas etapas de um processo de impeachment, Ribeiro declarou que o desrespeito a uma convocação do STF para depoimento pode motivar uma condução coercitiva e, em ocasiões mais severas, uma eventual prisão.

O advogado ainda disse ser "absolutamente inconstitucional" a interpretação de que o artigo 142 traria legitimidade a uma intervenção das Forças Armadas nos poderes da República. "O poder moderador, como definido em nossa Constituição, é o STF. É o Supremo que faz a interpretação da Constituição e verifica eventuais lacunas. A ideia de que as Forças Armadas corresponderiam a um poder moderador é uma interpretação equivocada", afirmou.

Mudanças no Judiciário são "ambição antiga" do bolsonarismo

A ideia de transformar a Suprema Corte não é recente por parte do presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Em julho de 2018, ainda como pré-candidato à Presidência, Bolsonaro disse que gostaria de fazer com que o STF tivesse 21 ministros, em vez dos 11 atuais.

A medida daria a ele a possibilidade de indicar 10 novos nomes para a corte. “É uma maneira de você colocar 10 isentos lá dentro porque, da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil”, alegou, em entrevista à época.

Já no início de 2019, nos primeiros meses da atual legislatura, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) se mobilizou para apresentar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que visava reduzir para 70 anos a idade da aposentadoria compulsória dos ministros do STF. Com o teto reduzido, Bolsonaro teria condições de indicar mais ministros ao longo de seu mandato — pelas regras atuais, o desligamento compulsório será aplicado apenas a Celso de Mello, ainda neste ano, e a Marco Aurélio, em 2021.

A parlamentar definia a iniciativa como uma tentativa de "revogar a PEC da bengala", que foi aprovada pelo Congresso em 2015 e elevou para 75 anos a idade da aposentadoria compulsória. O projeto de Kicis não encontrou muito respaldo entre os parlamentares e se encontra paralisado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara.

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