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O candidato Joe Biden fala durante o primeiro debate presidencial da campanha de 2020: ameaça de sanções ao Brasil em nome da proteção da Amazônia.
O candidato Joe Biden fala durante o primeiro debate presidencial da campanha de 2020: ameaça de sanções ao Brasil em nome da proteção da Amazônia.| Foto: Saul Loeb/AFP

O governo federal ficou possesso com a ameaça de sanção econômica ao Brasil pelo candidato norte-americano democrata Joe Biden. Desde antes da campanha eleitoral nos Estados Unidos, a ordem foi sempre manter distância do pleito. Mas a sugestão do adversário eleitoral do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em oferecer US$ 20 bilhões para o Brasil preservar o meio ambiente — e aplicar “consequências econômicas significativas” caso o país não faça sua parte — foi mal recebida no Palácio do Planalto.

Já na noite de terça-feira (29) foi discutido internamente como e se o governo deveria responder. Pela manhã, o presidente Jair Bolsonaro conversou com alguns ministros e assessores para bater o martelo e assim foi feito. Ficou acertado que a ideia seria deixar o próprio presidente responder Biden, nominalmente, inclusive. Como mostrou Gazeta do Povo, o governo tentou manter até o fim sua neutralidade., apesar do alinhamento natural do bolsonarismo com Trump. Mas como há o receio de o democrata vencer a disputa, o Planalto se convenceu de que um recado preventivo deveria ser feito após o debate.

O presidente adotou, em nota, um discurso duro contra Biden. Mas necessário, pontuou um interlocutor. “Não podíamos deixar barato. Para toda ação há uma reação. Um chefe de Estado e, tampouco um candidato presidencial, pode ameaçar como ele fez e ficar sem uma resposta”, rebateu. Em sua resposta, Bolsonaro classificou como "suborno" os US$ 20 bilhões sinalizados por Biden para o Brasil não “destruir” a Amazônia. E não admitiu isso. “Nossa soberania é inegociável”, pontuou.

A defesa à soberania sobre a Amazônia foi precedida pelo tradicional posicionamento de ter posto fim a uma tradição de governos brasileiros que, para ele, foram submissos à comunidade internacional. “O que alguns ainda não entenderam é que o Brasil mudou. Hoje, seu presidente, diferentemente da esquerda, não mais aceita os subornos, criminosas demarcações ou infundadas ameaças”, destacou.

Em resposta a Biden, Bolsonaro destacou que o governo realiza ações “sem precedentes” para proteger a Amazônia. Deixou claro que a cooperação dos EUA é bem-vinda, “inclusive para projetos de investimento sustentável” que possibilitem a criação de “emprego digno” para a população amazônica. “Tal como tenho conversado com o presidente [norte-americano] Donald Trump”, declarou, em aceno ao seu aliado e favorito na corrida eleitoral.

O posicionamento de Bolsonaro foi construído com amplo apoio de conselheiros, sobretudo militares. Os ministros e seus assessores mais próximos oriundos das Forças Armadas sugeriram destacar que não é de hoje que o mundo tem olhos no Brasil. “A cobiça de alguns países sobre a Amazônia é uma realidade. Contudo, a externação por alguém que disputa o comando de seu país sinaliza claramente abrir mão de uma convivência cordial e profícua”, declarou.

Ao fim da nota, Bolsonaro diz que não entende o motivo do ataque de Biden, alegando ser um presidente que reabriu o comércio com os EUA. “Custo entender, como chefe de Estado que reabriu plenamente a sua diplomacia com os Estados Unidos, depois de décadas de governos hostis, tão desastrosa e gratuita declaração. Lamentável, sr. Joe Biden, sob todos os aspectos, lamentável”, afirmou.

Assessor de Bolsonaro critica “ambientalismo hipócrita”

A única exceção dentro do governo em se posicionar além de Bolsonaro foi o chefe da assessoria especial para assuntos internacionais da Presidência, Filipe Martins. Sem citar Biden nominalmente, respondeu ainda na terça-feira, após o debate, em rede social, que nenhum dinheiro do mundo pode comprar “nossa liberdade e nossa soberania”. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), endossou. “As narrativas fantasiosas são compradas não por quem acredita nelas, mas por quem acha que pode tirar proveito delas.

Na manhã desta quarta, Martins destacou que o Brasil cuida não apenas da preservação da região amazônica, mas, também, de seus habitantes. Destacou que a preservação do bioma é indissociável das 25 milhões de pessoas que moram na região amazônica. “Por isso, nosso compromisso com a preservação do meio ambiente, em benefício do Brasil e do mundo, é indissociável do cuidado com essas pessoas e jamais permitirá que elas sejam sacrificadas no altar do ambientalismo hipócrita dos que falam muito e não fazem absolutamente nada”, declarou.

Resposta de Bolsonaro tira imparcialidade do Brasil no debate

A resposta de Bolsonaro a Biden pode ter tido sua estratégia aos olhos do governo, mas pode gerar mais problemas do que soluções. O analista político Lucas Fernandes, da BMJ Consultores, considera que o posicionamento do governo deixa aparente a conotação pró-Trump do governo. “Não precisava dessa resposta tão direcionada. Poderia ter dito essa menção e apresentar dados como uma contra-narrativa, mas foi muito marcado por essa predileção anti-Biden”, analisa.

O ataque de Biden e o contra-ataque de Bolsonaro foram duas surpresas para Fernandes. “A gente não previa isso. Imaginávamos que a agenda ambiental fosse entrar na pauta, mas não a Amazônia sendo nominalmente citada. E não contávamos com a resposta da forma como veio”, disse. De toda forma, o especialista em relações internacionais entende que é o Brasil quem sai mais prejudicado desse embate.

“O presidente tem razão quando fala de alguns pontos da legislação ambiental serem muito burocráticos e prejudicarem o produtor, mas existe pouca ação concreta para reformar o Brasil e dar mais dinamicidade e, ao mesmo tempo, preservar o meio ambiente. Quando não se tem ação concreta e a gente entra nessa disputa, o país fica enfraquecido”, analisa.

Por esse motivo, Fernandes avalia que um dos impactos que a resposta de Bolsonaro pode trazer ao Brasil são em relações comerciais. “Abre-se brecha para comprometer acordos comerciais e, assim, sofrermos mais sanções comerciais por países que usarão de uma verniz ambientalista para emplacar seus interesses protecionistas”, justifica.

Ainda nesta sexta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, criticou o desmatamento na Amazônia e a proteção agrícola. Em discurso na Organização das Nações Unidas, disse que a “soja transgênica nutre o desmatamento”, mas ressaltou que seu posicionamento não viola a soberania do Brasil, ressaltando ter parceiros na região.

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