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Jair Bolsonaro e Paulo Guedes (Brasília - DF, 20/02/2020) Lançamento do Crédito Imobiliário com Taxa Fixa.
| Foto: Marcos Corrêa/PR

A saída de Sergio Moro do governo Bolsonaro aumentou a pressão sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, o último remanescente entre os chamados "superministros". A avaliação do mercado financeiro é de que o presidente derrubou o primeiro dos dois pilares de credibilidade do governo. E que o segundo pilar, o “posto Ipiranga”, que já vinha perdendo espaço, pode acabar pedindo demissão ou sendo exonerado.

O primeiro sinal claro de enfraquecimento de Guedes e sua política liberal apareceu na quarta-feira (22), quando o Planalto anunciou o programa Pró-Brasil sem a anuência e a presença de representantes do Ministério da Economia. O projeto prevê, em uma de suas frentes, um plano de retomada da economia com a injeção de dinheiro público em obras de infraestrutura.

A visão dos idealizadores do programa – os ministros Braga Netto (Casa Civil), Tarcísio Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) – é de que as obras podem gerar até 1 milhão de empregos e fazer a economia se recuperar mais rápido, ao contrário da agenda fiscalista e monetária de Guedes. Já Guedes e sua equipe defendem a retomada via setor privado, com a aceleração de privatizações e concessões e a manutenção da agenda de reformas estruturantes.

“[A crise] começou com esse balão de ensaio do governo Bolsonaro, com um possível Plano Marshall à la Brasil. O mercado já ficou meio incomodado com o fato de o ministro não estar presente e soou como uma possibilidade de estarem enfraquecendo a imagem do Guedes”, diz Camila Abdelmalack, economista da Veedha Investimentos. “Com essa troca de comando da Polícia Federal e a saída de Moro, que ninguém esperava que fosse acontecer no curto prazo, o governo está perdendo um dos seus fiadores. A pergunta é: até quando Paulo Guedes fica?”

Um meteoro chegando à tempestade perfeita

A Gazeta do Povo ouviu vários economistas sobre a mudança radical do cenário político e econômico nos últimos dias. A saída de Moro e a forma como ele deixou o governo, atribuindo crimes de responsabilidade a Bolsonaro, foi tão surpreendente que os chefes de alguns departamentos econômicos preferiram nem falar, pois ainda estavam digerindo os fatos ou envolvidos em reuniões para redesenhar cenários.

“É mais do que a tempestade perfeita. É a tempestade perfeita com um meteoro chegando”, resumiu Rafael Leão, economista-chefe da Arazul Capital, ao comentar a detonação de uma crise política em meio à recessão provocada pelo novo coronavírus e às incertezas sobre a política econômica.

Para o economista Newton Marques, professor licenciado da Universidade de Brasília (UnB), Bolsonaro criou um ambiente muito frágil ao entrar em rota de colisão com o então ministro da Justiça, e Guedes já é "carta fora do baralho". “Moro era um dos guardiões da moralidade, um dos pilares 'imexíveis' desse governo. Então se ele revela que o presidente queria intervir na PF, cria um ambiente muito frágil. Guedes pode continuar lá, mas vimos nesta semana que agora Braga Netto é quem manda.”

O estrategista-chefe do Grupo Laatus, Jefferson Laatus, diz que a saída de Moro evidencia o desmonte do governo Bolsonaro. “A demissão do Sergio Moro é pesadíssima para o mercado como um todo. Agora existe uma preocupação se o Guedes está mesmo tão engajado no ministério. O Braga Netto lançou o pacote de medidas de recuperação econômica e o ministro da economia não estava presente”, ressalta.

Para Laatus, a participação de Braga Netto no governo pode ser um fator que coopera para os últimos acontecimentos. “Desde a fritura do Onyx [Lorenzoni], que acabou saindo da Casa Civil [e indo para a pasta da Cidadania] e a posse do Braga Netto, os ministros estão caindo. Veio a saída do [Luiz Henrique] Mandetta [da Saúde], agora o Moro com essa mudança na PF. Se isso se confirmar, a perda de credibilidade do governo Bolsonaro é gigantesca, por isso o mercado acaba reagindo tão negativamente.”

Guedes fica em silêncio. Presidente da Caixa diz que nada mudou

O ministro da Economia não se pronunciou nem sobre a saída de Moro nem sobre o programa Pró-Brasil. O único integrante da equipe econômica que falou foi o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, em live do jornal "Valor Econômico".

Guimarães afirmou que a saída de Moro não muda em nada a visão Guedes para a condução das agendas de reformas e da economia brasileira. "A posição sobre saída do Moro é do presidente Bolsonaro. Não vejo nenhuma mudança na direção da economia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, meu chefe, tem plano claro.”

De acordo com Guimarães, o momento é de enfrentamento de uma crise na área da saúde e redução de uma crise econômica. "Após arrefecimento da questão da saúde, virão outras medidas na linha da agenda que Guedes tem defendido. Não vejo nenhum tipo de mudança na visão de Guedes [em meio à saída do Moro]", frisou.

Guedes, contudo, ficou insatisfeito com o programa pró-Brasil. O ministro não falou mal do programa publicamente, mas deixou a missão para seus secretários. À imprensa, eles disseram que não há espaço fiscal para abrir a torneira das despesas públicas e que o teto de gastos – mecanismo que impede o crescimento das despesas acima da inflação – é um pilar que não pode ser movido em hipótese alguma.

Preocupa também no Ministério da Economia a aproximação de Bolsonaro com o Centrão, bloco político de centro majoritário no Congresso. Um deputado com trânsito na equipe econômica afirmou à Gazeta do Povo que técnicos da pasta estão preocupados com uma possível investida do Centrão para reativar o extinto Ministério do Trabalho. O PRB seria um dos partidos interessados em comandar a área. Também haveria, segundo esse deputado, um movimento para recriar o Ministério do Planejamento.

Guedes é contra a divisão do Ministério da Economia. Ele fundiu os antigos Planejamento, Fazenda, Trabalho e Indústria e Comércio Exterior justamente para ter o controle sobre toda a agenda econômica do governo. Não à toa, foi chamado de "superministro".

Mercado cobra posição de Guedes

Diante de tantas incertezas e especulações, mercado financeiro e especialistas cobram uma posição de Guedes.

Para o consultor econômico Raul Velloso, ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, o ministro não pode mais continuar na posição defensiva em que está. “Ele não pode simplesmente ficar do jeito que estava antes, de 'eu não vou me mexer'. Ele vai ter de responder às colocações”, avalia.

“A primeira mexida no tabuleiro foi aquele plano de investimento [o Pró-Brasil]. E depois? Vai começar a ter atritos. Se ele [Guedes] for se posicionar contra fazer o que está nesse plano, porque vai precisar de dinheiro, aí vão começar a surgir as divergências. Ele vai ter que ter uma resposta a isso o mais rápido possível”, diz o consultor.

O economista-chefe da corretora Necton, André Perfeito, vê a saída de Moro como uma forma de Bolsonaro se aproximar do Centrão, grupo político que recentemente se distanciou do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de olho na sucessão da Casa e em cargos no governo.

"O problema é que a conquista do Centrão vai ser ainda mais cara. Você vai ter muitas pressões desse grupo por mais recursos, bandeira essa que não tem a ver com a bandeira do Paulo Guedes. Então, me parece que a dinâmica dessa crise iniciada hoje [sexta, 24] uma hora vai chegar no Ministério da Economia", prevê.

Impacto na economia com saída de Moro é grande

A demissão de Moro e as incertezas do mercado sobre a permanência de Guedes e sua agenda liberal pioram a crise econômica iniciada com a pandemia do novo coronavírus.

O dólar fechou sexta-feira em alta de 2,54%, negociado a R$ 5,67, o recorde nominal (sem considerar a inflação) de fechamento desde o início do Plano Real. No ano, a moeda já subiu 41%.

A Bolsa, por sua vez, fechou em baixa de 5,45%, aos 75 mil pontos. Mas, ao longo da sexta-feira, chegou a cair 9,6%, por pouco não acionando o circuit breaker – quando as negociações são interrompidas temporariamente, devido a uma queda de 10% ou mais.

Economistas, analistas e investidores passaram a sexta-feira em reuniões tentando avaliar os impactos sobre a economia dos acontecimentos recentes. No fim da tarde, profissionais renomados ainda não tinham opinião formada e buscavam refletir sobre o que ocorreu.

“Vai ser impossível conversar contigo hoje. É um dia de reflexão, de análise. Eu não sou político, então estou aqui dedicando o dia a conversar com meus colegas e tentar entender um pouco”, disse à Gazeta do Povo um ex-presidente do Banco Central.

Fato é que, conforme as incertezas vão crescendo, a curva de juros do país se inclina mais para cima. "Os investidores cobram juros maiores para aceitar correr riscos maiores no país", diz o economista-chefe da Arazul Capital, Rafael Leão.

“É uma instabilidade política bastante típica da América Latina, mas que neste momento é exacerbada por ocorrer em meio a uma recessão muito forte e a uma crise humanitária, que é a questão da Covid-19”, afirma Leão. “Então a recessão só tende a se aprofundar. Podemos esperar mais revisões de projeções, de PIB para baixo e câmbio para cima”, completa.

Newton Marques prevê uma paralisação institucional e que a situação econômica ficará ainda pior, em especial se Bolsonaro aderir à chamada “velha política”. O professor licenciado da UnB não vê chance de aprovação de reformas relevantes no Congresso daqui para a frente.

“Se alguém fosse trazer dinheiro ao Brasil, para fazer algum tipo de investimento, seja em títulos, renda variável, aquisição de empresas... essas pessoas não vêm mais. Existe uma instabilidade política. Foi colocada uma incerteza.”

A economista Camila Abdelmalack afirma que, pela primeira vez, vamos assistir a uma crise política em meio a uma crise sanitária global: “A gente já enfrentou instabilidade política em outros momentos, mas não durante uma crise global. É uma volatilidade muito grande”.

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