Representantes dos povos indígenas que participam da câmara de conciliação sobre o marco temporal tentam travar as discussões. A iniciativa de negociação foi proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) afirma que só é possível continuar com a tentativa de conciliação se houver suspensão da lei do marco temporal (Lei 14.701/2023) até o fim das discussões. O STF, no entanto, não atendeu ao pedido da entidade até o momento.
Embora não dependa da participação direta deles, a pressão indígena tem surtido efeitos e o marco temporal está novamente parado, mesmo após ter sido aprovado pelo Congresso.
A câmara de conciliação foi criada por decisão do ministro Gilmar Mendes, do STF, que é o relator de cinco ações que discutem a constitucionalidade do marco temporal. A lei, aprovada pelo Congresso Nacional em dezembro do ano passado, restabeleceu a data de 5 de outubro de 1988 como data-chave para as demarcações. Esse marco, no entanto, havia sido rejeitado pelo STF em setembro.
Diante dos impasses, Gilmar Mendes apostou na conciliação para buscar soluções para “garantir direitos dos povos originários e da população não-indígena”. Para o ministro, o marco temporal é uma das questões mais complexas em debate na sociedade, e seus efeitos são vistos em conflitos territoriais em todo o país.
“Esta oportunidade aberta aqui é uma janela de pacificação histórica, que deve ser aproveitada por todos, para que se tente produzir um resultado em cooperação entre todos os participantes. É chegada a hora, hoje, de todos sentarem-se à mesa e chegarem a um consenso mínimo”, disse o decano.
Ainda em razão da divergência entre as decisões do Judiciário e do Legislativo, desde abril, também por meio de decisão do ministro Gilmar Mendes, estão suspensos todos os processos judiciais que discutem a questão do marco temporal.
Sob alegação de que "direitos não se negociam", indígenas se opõem a participar de debates sobre o marco temporal
Desde o anúncio da criação da câmara de conciliação, em abril, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) tem se posicionado contra a negociação. “Direitos não se negociam”, diz uma das frases que vem sendo repetidas pelas lideranças indígenas.
Enquanto os indígenas ameaçam deixar a tentativa de solucionar o problema, a bancada do agro tem se empenhado em buscar a pacificação para o tema. Representada pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR) e pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), a bancada reafirmou que preza pela paz no campo e pela segurança jurídica.
A pressão dos indígenas durante a primeira reunião da câmara de conciliação no STF fez com que a confirmação sobre as próximas datas das reuniões fosse adiada.
Embora o cronograma com a reserva de três datas tenha sido anunciado, o STF apontou que a confirmação se dará apenas após a manifestação da Apib. Os indígenas pediram um prazo de 48 horas para discutir as datas. As previstas para as próximas reuniões no STF são 28 de agosto, 9 e 23 de setembro, das 15h às 19h.
No entanto, encerrado o prazo, a Apib afirmou que se reunirá com suas bases somente na semana do dia 12 de agosto. Portanto, a indefinição sobre o andamento da câmara de conciliação vai prosseguir.
O prazo para o encerramento da câmara está previsto para 18 de dezembro. Caso não haja acordo até essa data, os processos seguirão seu curso normal no Supremo.
Lideranças indígenas afirmam que não são representadas pelo governo federal
Apesar de ter várias lideranças indígenas indicadas por órgãos do governo federal e da Câmara dos Deputados para compor a câmara, os indígenas não se dizem representados por elas. Eles alegam que a composição do grupo é majoritariamente a favor do marco temporal.
“Eles são maioria e não estão interessados em defender os nossos direitos na câmara [de conciliação], mas nós vamos nos mobilizar ao redor do país”, disse Kleber Karipuna, representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) na Apib.
Segundo informações do site do STF, a câmara é formada por seis membros do Congresso (senadores e deputados federais), quatro do governo federal, dois dos estados, e um representante dos municípios. Os representantes do governo, por exemplo, são ligados à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e ao Ministério dos Povos Indígenas.
Entre os representantes do Congresso, estão a parlamentar indígena Celia Xakriabá (Psol-MG), além dos já citados deputado Pedro Lupion (PP-PR) e a senadora Tereza Cristina (PP-MS).
Além disso, a Articulação dos Povos Indígenas (Apib) tem seis representantes no colegiado. O STF informou ainda que cada um dos autores das ações sobre o marco temporal também poderá indicar um representante.
Somada à reclamação sobre a composição que consideram desproporcional, os indígenas alegam também que a suspensão dos efeitos da lei do marco temporal é uma condicionante para que eles continuem no processo.
Durante a reunião no STF, no entanto, o juiz assistente Diego Viegas Veras assegurou que os debates devem continuar, mesmo sem a participação da Apib. Ele afirmou ainda que a suspensão da lei não seria tema de debate da câmara de conciliação.
Bancada do agro defende pacificação para marco temporal
A indisposição dos indígenas em negociar uma solução para a demarcação de terras no Brasil é confrontada com a busca pela pacificação defendida pela bancada do agro. A coordenadora política da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) no Senado Federal, senadora Tereza Cristina (PP-MS), disse esperar que se alcance uma solução negociada para a questão.
"Nós podemos caminhar se todos vierem despidos de preconceitos [...] Que ninguém saia prejudicado e termine esse assunto antes de 18 de dezembro, porque temos problemas como invasões acontecendo em várias regiões do país", afirmou a senadora.
Os representantes do agro também reforçam o posicionamento em defesa da segurança jurídica e da necessidade de cumprimento da lei do marco temporal.
"Segurança jurídica e direito de propriedade são direitos garantidos pela legislação e devem vir em primeiro lugar. Não aceitaremos atropelos à segurança jurídica ou ao direito de propriedade. A Lei do Marco Temporal está vigente, é válida e precisa ser cumprida. É proibida a demarcação de áreas sem indenização prévia de terra nua e benfeitorias. Esse é também o entendimento do STF. Cumpra-se!", disse o presidente da FPA, deputado Pedro Lupion (PP-PR).
Questionada, a FPA não se manifestou sobre a possibilidade de os indígenas abandonarem a conciliação.
Indígenas já abandonaram grupo de trabalho sobre a Ferrogrão
No dia 29 de julho, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) anunciou o rompimento com um Grupo de Trabalho (GT) do Ministério dos Transportes destinado a debater a Ferrogrão. Para os indígenas, a ferrovia, que terá 933 km e vai ligar o Porto de Miritituba (PA) ao município de Sinop (MT), “tem o potencial de destruir modos de vida tradicionais no coração da Amazônia”.
O GT sobre a Ferrogrão foi criado no âmbito de uma ação no Supremo Tribunal Federal -a ADI 6553 - que discute a inconstitucionalidade da lei de desafetação de parte do Parque do Jamanxim para viabilizar a ferrovia.
Em março, o governo federal já havia cedido à pressão dos indígenas e adiado o andamento do projeto após uma manifestação contrária deles com relação à Ferrogrão. No acordo para seguimento do projeto, o ministério se comprometeu a fazer novas rodadas de debates com os indígenas.
À Gazeta do Povo, o Ministério dos Transportes disse que recebeu com "surpresa a decisão unilateral de interrupção da interlocução dos representantes da sociedade civil no Grupo de Trabalho Ferrogrão". De acordo com a pasta, o "espaço de diálogo ocorreu em cooperação com a sociedade civil, desde sua composição e plano de trabalho".
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