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Ministro Alexandre de Moraes foi sorteado no STF como novo relator do inquérito que apura suposta interferência na PF.
Ministro Alexandre de Moraes foi sorteado no STF como novo relator do inquérito que apura suposta interferência na PF.| Foto: Rosinei Coutinho/STF

O sorteio do ministro Alexandre de Moraes para presidir o inquérito aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) que investiga o presidente Jair Bolsonaro por suposta interferência na PF, a Polícia Federal, causou desconforto no Palácio do Planalto. Isso porque ele era o último entre todos os ministros da Corte que Bolsonaro gostaria de ver à frente do inquérito. Mas o que se pode esperar da relatoria de Alexandre de Moraes?

O ministro vai substituir o decano Celso de Mello, que se aposentou da vida pública no último dia 13. Mello teve uma atuação considerada rígida na condução do inquérito. Como relator, ele determinou que a PF colhesse o depoimento de ministros militares do governo, como Augusto Heleno (GSI), Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

Ao determinar os depoimentos, Celso disse que caso não comparecessem, eles poderiam ser conduzidos pela PF "debaixo de vara" para serem ouvidos. Essa expressão, usada no jargão jurídico para se referir à condução coercitiva de investigados, foi mal recebida pelos militares e no Planalto.

Também foi por decisão de Celso de Mello que o vídeo da polêmica reunião ministerial do dia 22 de abril, em que o ex-ministro Sergio Moro diz ter sido pressionado por Bolsonaro e que serviria de prova sobre a suposta interferência na Polícia Federal, foi divulgada de forma integral. O governo queria que apenas trechos pertinentes à investigação fossem tornados públicos.

A forma de condução do inquérito não deve mudar muito com Alexandre de Moraes. O novo relator tem um perfil parecido com o de Mello. Moraes já foi alvo de críticas do presidente da República em um episódio que tem ligação com o inquérito sobre a suposta interferência na PF.

Foi Alexandre de Moraes quem barrou a indicação do delegado Alexandre Ramagem, chefe da Abin, para a diretoria-geral da PF. Ramagem, amigo da família do presidente, havia sido nomeado para substituir Alexandre Valeixo, aliado de Moro, exonerado no episódio que resultou no pedido de demissão do ex-ministro. O ministro do STF considerou que a nomeação feria o princípio da impessoalidade previsto pela Constituição.

"Agora tirar numa canetada e desautorizar o presidente da República, com uma canetada, dizendo em impessoalidade? Ontem [29 de abril] quase tivemos uma crise institucional, quase. Faltou pouco", disse Bolsonaro na ocasião. "Eu não engoli ainda essa decisão do senhor Alexandre de Moraes." "Não engoli. Não é essa a forma de tratar o chefe do Executivo", completou.

Alexandre de Moraes também é relator de outros dois inquéritos sensíveis em tramitação no STF que atingem aliados e filhos do presidente. Um deles é a investigação aberta para apurar a organização e o financiamento de atos antidemocráticos. O segundo diz respeito à suposta existência de uma rede de disseminação de ataques e ameaças a ministros do STF na internet conhecido como inquérito das fake news.

Em ambos, o novo relator do inquérito da interferência na PF autorizou mandados de busca e apreensão de celulares e computadores contra apoiadores de Bolsonaro. Determinou ainda a coleta de depoimentos de parlamentares bolsonaristas, acusados de financiar a realização de atos que pedem o fechamento do Congresso e do STF. Moraes ordenou ainda que redes sociais tirassem do ar páginas de suspeitos de disseminar discursos de ódio contra membros do Supremo.

Inquérito está travado à espera de decisão de Fux

A investigação sobre a suposta interferência na PF, aberta após acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, está se encaminhando para a fase final. Mas, apesar de agora estar nas mãos de Moraes, ainda depende do presidente do STF, Luiz Fux, para avançar.

Fux determinou a redistribuição do inquérito após a aposentadoria do ministro Celso de Mello, primeiro relator da investigação. O sorteio foi realizado na última terça-feira (20) para evitar que o indicado de Bolsonaro para a vaga, Kassio Nunes Marques, ficasse com o caso, gerando um conflito de interesses.

A continuidade do inquérito depende do depoimento de Bolsonaro à PF. Mas antes de o presidente ser ouvido, os plenário precisa decidir se a oitiva será presencial ou por escrito. O julgamento começou no início de outubro, mas apenas o voto de Celso de Mello foi lido até agora. Por isso, o inquérito ainda depende de Fux. Cabe ao presidente do STF pautar a continuidade do julgamento, o que ainda não tem previsão para acontecer.

Celso de Mello defendeu sua decisão monocrática, que havia determinado um depoimento presencial. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu, para que Bolsonaro possa prestar esclarecimentos por escrito e o caso acabou indo parar no plenário, para uma decisão colegiada. Para Celso de Mello, Bolsonaro não tem a prerrogativa de prestar depoimento por escrito por figurar como investigado, não como vítima ou testemunha na investigação.

“Entendo não assistir razão ao senhor chefe do poder executivo da União, uma vez que a decisão agravada ajusta-se à legislação processual penal vigente, à ampla orientação doutrinária sobre o tema e à vários julgados do STF sobre a aplicabilidade em geral do artigo 221 do CPP [Código de Processo Penal] apenas quando as autoridades públicas nele descritas ostentarem a condição de testemunhas”, votou Celso de Mello. “Ninguém, nem mesmo o chefe do Poder Executivo da União, está acima da autoridade da Constituição e das leis da República”, completou o ministro, agora aposentado.

Próximos passos do inquérito sobre a interferência na PF

O inquérito no STF sobre a suposta interferência na PF investiga oito possíveis crimes: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, prevaricação, obstrução de justiça, corrupção passiva privilegiada, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Os crimes podem ter sido cometidos por Bolsonaro ou por Moro, caso a denúncia do ex-ministro não fique comprovada.

Depois de ouvir o presidente, a PF ainda pode pedir a produção de outras provas no inquérito. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes decidir sobre a pertinência ou não do pedido.

Depois de concluir a investigação, a PF decide se indicia ou não o presidente e outros investigados no inquérito. Em seguida a Procuradoria-Geral da República (PGR) deve decidir se oferece ou não denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF), ou seja, um pedido de abertura de ação penal. Se o procurador-geral da República, Augusto Aras, denunciar o presidente, há um ritual a ser cumprido que envolve a autorização da Câmara dos Deputados e o afastamento de Bolsonaro.

Veja como funciona:

  • Se a PGR oferecer denúncia contra o presidente, o STF envia a denúncia para a Câmara;
  • O presidente da Câmara envia uma notificação ao Palácio do Planalto e envia a denúncia para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ);
  • Na CCJ, o presidente tem dez sessões do plenário para apresentar uma defesa prévia;
  • A CCJ tem o prazo de cinco dias para votar um relatório;
  • O parecer é encaminhado ao plenário e o presidente da Câmara tem que marcar a votação para a próxima sessão;
  • São necessários os votos de dois terços dos deputados (342) para autorizar a abertura de uma ação penal contra o presidente;
  • Se os deputados não autorizarem, a denúncia fica em stand by até o fim do mandato do presidente;
  • Se a Câmara autorizar a ação penal, o STF vota em plenário se aceita ou não a denúncia da PGR;
  • Se o STF aceitar a denúncia, Bolsonaro é afastado do cargo até o processo ser concluído, pelo prazo máximo de 6 meses. Nesse caso, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) assume a presidência do país;
  • Se Bolsonaro for absolvido, volta a ocupar o cargo de presidente. Se for condenado, perde o cargo definitivamente e os direitos políticos.

Caso não sejam encontradas provas suficientes para indiciar ou denunciar Bolsonaro, Moro pode entrar na mira da PGR. O ex-ministro pode ser denunciado por denunciação caluniosa ou crime contra a honra, por exemplo.

Nesse caso, Moro responderia a um processo na Justiça comum, em primeira instância, já que não tem foro privilegiado.

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