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Lei de Segurança Nacional
Manifestação em defesa do governo Bolsonaro, em Brasília: Lei de Segurança Nacional tem sido usada para perseguir tanto opositores quanto aliados do governo.| Foto: Sérgio Lima/AFP

A Polícia Federal abriu 77 procedimentos investigatórios com base na Lei de Segurança Nacional (LSN) nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, segundo levantamento do jornal O Estado de São Paulo com base na Lei de Acesso à Informação. O número é 75% maior do que o registrado em quatro anos nas gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), entre 2015 e 2018, quando foram abertos 44 inquéritos.

O uso da LSN é contestado por juristas, e há 23 propostas de alteração protocoladas no Congresso. A redação atual da lei é de 1983, na fase final do regime militar e anterior à Constituição vigente.

A legislação tem sido usada tanto para embasar investigações contra opositores que fazem críticas públicas ao governo Bolsonaro, casos do youtuber Felipe Neto e do humorista Danilo Gentili, quanto contra apoiadores, casos do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), da ativista Sara Winter e do jornalista Oswaldo Eustáquio.

Os casos envolvem tanto a PF quanto as polícias estaduais. Na quinta-feira (18), cinco manifestantes foram detidos pela Polícia Militar em Brasília após estenderem uma faixa com a frase "Bolsonaro Genocida" em frente ao Palácio do Planalto. A PM usou a lei para embasar a ação. A faixa mostrava uma caricatura do presidente com rabo e chifres, transformando uma cruz vermelha — símbolo da saúde — em uma suástica nazista. Segundo a PM, este foi o motivo da prisão.

Caluniar ou difamar o presidente da República é crime, prevê a Lei de Segurança Nacional

A LSN estabelece como crime, em seu artigo 26: "Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos."

O presidente da Associação de Delegados da PF, Edvandir Paiva, disse que autoridades estão usando o órgão como um braço para suas brigas políticas. "Eu gostaria que a Polícia Federal pudesse fazer seu trabalho, que é relevante no combate à corrupção, às facções criminosas e ao tráfico de drogas, e não ficasse sendo instrumentalizada em brigas políticas", afirmou Paiva. "Quem dera a PF pudesse se manifestar para dizer que isso está atrapalhando o serviço dela."

Conforme dados da PF, no governo Bolsonaro, o número de inquéritos que miram supostas ameaças à segurança nacional aumentou mais do que investigações contra lavagem de dinheiro e organizações criminosas. Ao mesmo tempo, os delitos contra a administração pública — como fraudes em licitação e peculato — tiveram redução no número de procedimentos nos últimos dois anos.

Em nota, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública observou que a atribuição para investigar esses crimes é da PF. E afirmou que, se as Polícias Civis e Militares estão "atuando sem lastro", é dever dos Ministérios Públicos apurar a "responsabilidades administrativa e penais".

De acordo com Paiva, a maioria dos inquéritos abertos com base na Lei de Segurança Nacional são resultado de pedidos feitos por autoridades, como o Ministério da Justiça, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal. "A PF está atendendo a requisições."

Uso da Lei de Segurança Nacional é "regresso ao passado"

Segundo a advogada Denise Dora, diretora executiva da ONG Artigo 19, todos os índices que medem a liberdade de expressão no País têm caído nos últimos anos. "É uma novidade dos últimos dois anos: uma pessoa emitir opinião e ser processada pela LSN era algo que não estávamos mais convivendo, e é realmente um regresso ao passado."

Para o professor Cláudio Langroiva, especialista em direito processual constitucional da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), o uso da LSN é excessivo mesmo em casos em que os investigados extrapolam seus direitos e cometem infrações como injúria ou apologia a crime. Ele lembra que o Código Penal já pune esses delitos, com uma diferença: a pena para difamação na LSN chega a quatro anos, mas é de três meses a um ano pelo Código Penal. Procurado, o Ministério da Justiça não havia se pronunciado até a conclusão desta edição.

Nesta sexta-feira, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MP-DFT) expediu recomendação para que a Secretaria de Segurança Pública e o Comando Geral da Polícia Militar do DF determinem às forças de segurança que se abstenham de prender em flagrante manifestantes pacíficos sob o fundamento da violação à Lei de Segurança Nacional.

Defensoria entra com habeas corpus coletivo no STF contra LSN

A Defensoria Pública da União (DPU) entrou com habeas corpus coletivo no STF, nesta sexta-feira (19), em favor de todas pessoas investigadas ou ameaçadas de investigação por crime de segurança nacional por críticas contra o presidente Jair Bolsonaro e outros integrantes de seu governo. O órgão aponta um "quadro de crescimento vertiginoso" da prática "inconstitucional e ilegal" de forçar o enquadramento de manifestações políticas na LSN, ressaltando que a conduta tem "notório viés persecutório de intimidação de opositores ao governo".

No habeas corpus, os defensores Antonio de Maia e Pádua, Thales Arcoverde Treiger e João Paulo Dorini fazem diferentes pedidos ao Supremo, a começar por um "salvo conduto" às pessoas por manifestações políticas contra o governo, impedindo medidas de coerção fundamentadas na Lei de Segurança Nacional.

A DPU também pede que sejam trancados os inquéritos e procedimentos investigatórios sobre manifestações de opinião política. Além disso, os defensores pedem que a polícia seja orientada a não restringir a liberdade de manifestação da opinião política e a não qualificar como crime de segurança nacional a suposta prática de crime contra a honra do presidente da República.

O caso deve ser distribuído, por prevenção, ao ministro Gilmar Mendes, relator de duas ações que contestam a Lei de Segurança Nacional.

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