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A usina de Itaipu.
A usina de Itaipu.| Foto: Alexandre Marchetti/Itaipu Binacional

Os termos da compra e venda da energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu Binacional se tornaram o centro de um imbróglio político que se desenrolou nas últimas semanas. A confusão diplomática envolvendo um acordo bilateral, firmado em maio de forma secreta entre Brasil e Paraguai, provocou a queda de autoridades paraguaias e está ameaçando o mandato do presidente do país vizinho, Mario Abdo Benítez.

A crise tem como ponto central motivos econômicos: na visão dos paraguaios, o acordo fazia com que o país fosse prejudicado, já que teria de pagar mais caro pela energia que consome. A diferença chegaria ao bolso dos consumidores do Paraguai, o que motivou acusações de que Benítez estaria "traindo a pátria".

A questão é que, se por um lado prejudicava os paraguaios, por outro aquela negociação favorecia os brasileiros. Ela acabava com distorções que geram um ônus assumido inicialmente pela estatal brasileira Eletrobras e depois repassado aos consumidores das distribuidoras de energia das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país.

Em decorrência da crise política no Paraguai, o acerto firmado em maio acabou cancelado em 1.º de agosto. Em seguida, os dois governos reabriram as negociações sobre a comercialização da energia, ainda em andamento.

Em paralelo a essas conversas, os dois países também tocam uma negociação bem mais abrangente, para revisar os termos das condições comerciais do Tratado de Itaipu, que completa 50 anos em 2023.

Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, tanto a as negociações de curto prazo quanto a revisão do tratado tendem a afetar o valor pago pelos brasileiros na conta de luz. O impacto exato, entretanto, ainda é incerto.

"A negociação não está sendo feita publicamente, então não se sabe exatamente quais são os termos que estão sendo revistos. É difícil mensurar o impacto financeiro que isso teria", explica o pesquisador Roberto Brandão, do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O sistema elétrico brasileiro é interligado, e hoje Itaipu responde por cerca de 15% do consumo nacional de energia – no passado, respondia por mais de 20%. Assim, uma redução no preço da energia produzida pela hidrelétrica binacional beneficiaria boa parte dos consumidores do país.

No entanto, como esse Itaipu é só um dentre vários outros componentes da conta de luz, o impacto sobre a tarifa ao consumidor poderia ser bastante diluído e pouco notado. Quanto maior o peso da energia da binacional sobre o total distribuído pela companhia elétrica, mais ela e seus consumidores serão afetados.

"A usina tem um contrato distinto em relação às demais, que funcionam por leilões. Mas, no fim, a energia que vem de Itaipu entra no sistema interligado e acaba se misturando ao resto. Com isso, a diminuição no fim da cadeia pode ser tão pequena que o consumidor nem vai sentir", pondera Larissa Rodrigues, pesquisadora do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP).

Data marcada: preço da energia deve cair em 2023

Independentemente da tentativa de acordo – por ora frustrada – de 2019, mudanças na compra da energia vinda de Itaipu têm data para ocorrer. Isso porque, em 2023, as condições comerciais estabelecidas atualmente serão necessariamente revistas, por conta da quitação da dívida contraída para a construção da usina, ainda nos anos 1970.

Para entender o impacto que isso pode ter no Brasil, é preciso dar um passo atrás e compreender como funciona o tratado de Itaipu. Segundo o documento, firmado em 1973 pelos governos paraguaio e brasileiro, cada um dos países tem direito a 50% da energia produzida pela usina.

Ocorre que o Paraguai tem, historicamente, uma demanda energética muito menor do que a do Brasil. Por isso, o acordo prevê que, no início de cada ano, a Administración Nacional de Electricidad (Ande) – órgão que opera o sistema paraguaio de distribuição e transmissão de energia – declare quanto da potência instalada de Itaipu precisará utilizar. O excedente é vendido, obrigatoriamente, para o Brasil.

A diferença é que, sobre os 50% de energia a que tem direito inicialmente, o Brasil paga o valor cheio, que inclui os custos com investimentos e com a dívida contraída para construir a usina. O excedente não tem a incidência desses fatores e, por isso, é comprado a uma tarifa muito mais baixa. O mesmo vale para o Paraguai, que, caso precise de mais energia do que declarou a princípio, adquire o restante pelo preço mais baixo.

O argumento do governo brasileiro é de que, ao longo dos últimos anos, o Paraguai vem declarando sempre um valor inferior ao que sabe que irá utilizar ao longo do ano. Por isso, acaba consumindo parte da energia pelo valor menor, ao invés de declarar o montante que de fato irá comprar e que implicaria no pagamento da tarifa cheia.

"O problema é que o Paraguai tem feito isso sempre. O Brasil pega, todo ano, 50% da energia de Itaipu com tarifa cheia, e paga o restante do que precisa na tarifa mais baixa. Já o Paraguai pega muito mais por fora, na tarifa baixa, já que subestima o consumo no início do ano", explica Rodrigues, da USP.

Governo decidirá se repassa redução para o consumidor ou se embolsa o lucro

O que está previsto para ocorrer em 2023 é, justamente, uma revisão na tarifa cheia da energia de Itaipu, já que a dívida teoricamente estará quitada. Entretanto, a divisão prevista no tratado, de 50% para cada país, não muda.

"Com a quitação da dívida, a energia de Itaipu vai custar muito menos. O governo brasileiro poderá optar por repassar essa energia barata aos consumidores ou aferir lucro com essa redução", explica o pesquisador Roberto Brandão, da UFRJ.

Outra mudança à vista diz respeito à obrigação do Paraguai em, necessariamente, vender a energia que não consome para o Brasil. O país pode pleitear, por exemplo, que seja livre para comercializar essa energia excedente com outros compradores, inclusive brasileiros.

"Muitas pessoas estão falando que o Paraguai vai poder colocar o preço [dessa energia "livre"] lá em cima, mas ele terá que competir com as demais usinas do Brasil", conclui Larissa Rodrigues.

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