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Deltan Dallagnol pode ser afastado da coordenação da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.
Deltan Dallagnol pode ser afastado da coordenação da força-tarefa da Lava Jato no Paraná.| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) tem na pauta desta terça-feira (18) três casos que podem levar a uma punição do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Lava Jato em Curitiba. O colegiado pode, inclusive, determinar o afastamento de Deltan em caráter liminar, até que o julgamento de um dos processos chegue ao fim. A deliberação sobre uma possível remoção do procurador coloca em risco o futuro da Lava Jato e o combate à corrupção no país.

Dois dos casos que estão na pauta foram levados ao CNMP pelos senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Kátia Abreu (PP-TO), e envolvem publicação nas redes sociais e supostas atitudes de promoção pessoal do coordenador da Lava Jato. O terceiro caso tem relação com o powerpoint contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, usado na entrevista coletiva para apresentação da denúncia do processo do tríplex contra o petista.

Na sessão desta terça-feira, 11 conselheiros devem definir se abrem ou não procedimentos disciplinares contra Deltan. O CNMP é presidido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, que recentemente entrou em um conflito aberto com a força-tarefa em Curitiba.

O desentendimento veio a público no final de junho, com a visita da subprocuradora Lindôra Araújo a Curitiba. Aliada de Aras na Procuradoria-Geral da República (PGR), ela tentou acessar de maneira informal o banco de dados das investigações da Lava Jato no Paraná. O caso foi parar na Corregedoria Nacional do Ministério Público Federal. Aras obteve uma liminar, revogada semanas depois, do Supremo Tribunal Federal (STF), para obter o compartilhamento das informações.

Semanas atrás, o procurador-geral criticou a Lava Jato, dizendo que a operação é uma “caixa de segredos” e que é necessária uma “correção de rumos” no MPF para que o “lavajatismo não perdure”.

O julgamento no CNMP ocorre há menos de um mês para o fim do prazo de vigência da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba. Para que o grupo continue mobilizado e atuando exclusivamente na operação, é necessária uma autorização da PGR, renovada anualmente.

Conselho incompleto pode ser desvantagem para Deltan

O CNMP atua na fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público no Brasil e é formado por 14 membros. Presidido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, o Conselho é composto por quatro integrantes do MPF, três membros de Ministérios Públicos Estaduais, dois juízes, dois advogados e dois cidadãos de notável saber jurídico indicados pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.

Atualmente, porém, o CNMP tem apenas 11 cadeiras ocupadas. O Senado tem pendente a aprovação de três nomes por causa das dificuldades para a votação durante a pandemia de coronavírus. Nos bastidores, há a avaliação de que o CNMP estar desfalcado pode acabar prejudicando Deltan nesta terça-feira. Das três nomeações pendentes, duas são nomes do Ministério Público.

Embora a Constituição exija maioria absoluta para a remoção por interesse público, ou seja, 8 votos, há um entendimento de que, como há apenas 11 cadeiras preenchidas, Deltan poderia ser afastado da Lava Jato por 6 votos, que já estariam garantidos contra o procurador. É possível que haja, na votação, algum pedido de vista, ou seja, mais tempo para analisar o caso — o que interromperia o julgamento.

Consequências para a Lava Jato

Um eventual afastamento de Deltan da Lava Jato traria consequências graves à operação. Há, dentro de setores do Ministério Público, um temor de que esteja em curso uma marcha com o objetivo de enfraquecer a força-tarefa.

Na semana passada, um grupo de 25 procuradores da República que integram ou já integraram a Lava Jato no Paraná e na Procuradoria Regional da República da 4.ª Região saiu em defesa de Deltan. Os procuradores assinaram um abaixo-assinado em que manifestam preocupação com o julgamento desta terça-feira.

“Vem tomando corpo forte movimento de reação aos avanços contra a corrupção visando a impedir ou macular investigações”, dizem os procuradores signatários do abaixo-assinado.

“Caso o CNMP decida, com base nas representações em julgamento no dia 18 de agosto, pela remoção de ofício de Deltan Dallagnol, serão abalados o direito constitucional à livre manifestação e expressão, bem como as garantias da independência funcional e da inamovibilidade, que, diga-se, existem para a defesa da sociedade”, alegam os procuradores. Segundo o grupo, sem esses pilares, “as condições para a continuidade dos trabalhos na força-tarefa com independência será inviabilizada”.

Procuradores ouvidos pela Gazeta do Povo enxergam motivações políticas na tentativa de asfixiamento da operação. A ideia, segundo esses procuradores, seria impedir que a Lava Jato fosse usada como ativo eleitoral em 2022.

Além de uma eventual punição de Deltan no CNMP, procuradores do MP também vêem com preocupação o pedido de suspeição do ex-juiz Sergio Moro, que pode ser julgado a qualquer momento no STF. Com a imagem da Lava Jato manchada, avaliam os procuradores, o custo político de dissolver a força-tarefa seria menor.

Pelas redes sociais, Moro defendeu a Lava Jato e se posicionou contra a remoção de Deltan da força-tarefa. “A Constituição estabelece prerrogativas para os membros do MP, como a de não ser removido. Essa é a garantia para poder trabalhar com independência. O trabalho da força-tarefa da Lava Jato, coordenada por Deltan Dallagnol, é um marco para o combate à corrupção”, disse.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Deltan falou sobre a expectativa para o julgamento no CNMP. Para ele, o que está em jogo é a independência do Ministério Público.

“Há interesse de investigados na minha retirada do caso, mas esse interesse não pode ser qualificado como público ou social. Até hoje jamais sofri qualquer processo disciplinar por irregularidades nas investigações e processos. Então não é isso que estará em questão”, diz Deltan na entrevista.

“Não se trata de Deltan apenas, mas da própria independência do Ministério Público e do trabalho de seus integrantes. A sociedade quer procuradores acovardados, com medo de vinganças e retaliações”, questiona o procurador.

Entenda os casos contra Deltan que serão julgados

O CNMP tem três casos envolvendo Deltan na pauta desta semana. O primeiro é um pedido de providências protocolado pela defesa Lula em razão da entrevista coletiva em que foi apresentada, mediante uso de powerpoint, a primeira acusação contra o petista envolvendo corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex no Guarujá.

Foi pedido que os procuradores “se abstenham de usar a estrutura e recursos do MPF para manifestar posicionamentos políticos ou, ainda, jurídicos que não estejam sob atribuição dos mesmos”.

O segundo caso é um processo administrativo disciplinar (PAD) protocolado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). Ele pede punição de Deltan por manifestações feitas em redes sociais em que faz campanha pelo voto aberto para a presidência do Senado e avalia que a eleição do senador é prejudicial para a pauta anticorrupção. Renan argumenta que houve “quebra de decoro” por interferência do MP em outro poder.

O caso que traz maior preocupação é o pedido de remoção compulsória por interesse público, protocolado pela senadora Kátia Abreu (PP-TO). O pedido é baseado em três argumentos: o fato de existirem 17 reclamações disciplinares contra Deltan tramitando no CNMP; o acordo feito entre a Lava Jato e a Petrobras que previa a criação de uma fundação bilionária com dinheiro da estatal, anulado pelo STF; e o fato de que Deltan prestou, ao longo do trabalho na operação Lava Jato, palestras remuneradas.

Durante a tramitação do pedido de remoção, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira, relator do caso, pediu que fosse entranhada cópia de pedido de providências da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que também se baseia em três argumentos: a cooperação com autoridades americanas; a suposta existência, noticiada em um veículo de imprensa, de aparelhos do tipo guardião na força-tarefa em Curitiba, para interceptações telefônicas clandestinas; e a suspeita, aventada em reclamação perante o STF, de que haveria investigações sobre autoridades com foro privilegiado por parte dos procuradores em Curitiba.

Tentativa de evitar julgamento

Deltan já tentou adiar o julgamento dos casos no CNMP. No início de agosto, a defesa do procurador pediu para que o plenário do colegiado não analisasse o pedido de remoção, mas o pedido foi negado por Bandeira, relator do caso.

Segundo a defesa de Deltan, a inclusão do julgamento na pauta seria “prematura antes da análise do pedido de produção de prova oral, realização do interrogatório e abertura de prazo para oferta de alegações finais”.

Bandeira, por sua vez, afirmou que “a fase processual em que o feito se encontra, vale dizer, a fase de exame da necessidade da abertura do processo de remoção por interesse público, não comporta a análise aprofundada de questões que envolvam o mérito do processo, de modo que o exaurimento da matéria debatida deverá ser feita no momento processual adequado, quando, então, o eventual relator do caso poderá analisar a pertinência das provas requeridas”.

O coordenador da Lava Jato também recorreu ao STF para suspender os procedimentos relativos aos pedidos de Renan Calheiros e Kátia Abreu. O relator é o ministro Celso de Mello, que ainda não se manifestou sobre o pedido.

Entre os argumentos contra os procedimentos pautados no CNMP, a defesa de Dallagnol cita a liberdade de expressão; inserção precipitada do feito em pauta, antes de encerrada instrução e requeridas diligências complementares; o fato de parte das condutas já ter sido analisada pelo CNMP em outras ocasiões e terem sido arquivadas; e a garantia de inamovibilidade de membros do MP, prevista na Constituição.

Nesta segunda-feira (17), véspera dos julgamentos no CNMP, a defesa de Deltan conseguiu uma vitória no STF. O ministro Luiz Fux determinou que o conselho ignore uma advertência aplicada contra o coordenador da Lava Jato. Em novembro do ano passado, o CNMP puniu Deltan por ter dado uma entrevista à rádio CBN em que fazia críticas a ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 8 votos a 3, os conselheiros do CNMP decidiram dar uma advertência a Deltan.

O processo administrativo disciplinar (PAD) contra o coordenador da Lava Jato havia sido protocolado no CNMP pelo presidente do STF, Dias Toffoli. A entrevista foi concedida pelo procurador em agosto de 2018.

O que diz a defesa de Deltan

A defesa de Deltan alega que o procurador não cometeu nenhuma irregularidade durante o exercício de suas funções. Em relação ao procedimento aberto a pedido de Renan Calheiros, a defesa argumenta que Deltan jamais pediu voto a favor ou contra qualquer candidato nas eleições para a Presidência do Senado.

Segundo os advogados, a defesa do voto aberto é uma pauta de interesse público e é legítima sua defesa. Além disso, a avaliação de que a eleição de Renan seria prejudicial ao avanço da pauta anticorrupção é uma leitura de cenário legítima e bastante comum na época.

Em relação aos argumentos usados para pedir sua remoção da Lava Jato, Deltan alega que embora o acordo com a Petrobras para criação de uma fundação tenha suscitado polêmica, diversos órgãos que o examinaram entenderam que foi uma solução jurídica legítima para um problema inédito. Sobre as palestras remuneradas, a defesa destaca que o plenário do CNMP já reconheceu a plena legalidade e legitimidade da atividade.

Sobre a cooperação com autoridades americanas, a defesa argumenta que embora se tenha questionado a existência de contatos prévios à formulação de pedidos escritos de cooperação internacional, eles são recomendados pela ONU, AGU, GAFI, Banco Mundial e G20.

Sobre a compra de aparelhos de interceptação telefônica pela força-tarefa em Curitiba, a Lava Jato destaca que se trata de uma fake news e que todos os monitoramentos feitos pela operação foram executados com ordem judicial pela Polícia Federal.

A força-tarefa também nega ter investigado autoridades com prerrogativa de foro e argumenta que nenhum político com mandato foi alvo de denúncias da Lava Jato em primeira instância.

Qual o histórico dos processos de remoção no Conselho do MP

O CNMP já julgou três pedidos de remoção compulsória por interesse público até agora. Dois foram deferidos e um pedido foi negado.

Dos casos que terminaram com a remoção de procuradores, um foi por ineficiência e omissão na atuação (pouco trabalho feito na área de defesa do consumidor) e outro por assédio moral, falsidade material, uso indevido de veículo e inassiduidade.

Até agora, nunca houve afastamento cautelar,ou seja, antes da conclusão do julgamento, em procedimento por remoção compulsória por interesse público.

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