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Agentes durante força-tarefa no Pará.
Agentes durante força-tarefa no Pará.| Foto: Alex Ribeiro/Agência Pará

O coordenador institucional da Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), autorizada pelo Ministério da Justiça no Pará, Maycon Cesar Rottava, foi afastado liminarmente do cargo pela Justiça, acusado de praticar tortura. O pedido foi feito pelo Ministério Público Federal (MPF) no Pará, com base em inspeções realizadas no sistema prisional e denúncias de familiares de presos.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, autorizou o emprego da força-tarefa no estado pelo prazo de 30 dias no final de julho, depois que uma rebelião em um presídio em Altamira terminou com a morte de 62 presos. A autorização para atuação da força-tarefa foi prorrogada por Moro. Rottava, afastado por decisão judicial, foi nomeado pelo diretor-geral do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), Fabiano Bordignon. O órgão está subordinado ao Ministério da Justiça.

“O acervo probatório é extenso e permite inferir, em juízo de cognição parcial, antes do contraditório, a existência de grave quadro de violações a direitos fundamentais dos custodiados – consubstanciadas na prática de atos de tortura, abuso de poder e maus tratos, entre outros - no sistema penitenciário do Estado do Pará, ocasionadas pela ação da FTIP/PA, sob o comando do requerido”, disse o juiz Jorge Ferraz de Oliveira Junior, da 5.ª Vara da Justiça Federal do Pará, ao determinar o afastamento.

MPF diz que vem recebendo denúncias de tortura no sistema prisional

O MPF alega que vem “recebendo uma série de denúncias rumo a tortura ou, no mínimo, tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, notadamente no Centros de Recuperação Penitenciária do Pará II e III (CRPP II e CRPP III), Colônia Penal Agrícola de Santa Izabel (CPASI) e Central de Triagem Metropolitana IV (CTM IV), todos do Complexo Penitenciário de Americano, Município de Santa Izabel do Pará”.

As denúncias estão sendo feitas por mães, companheiras de presos, presos soltos recentemente, membros do Conselho Penitenciário e membros da Ordem dos Advogados do Brasil que fiscalizam o sistema penitenciário.

Entre as denúncias apontadas pelo MPF na denúncia estão as seguintes:

  • Uso de balas de borracha e spray de pimenta, “de modo constante, frequente e injustificado”;
  • ameaças, intimidações, humilhações, demonstrações excessivas de poder e controle (como ordem dos agentes federais para ficarem imóveis e em silêncio absoluto, pelo que, por impossível, apanham), de modo constante, frequente e injustificado por parte dos agentes federais; 
  • os presos não estão sendo alimentados (veem comida chegando, mas não é distribuída), ou são alimentados em quantidade e qualidade aquém da mínima essencial;
  • os presos não estão recebendo assistência a saúde, mesmo alguns estando feridos, com balas de borracha, ou lesionados em razão da violência física dos agentes federais – sofrem privação de medicação e tratamento, inclusive presos com deficiência, HIV e tuberculose;
  • estão em locais sem condições mínimas de salubridade e higiene, com ratos, superlotação em nível de desmaio e sufocamento, dormindo no chão;
  • foram privados ou recebem quantidade insuficiente de materiais de higiene pessoal;
  • os presos também estariam incomunicáveis, sem acesso não somente a visita de familiares, mas também de advogados;

Relatos que embasaram a denúncia

O MPF anexou uma série de relatos de familiares de presos para embasar a denúncia. Os denunciantes contam, por exemplo, casos de mulheres “sendo tocadas na revista”. “Ouvi de outros presos que os agentes federais acariciavam as partes íntimas de alguns presos, chegando até a meter o dedo no ânus deles”, contou um homem que deixou a prisão recentemente ao MPF.

“Os agentes federais e os GPE mandam a gente esfolar o pênis, ou seja, tirar a pele da cabeça do pênis; os federais mandam também a gente virar de costa e abrir as bochechas da bunda, para ver nossos ânus; isso não ocorreu somente no primeiro dia, acontece em todas as revistas; somos revistados todas as vezes que saímos da cela”, contou o mesmo preso.

Um preso que deixou o sistema penitenciário do estado foi ouvido no dia seguinte na sede do MPF no Pará. “Tem um [preso] que faltava uma perna, e davam rasteira nele; eles mandaram um rapaz subir a escada de quatro”, contou aos procuradores.

Outro preso, que também saiu do sistema penitenciário e foi ouvido na sede do MPF, descreveu cenas de tortura. “Eu vi eles pegando o cabo de uma doze e introduzindo na bunda de um rapaz; foram dois agentes, ele estava em posição de procedimento, ou seja, com as mãos na cabeça; tentaram primeiro introduzir no ânus dele um cabo de enxada, mas não conseguiram, aí conseguiram com o cabo da doze; inclusive, eu vi esse rapaz saindo de ambulância e os médicos atendendo ele”, contou.

O mesmo preso conta que também foi vítima de tortura. “O Stive pegou uma tábua com prego, levantou a cabeça do prego, e bateu com o prego no meu pé, ou seja, ele inseriu o prego no meu pé direito; me jogaram pra dentro do bloco com o pé ferido; no dia seguinte, em vez de eu ter atendimento médico, me torturam (me deram muita porrada e spray) e jogaram de volta pra dentro do bloco novamente, sem atendimento”, disse. 

A denúncia do MPF também narra que há pelo menos quatro presos feridos no Hospital Municipal de Santa Izabel. Eles estão impedidos de ver a família e os advogados. Segundo os procuradores, os agentes federais estão ameaçando os presos que estão saindo, ainda que temporariamente, para não falarem nada para familiares, e nem procurar os seus direitos. O MPF também diz que o coordenador institucional da força-tarefa impediu que os procuradores conversassem com presos no Complexo de Americano.

Servidores do sistema penitenciário também denunciam tortura

As denúncias também partem de servidores da Superintendência do Sistema Penitenciário (Susipe), que pediram anonimato.

“Começamos a escutar urros, gritos, foi um horror; momentos de terror; nunca tínhamos pensado em presenciar aquilo [choro dos declarantes], foi horrível, eram gritos; é um campo de concentração; era spray de pimenta uns 2, 3 dias”, contou um servidor.

“Antes, havia tortura? Havia sim, mas era pontual, isolado; depois da intervenção federal, é generalizado; os servidores não estão conseguindo dormir, estão tendo pesadelos; os gritos ficam na nossa cabeça; não é uma questão de apreço, não é uma questão de gostar dos presos, é uma questão de humanidade, de preservação da dignidade do ser humano”, completou. “Parece que fizeram uma seleção de psicopatas, e deram o direito a eles se regozijarem nos presos – o que a gente vê é a banalização do mal”, disse, ainda o servidor.

Entidades endossam denúncias de tortura

As denúncias de tortura no estado são endossadas por entidades como a Associação Brasileira de Advogados Criminalistas (ABRACRIM), que entregaram relatos da prática ao MPF.

Na denúncia, o MPF narra que no dia 11 de setembro, um grupo composto por representantes da OAB/PA (Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Prerrogativas), Conselho Penitenciário (COPEN), MPF e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) dirigiu-se ao Centro de Recuperação Feminino, localizado em Ananindeua.

Eles também identificaram denúncias de tortura na unidade. “Muitas mulheres em período menstrual ficaram sem receber absorventes e colocaram várias presas sentadas (nuas ou de peças íntimas) sobre um formigueiro no meio de um pavilhão”, narra a denúncia do MPF.

O grupo também fez inspeções no Centro de Recuperação Feminino e constatou que  muitas presas foram obrigadas a sentar em cima de urina e fezes de rato. “ Algumas relataram que foram fotografadas e/ou filmadas, nuas ou em roupas íntimas, pelos agentes homens da força tarefa”, diz a denúncia.

Denúncia do MPF sobre tortura

A denúncia do MPF é de improbidade administrativa e é assinada por 17 dos 28 procuradores da República que atuam no estado. Na denúncia, de 158 páginas, o MPF mantém a identidade dos denunciantes em sigilo.

Os procuradores anexaram ao documento uma série de fotos de presos com hematomas, transcrição de áudios e vídeos em que são denunciadas as práticas de tortura por parte de agentes federais que estão atuando no estado.

O que diz o Ministério da Justiça

Nesta segunda-feira (07), Moro esteve em Ananindeua, no Pará. A cidade integra o projeto-piloto de enfrentamento da criminalidade que está sendo testado pelo ministro. “Acho que as bases que levaram à propositura desta ação não estão corretas. Tenho absoluta crença de que, assim que os fatos forem totalmente esclarecidos, esta questão vai ser resolvida. A intervenção levou disciplina para dentro dos presídios”, disse Moro.

Em nota, o Depen afirmou que solicitou à AGU que providencie os meios jurídicos necessários para a revisão da decisão judicial. “O afastamento se deu de maneira cautelar, sem manifestação do contraditório efetivo, e as alegações de tortura imputadas à sua atuação serão plenamente esclarecidas, por meios probatórios válidos e incontestes, os quais evidenciam o compromisso deste Departamento com a cooperação institucional para a melhoria do sistema prisional brasileiro, com a preservação de vidas humanas e o respeito aos princípios que regem o Estado Constitucional e Democrático de Direito”, diz a nota.

O Ministério da Justiça afirmou, em nota, que no mês de setembro, "65 presas do Centro de Recuperação Feminino (CRF), indicadas por membros do Conselho Penitenciário, e 8 presas do Complexo Penitenciário de Santa Izabel, indicados pelo Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, foram submetidos à perícia no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves. Constatou-se a inexistência de sinais de tortura ou de maus tratos".

"Além da segurança proporcionada a todos os envolvidos, a atuação da Força permitiu a execução de assistências previstas na Lei de Execução Penal, garantindo a humanização da pena", afirma, ainda, o MJ.

Segundo a pasta, em 40 dias de atuação, foram realizados mais de 40 mil procedimentos de saúda no sistema penitenciário do Pará, como entrega de medicações, procedimentos de enfermagem, atendimentos médicos, exames de tuberculose, atendimentos odontológicos, entre outros.

O Ministério da Justiça também afirma que foram realizados 13 mil procedimentos jurídicos, sendo 5 mil atendimentos com advogados e defensoria pública, alvarás, emissão de RGs e CPFs, além de resultados como progressão de regime, realizações de audiências por videoconferências, escolta, entre outros.

Veja a nota do Depen na íntegra: 

“O Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) ciente da decisão de afastamento cautelar do Coordenador Institucional da Força de Cooperação Penitencária, proferida pela 5a Vara Federal Cível da SJPA a pedido do Ministério Público Federal (MPF), solicitou à AGU que providencie os meios jurídicos necessários para a revisão da decisão judicial.

O afastamento se deu de maneira cautelar, sem manifestação do contraditório efetivo, e as alegações de tortura imputadas à sua atuação serão plenamente esclarecidas, por meios probatórios válidos e incontestes, os quais evidenciam o compromisso deste Departamento com a cooperação institucional para a melhoria do sistema prisional brasileiro, com a preservação de vidas humanas e o respeito aos princípios que regem o Estado Constitucional e Democrático de Direito.

A FTIP é instrumento relevante para superação de graves crises Penitenciárias com atuação em diversos Estados da Federação ( RN, RR, CE, AM e PA). Os servidores que atuam na FTIP são experientes e já atuaram em outras crises.

No caso específico da FTIP PA, a atuação permitiu a retomada do controle de 13 unidades prisionais, afim de garantir a segurança de mais de 37 mil atendimentos à saúde e mais de 13 mil atendimentos jurídicos, além de apoio para assistência educacional.

Nas unidades dominadas pelas facções foram apreendidos vastos materiais proibidos como 13 armas de fogo, mais de mil celulares, grande quantidade de drogas, bebidas alcoólicas, entre outros.

Nós mês de agosto, primeiro mês de atuação da FTIP no Pará, houve redução significativa da criminalidade. Segundo relatório da Secretaria Adjunta de Inteligência e Análise Criminal do estado, o número de homicídios dolosos, em Belém, reduziu 45% e em Ananindeua 75%. Os Roubos a veículos reduziram 45% e a coletivos 74%.

Segundo a Superintendência de Assuntos Penitenciários (Susipe), a redução de mortes também aconteceu dentro do cárcere.

De janeiro a julho de 2019 foram registrados 156 óbitos em presidios paraenses, a maioria por homicídio e suposto suicídio. Em agosto desse ano, aconteceram 11 mortes, sendo 4 homicídios. Nenhum homicídio foi registrado em presídio em que há atuação da FTIP.

Quanto às denúncias, cabe esclarecer que no mês de setembro, 64 presas do Centro de Recuperação Feminino (CRF), indicadas por membros do Conselho Penitenciário, e 8 do Complexo Penitenciário de Santa Izabel, indicados pelo Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, foram submetidos à perícia no Centro de Perícias Científicas Renato Chaves. Constatou-se a inexistência de sinais de tortura ou de maus tratos”.

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