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Indicação do desembargador Kassio Nunes Marques foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Indicação do desembargador Kassio Nunes Marques foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad

Em uma das sabatinas mais curtas e amenas dos últimos dez anos, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) Kassio Nunes Marques surpreendeu conservadores ao se declarar publicamente contra o aborto (embora tenha sido evasivo em outras questões como a liberdade religiosa). Por outro lado, frustrou defensores da Lava Jato e de ações de combate à corrupção ao não defender, de forma incisiva, nem a operação, nem a prisão após decisão em segunda instância.

A indicação do magistrado piauiense indicado pelo presidente Jair Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, nesta quarta-feira (21). Resta agora o plenário da Casa referendar a nomeação, o que deve ocorrer ainda nesta quarta.

Com duração de cerca de 9h30, a sabatina de Kassio Nunes Marques pelos senadores foi a mais rápida desde a que arguiu o ministro Luís Roberto Barroso. Em 2013, Barroso foi sabatinado por 7h40. Depois dele, os escrutínios de Teori Zavascki (já falecido), Edson Fachin e Alexandre de Moraes duraram mais de 10 horas.

A celeridade no processo fez parte de uma articulação entre a presidente da CCJ, senadora Simone Tebet (MDB-MS), e demais senadores, além do fato de que os questionamentos mais polêmicos envolvendo a vida do desembargador foram dirimidos nas últimas semanas em conversas privadas com os parlamentares.

Desembargador Kassio Nunes Marques defende Lava Jato, mas com freios

Um dos principais pontos questionados durante a sabatina foi a defesa da Operação Lava Jato. Senadores como Mecias de Jesus (Republicanos-RR), Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Major Olímpio (PSL-SP) questionaram o desembargador sobre os rumos da operação.

Kassio Nunes Marques ratificou o que havia dito aos senadores em conversas privadas. “Não há um brasileiro que não reconheça os méritos de qualquer operação no Brasil”, disse o magistrado. “O que acontece e pode acontecer em qualquer operação, em qualquer decisão, é que se houver um determinado ato ou conduta (ilegal), essas correções podem ser feitas. Nada é imutável”, pontuou Marques, que ainda complementou: “A continuidade ou não da operação, não parte do Poder Judiciário”.

A possibilidade de prisão após decisão judicial de segunda instância foi outro assunto questionado por vários senadores como política de combate à corrupção. Neste aspecto, Kassio Nunes Marques disse que se manifestou favoravelmente à prisão após segunda instância durante uma entrevista, porém em um momento em que o Supremo também entendia ser possível esse expediente.

Sobre uma nova mudança de entendimento do STF sobre o assunto, Kassio Nunes Marques afirmou que esta decisão cabe ao Congresso e não ao Poder Judiciário. “O quadro atual é de devolução para o Congresso Nacional. Seria muita pretensão da minha parte, de tratar ou dar alguma colaboração jurídica ou empírica para a construção dessa norma”, disse o desembargador. “A minha posição é sempre de aplicar as normas edificadas por esta casa”, disse.

Judicialização, separação entre os três poderes e garantismo

Outros questionamentos constantes feitos pelos senadores estavam relacionados ao ativismo judicial, a visão do desembargador sobre a separação dos três poderes e a chamada visão garantista em detrimento do progressismo judicial.

Aos senadores, Kassio Nunes Marques explicou que não é possível se confundir o Direito norte-americano com o Direito brasileiro. Como a Constituição dos Estados Unidos tem apenas sete artigos e 27 emendas, Marques defendeu a possibilidade de fazer interpretações abrangentes apenas no caso do texto norte-americano; algo que não seria possível no Brasil, já que as normas estão mais explícitas tanto nos textos constitucionais quanto infraconstitucionais.

“O ativismo nos Estados Unidos é uma engrenagem fundamental na jurisprudência. Aqui temos o sistema do cível law que não demanda o ativismo”, defendeu. “A competência para a construção das normas é do Poder Legislativo. O meu perfil é de preservação de competências”, complementou o jurista.

Em relação à separação dos três poderes, Kassio Nunes Marques afirmou que “a defesa da democracia é pilar da Constituição Federal” e ressaltou em várias oportunidades que não adentraria em funções de caráter meramente legislativo. “O Poder Judiciário cuida do passado. O Congresso Nacional e o executivo, do futuro”, resumiu o desembargador ao negar que utilizaria ações judiciais para impor normas não aprovadas pelo Parlamento.

Além disso, sem citar casos concretos, o desembargador sinalizou aos congressistas que não determinaria, de forma monocrática, a suspensão de mandatos como o fez o ministro Luís Roberto Barroso, em relação ao senador Chico Rodrigues (DEM-RR), flagrado com R$ 33,1 mil na cueca na semana passada, nem que tomaria decisões judiciais relacionadas à questões internas de Câmara e Senado.

Sobre este segundo tópico, a visão de Kassio Nunes Marques é bem-vista pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que busca a reeleição. “Não há o que se falar em criminalização da atividade política. Quando se trata de uma autoridade, a primeira coisa que o magistrado precisa ter em mente é que o mandato é do povo”, disse o sabatinado.

Kassio Nunes Marques também foi incitado a se manifestar sobre a corrente do direito ao qual ele estava alinhado: se ele era progressista (aqueles que acham interpretações difusas para artigos constitucionais), garantista ou originalista (aqueles que sequem estritamente o que está na lei).

Ele destacou que se classificava como garantista e que os senadores deveriam entender o seu “garantismo” não como algo que favoreça a corrupção, mas como uma visão jurídica de centro entre originalistas e progressistas. “O garantista por vezes tem que ser ativista. Ele não é um progressista que está criando normas e políticas públicas”, disse o desembargador. “Não vejo nenhum conflito ser um juiz garantista e defender o combate à corrupção”, resumiu.

Kassio Nunes Marques faz acenos a conservadores, mas é evasivo sobre liberdade religiosa

Durante alguns momentos da sabatina, o desembargador Kassio Nunes Marques fez acenos a conservadores tentando conquistar parte da base de apoio do presidente. Os apoiadores de Bolsonaro reagiram negativamente à indicação de Kassio Nunes Marques pelo fato de ele não ser “radicalmente evangélico”.

Logo no início da sabatina, em sua apresentação, o magistrado citou a Bíblia, mais precisamente Isaías 12. “Eis o Deus meu Salvador, eu confio e nada temo”. Ele também ressaltou que sua família foi fundamental para a sua formação profissional e pessoal.

Kassio Nunes Marques foi incisivo ao se declarar contra o aborto por ser um “defensor da vida", apesar de ter dado margem a novas mudanças na legislação e/ou interpretações da lei caso ocorra uma situação extraordinária, como uma nova pandemia, o que ele considera "inimaginável". “No meu lado pessoal, eu deixei claro. Eu sou um defensor do direito à vida. E tenho razões pessoais para isso”, disse o desembargador.

Atualmente, no Brasil, o aborto é permitido em caso de estupro, risco de vida para a mulher devido à gravidez ou em caso de anencefalia. “Dentro da quadra que está estabelecida, eu analiso com muita razoabilidade a forma atual do tratamento desta questão [do aborto]. Eu entendo que o poder Judiciário muito provavelmente exauriu as hipóteses dentro desta sociedade. Só se eventualmente vier a acontecer algo que hoje é inimaginável; alguma pandemia, algum problema como o caso da anencefalia provocada pelo mosquito da zika, algo nesse sentido que transformasse a sociedade e provocasse tanto o Congresso quanto o poder Judiciário para promover modificações nesse sentido”, disse.

Do outro lado, foi evasivo em relação a outras pautas de caráter conservador como a que trata da liberdade religiosa. Sobre a homofobia, concessão de direitos à população LGBTQIA+ ou sobre a liberdade religiosa no Brasil, o desembargador disse apenas que “como operador do Direito, existe uma certa pacificação social sobre isso”. “Agora, compete ao Congresso Nacional, de transformar essa jurisprudência em norma (criminalização da homofobia ou casamento civil de pessoas do mesmo sexo). Esses já são temas julgados que estão em plena eficácia na sociedade brasileira”, declarou.

Kassio Nunes Marques defende a quarentena a juízes, mas usa Loman contra polêmicas

O desembargador utilizou-se da Lei Orgânica da Magistratura (Loman), que impede um magistrado de se manifestar sobre casos que em possa vir a julgar, para escapar de questões espinhosas durante a sabatina. Por exemplo, ele alegou que não poderia ser manifestar de forma concreta sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, relacionada à interrupção voluntária da gravidez.

Marques também usou a Loman como justificativa para não responder a questionamentos como a legalidade ou não do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal, que foi instituído por ato de ofício do ministro Alexandre de Moraes; sobre a sua visão pessoal relacionada às investigações sobre os chamados atos antidemocráticos, também sob relatoria de Moraes ou sobre a transmissão ao vivo dos julgamentos do Supremo Tribunal Federal e até mesmo para não emitir juízo de valor sobre a mudança de jurisprudência no Supremo sobre a prisão em segunda instância, no ano passado.

Do outro lado, Kassio Nunes Marques defendeu explicitamente a quarentena a juízes que tenham pretensões políticas. “Não vejo dificuldade do ponto de vista social e político o estabelecimento de quarentena para o magistrado”, disse o desembargador.

Na prática, a implementação de quarentena evitaria casos como o do governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Vitzel (PSC), que deixou a magistratura durante o ano eleitoral e isso foi visto por seus concorrentes como uma vantagem competitiva. Além disso, dependendo do período de quarentena, uma medida como essa poderia afetar eventuais pretensões políticas do ex-juiz Sergio Moro.

As polêmicas do desembargador: indicação do Centrão, lagostas, plágio e esposa empregada no Senado

A sabatina teve momentos pontuais de desconforto ao desembargador Kassio Nunes Marques. Poucos senadores se detiveram a questões controversas envolvendo a vida ou a obra do integrante do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Sobre a liberação das lagostas para os ministros do Supremo Tribunal Federal, Kassio Nunes Marques defendeu a sua decisão quando era vice-presidente da corte. Para ele, o STF adotou um procedimento de praxe na Esplanada dos Ministérios ao encomendar a aquisição de lagostas ou de vinhos em uma licitação de refeições institucionais. “Ela foi inspirada em uma licitação do Ministério das Relações Exteriores”, disse o magistrado. “É facultada ao chefe de poder do Supremo fazer essa contratação”, defendeu.

Sobre as denúncias de que teria copiado trechos de artigos escritos pelo Saul Tourinho Leal, integrante da banca de advocacia de Carlos Ayres Britto, Kassio Nunes Marques disse que seus trabalhos passaram pelo mais avançado sistema contra plágio, instituído pela Universidade Autônoma de Lisboa. “O próprio advogado (Saul Tourinho) afirmou que não existe plágio”, disse o magistrado. “O fato de se mencionar um autor em determinado trecho de um livro, desde que se resguardar as normas e as notas de referência, isso não é considerado plágio”, complementou.

Em relação às eventuais indicações de membros do Centrão ou de suas ligações com o ex-advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef, Kasio Nunes Marques desconversou. Ele disse que as notícias sobre o seu padrinho político foram “exercícios de adivinhação” da imprensa. “Eu apenas tentei assistir a uma tentativa de adivinhação. Eu estava em uma caminhada desde 2015, quando concorri ao Superior Tribunal de Justiça”, disse ele que voltou a ressaltar não saber qual fator foi determinante para a escolha do presidente da República, Jair Bolsonaro.

E sobre o fato de ter sua esposa, Maria do Socorro Mendonça de Carvalho Marques, como funcionária comissionada do Senado, no gabinete do senador Elmano Férrer (Progressistas-PI), o desembargador afirmou apenas “não saber” o trabalho que a cônjuge desempenha. “Agora, o trabalho que ela desempenha, eu sabia, não sei lhe dizer”, apontou o desembargador.

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