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Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo
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O ano de 2019 ficará na memória como o ano com mais ataques registrados à operação Lava Jato desde sua deflagração, em 2014. Derrotas à força-tarefa foram impostas pelo Congresso, pelo Poder Judiciário, pelo governo federal e, em alguns casos, pelo próprio Ministério Público. As dificuldades para a força-tarefa começaram em março e se desenrolaram até o fim de 2019, com a possibilidade de se estenderem ainda ao longo do ano que vem.

O ano ficou marcado pela divulgação de mensagens atribuídas a membros da força-tarefa no Telegram e levaram a críticas de todo lado ao modo de atuação da Lava Jato. Alguns membros da força-tarefa chegaram a pedir desculpas pelo tom adotado nas conversas, como foi o caso da procuradora Jerusa Viecili. As mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil mostraram a procuradora ironizando o luto do ex-presidente Lula. Ela se desculpou publicamente com o petista.

Decisões do Supremo que contrariam a Lava Jato

Já no primeiro trimestre do ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) tirou da Justiça Federal e remeteu à Justiça Eleitoral a competência para julgar casos de corrupção e lavagem de dinheiro, quando associados a crimes como o caixa 2. Ao comentar o resultado, o chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, disse que “começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos”.

Já sob influência das mensagens divulgadas pelo Intercept, o STF impôs uma nova derrota à Lava Jato ao anular duas condenações do ex-juiz Sergio Moro. A 2.ª Turma do STF anulou a condenação do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine. Semanas depois, foi a vez do plenário anular uma condenação imposta ao ex-gerente da estatal, Marcio de Almeida Ferreira.

O argumento para anular as sentenças é a ordem de entrega das alegações finais nos processos. O STF entendeu que, quando há réus delatores, eles devem entregar as alegações finais antes dos delatados para garantir o princípio da ampla defesa. A decisão, que ainda não foi modulada, pode levar à anulação de mais 31 sentenças da Lava Jato em primeira instância, incluindo a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio em Atibaia.

Já quase no final do ano, o STF também decidiu derrubar a prisão em segunda instância. Os ministros entenderam que a prisão antes do trânsito em julgado é inconstitucional. Com isso, dezenas de pessoas presas cumprindo pena por corrupção foram colocadas em liberdade, inclusive o ex-presidente Lula.

Ainda em relação ao ex-presidente, o STF barrou, em agosto, a transferência do petista para um presídio estadual em São Paulo. A determinação foi dada pela juíza Carolina Lebbos, responsável pela fiscalização do cumprimento da pena de Lula. O STF barrou a transferência por 10 votos a 1, marcando a primeira vitória do petista na Corte. A decisão do Supremo também ocorreu em meio à pressão causada pelas mensagens divulgadas pelo Intercept.

Dificuldade no combate à corrupção

O governo federal tomou uma série de atitudes que dificultam o combate à corrupção ao longo de 2019, que chegaram a causar desconforto na relação com o Moro, ex-juiz da Lava Jato. O presidente, que foi eleito na esteira da defesa da operação de combate à corrupção, se afastou das pautas da Lava Jato já no primeiro ano de governo.

A transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) para o Banco Central também é encarada como uma tentativa de dificultar a atuação do órgão, considerado fundamental para investigações de lavagem de dinheiro.

O ex-presidente do Coaf Roberto Leonel, que fez parte da força-tarefa da Lava Jato na Receita Federal e foi indicado por Moro, mas reclamou de uma decisão judicial que beneficiou o filho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), e que paralisou investigações com base em dados detalhados de órgão de controle, como o Coaf, sem autorização judicial. A decisão foi revista no final do ano pelo STF. Leonel foi demitido do órgão quando ele passou para o Banco Central.

Bolsonaro também tentou interferir no comando da Polícia Federal no Rio de Janeiro, em um episódio que quase culminou com a exoneração do diretor-geral da PF indicado por Moro, Maurício Valeixo.

Na Receita Federal, Bolsonaro interferiu de fato. O presidente determinou a substituição do superintendente do órgão no Rio, Mário Dehon, e dos delegados da Receita no Porto de Itaguaí (RJ) José Alex Nobrega de Oliveira, e na Barra da Tijuca, Fábio Cardoso do Amaral, no rastro de pressão da cúpula do Supremo Tribunal Federal (STF), que foi alvo de investigações. Bolsonaro reclamou de investigações da Receita contra membros de sua família.

Bolsonaro também resolveu não indicar um procurador-geral da República a partir de uma lista tríplice elaborada pela categoria. O escolhido foi Augusto Aras, que não participou da eleição interna do Ministério Público Federal (MPF) para integrar a lista entregue ao presidente. Apesar de não ter previsão legal, a lista tríplice vinha sendo seguida na indicação do PGR desde 2003 no Brasil. Os procuradores afirmam que a indicação desta forma garantia a independência do Ministério Público e evitava interferências políticas.

Em agosto, Dallagnol disse, em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, que Bolsonaro, assim como o Congresso, ameaça a Lava Jato. “O que a gente vê no Brasil? A gente vê um movimento amplo [de enfraquecimento do combate à corrupção]. Não é um movimento restrito; não é uma pessoa ou duas. A gente vê um movimento que engloba o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, disse Dallagnol.

Fogo amigo dentro da PGR

Não foi só o STF que impôs derrotas à Lava Jato. A força-tarefa também enfrentou o fogo amigo da Procuradoria Geral da República (PGR). No caso da transferência de Lula para o sistema carcerário estadual, por exemplo, foi simbólico o posicionamento da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que deu parecer contra a determinação.

Dodge também se posicionou duramente contra a tentativa da força-tarefa de criar uma fundação privada com dinheiro de uma multa paga pela Petrobras em um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O acordo previa que o MPF em Curitiba iria auxiliar na criação e na administração de uma fundação para aplicação de R$ 1,25 bilhão em ações de combate à corrupção.

Dodge pediu ao STF que anulasse o acordo e foi atendida. No pedido ao Supremo, Dodge deu um puxão de orelha na força-tarefa em Curitiba. Ela afirmou que as cláusulas do acordo “deixam bastante evidente o protagonismo de determinados membros da instituição, singularmente os que integram a força-tarefa da Lava Jato”. “Não é possível que órgão do MPF, em decorrência do exercício de suas atribuições funcionais, possa desempenhar atividades de gestão de recursos financeiros de instituição privada, nem definir onde serão aplicados, muitos menos ter à sua disposição um orçamento bilionário”, afirmou a então procuradora-geral da República.

A criação da fundação também havia sido alvo de críticas no próprio STF. Ministros como Marco Aurélio Mello, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes criticaram a força-tarefa.

Ainda no âmbito do Ministério Público, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu punir o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol, por ter dado uma entrevista à rádio CBN em que fazia críticas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Por 8 votos a 3, os conselheiros do CNMP decidiram dar uma advertência a ele.

A advertência é uma punição mais leve no CNMP. Em tese, Dallagnol poderia sofrer sanções mais duras, como ser afastado temporariamente de suas funções ou até mesmo perder o cargo. Mesmo assim, o gesto foi visto como mais uma derrota à Lava Jato, já que foi a primeira vez que um membro da força-tarefa foi punido.

Congresso também atuou para minar Lava Jato

O Congresso também impôs sua cota de derrotas à operação Lava Jato em 2019. Mesmo com uma bancada renovada, Câmara e Senado aprovaram - e deixaram de aprovar - projetos de lei para prejudicar a operação.

Em setembro, a Câmara aprovou o projeto de lei de abuso de autoridade. O projeto já havia sido votado no Senado em 2017 e era duramente criticado por procuradores, juízes e forças policiais. O ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato, teve que entrar em campo para trabalhar por vetos do presidente Jair Bolsonaro ao texto aprovado, mas parte desses vetos foi derrubada pelo Congresso.

Ao votar o pacote anticrime proposto por Moro, em dezembro, a Câmara também incluiu na proposta a criação da figura do juiz de garantias. Pelo texto, o juiz que fiscaliza a produção das provas não é o mesmo que julga os denunciados pelo Ministério Público. Moro se posicionou contra a proposta, mas ela foi aprovada mesmo assim, com ampla margem de votos.

O Congresso também retirou do pacote anticrime a previsão da prisão em segunda instância. A Câmara ainda tem uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema, mas a aprovação deve ficar só para o ano que vem. Já no Senado, um projeto de lei foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) para prever a prisão antes do trânsito em julgado, mas o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse que não vai pautar o projeto no plenário e vai aguardar a tramitação da PEC na Câmara.

Lava Jato obteve pelo menos uma vitória significativa em 2019

Em um ano com tantas derrotas, a Lava Jato obteve pelo menos uma vitória considerada importante em 2019. Depois de paralisar as investigações com base em dados fornecidos por órgãos de controle, como Coaf e Receita Federal, o STF voltou atrás para permitir o compartilhamento das informações.

A decisão do plenário do STF é uma vitória do combate à corrupção, uma vez que permite e agiliza o repasse de dados fiscais e bancários de suspeitos a órgãos de investigação, sem obstáculos judiciais. A tese vencedora no julgamento foi de que o compartilhamento pressupõe a transferência do sigilo de um órgão para outro, sem quebra de confidencialidade.

Ficou para 2020: suspeição de Moro

Pelo menos uma pauta que interessa diretamente à Lava Jato ficou para ser resolvida em 2020. Os ministros da 2.ª Turma do STF devem julgar um recurso da defesa de Lula que pede a anulação do processo do tríplex no Guarujá, com base no argumento de que o ex-juiz Moro deve ser considerado parcial para julgar o petista.

Entre os argumentos listados pela defesa para alegar que Moro foi parcial e agiu politicamente ao conduzir o caso estão: a) a condução coercitiva do ex-presidente sem prévia intimação para o petista depor; b) a quebra de sigilo telefônico, inclusive de advogados do ex-presidente; c) divulgação ilegal dos áudios que foram fruto da interceptação, como o que mostra uma conversa entre Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff que, na época, tinha foro privilegiado; d) a condenação imposta a Lula no caso do tríplex; e) a atuação de Moro para impedir que Lula fosse solto quando o TRF-4 concedeu um habeas corpus ao petista, em julho de 2018; f) o fato de um interrogatório de Lula no processo do sítio em Atibaia ter sido adiado por causa das eleições, para impedir o ex-presidente, que era candidato, de aparecer publicamente; g) o levantamento do sigilo de parte da delação do ex-ministro Antônio Palocci por Moro, de ofício, a uma semana das eleições de 2018; h) o fato de Moro ter assumido o Ministério da Justiça no governo de Jair Bolsonaro, principal adversário político do PT nas eleições do ano passado.

O habeas corpus foi protocolado no ano passado e começou a ser julgado no final do ano, mas foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes. Neste ano, a defesa do ex-presidente acrescentou aos argumentos da suspeição de Moro parte das conversas atribuídas a Moro e membros da Lava Jato no Telegram, divulgadas pelo The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa.

O caso foi retomado na Segunda Turma do STF na última sessão antes do recesso de julho. Por causa de seu voto extenso, Gilmar Mendes sugeriu que a Turma concedesse uma liminar para libertar Lula até que o mérito do caso terminasse de ser julgado. O placar foi de 3 a 2 contra a concessão do habeas corpus. O ministro Celso de Mello, que votou contra a liminar, esclareceu que seu voto no mérito do processo pode ser diferente, dando indicativos de que pode reverter o placar a favor de Lula quando o caso for retomado.

MPF aponta que 2019 foi ano recorde em denúncias

O Ministério Público Federal (MPF) considera que o ano de 2019 bateu recorde de denúncias na operação Lava Jato. Foram 29 denúncias oferecidas, envolvendo 151 pessoas, sendo 100 denunciados pela primeira vez na operação.

A força-tarefa destaca investigações referentes a corrupção na Transpetro, na Usina Belo Monte, afretamentos de navios gregos da Petrobras, desvio de dinheiro realizado por meio de contas no exterior controladas pelo dono do Grupo Petrópolis, lavagem de dinheiro envolvendo ex-gerentes do Banco Paulista, entre outros.

Em 2019, foram deflagradas 70 fases da operação em Curitiba, com o cumprimento de 1.361 mandados de busca e apreensão, 227 mandados de condução coercitiva, 165 mandados de prisão preventiva e 161 mandados de prisão temporária.

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