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Deltan Dallagnol com a palavra Lava Jato na testa.
Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no MPF do Paraná, foi alvo de um ataque hacker que expôs conversas privadas.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo/Arquivo

O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs um novo revés à Lava Jato, nesta quinta-feira (26), ao obter maioria para anular mais uma sentença do ex-juiz Sergio Moro, com possível efeito cascata para dezenas de outros processos. A operação enfrenta nos últimos seis meses a maior turbulência em cinco anos de trajetória, com ataques e questionamentos que ameaçam o próprio futuro do combate à corrupção no país.

O inferno astral da Lava Jato começou em março desse ano quando o STF tirou da Justiça Federal e remeteu à Justiça Eleitoral a competência para julgar casos de corrupção e lavagem de dinheiro quando associados a crimes como o caixa 2. De lá para cá, tudo parece estar dando errado.

A operação sofreu derrotas não só na corte suprema, mas também por influência dos outros poderes da República. Como a aprovação da lei de abuso de autoridade pelo Congresso Nacional, projeto questionado por procuradores, juízes e forças policiais. Há ainda um pedido de abertura na Câmara dos Deputados de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a Lava Jato.

Algumas decisões do governo Jair Bolsonaro na gestão de órgãos de controle, como Coaf e Receita Federal, além da possível troca no comando da Polícia Federal e na escolha do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, também causaram controvérsia e mal estar na Lava Jato.

Veja as derrotas e os próximos desafios da Lava Jato

Derrotas

Caixa 2 na Justiça Eleitoral

A primeira grande derrota da operação ocorreu em março, quando o STF decidiu que crimes comuns (como corrupção e lavagem de dinheiro) que tenham relação com crimes eleitorais (como o caixa 2) devem ser julgados pela Justiça Eleitoral, e não pela Justiça Federal. Ao comentar o resultado, o chefe da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol, disse que “começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há cinco anos”.

Condenação de Bendine anulada

A anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, foi outra derrota sofrida pela Lava Jato. Bendine havia sido condenado a 11 anos de prisão pelo então juiz Sergio Moro.

Por 3 votos a 1, os ministros da Segunda Turma do STF entenderam que ele teve seu direito à ampla defesa violado por, na primeira instância, ter sido obrigado a apresentar suas alegações finais ao mesmo tempo que outros réus delatores. A decisão pode ter um efeito cascata sobre pelo menos outras 32 sentenças, com mais de 100 réus condenados, inclusive a do Lula sobre o sítio de Atibaia.

Compartilhamento de dados do Coaf suspenso

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, suspendeu em julho todos os inquéritos e processos judiciais em que tenha havido compartilhamento de informações financeiras de investigados ou réus sem autorização da Justiça. A liminar paralisou inúmeras investigações não só de corrupção e lavagem de dinheiro, mas também de tráfico de drogas e de pessoas, por exemplo. A decisão de Toffoli não é definitiva e ainda poderá ser revista pelo plenário do STF até o fim do ano.

O ministro atendeu a um pedido do filho do presidente da República, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), para paralisar investigações contra ele com base em informações do Coaf – atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), vinculada ao Banco Central.

Abuso de autoridade aprovado

Em setembro, a aprovação no Congresso Nacional do projeto de lei de abuso de autoridade foi considerada pela Lava Jato uma reação da classe política à operação anticorrupção. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar 33 pontos do projeto, mas em 24 de setembro o Congresso derrubou mais da metade dos vetos. Os defensores da operação alegam que a nova legislação vai dificultar a atuação de procuradores, juízes e policiais.

Transferência de Lula barrada

A primeira vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no STF foi vista como outra derrota da Lava Jato. Em julho, a defesa do petista conseguiu barrar a transferência do ex-presidente da cela na Superintendência na Polícia Federal, em Curitiba, para o presídio de Tremembé, no interior de São Paulo.

O pedido de transferência havia sido feito no ano passado pela PF e foi reiterado pela corporação em julho deste ano. No dia 7 de agosto, a Suprema Corte atendeu o pedido da defesa de Lula e suspendeu a transferência em caráter liminar.

Lista tríplice da PGR ignorada

A indicação do subprocurador Augusto Aras ao cargo de novo procurador-geral da República (PGR) feita pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) gerou descontentamento na força-tarefa da Lava Jato, pois o nome de Aras não integrava a lista tríplice que saiu da eleição promovida pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Bolsonaro não era obrigado a escolher entre os indicados pela ANPR, mas todos os presidentes desde 2003 respeitaram a indicação dos procuradores.

Conversas divulgadas pelo The Intercept Brasil

Supostas conversas entre o procurador Deltan Dallagnol e Sergio Moro, publicadas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de imprensa parceiros, obtidas a partir de um ataque hacker ao aplicativo Telegram lançaram dúvidas sobre a imparcialidade do ex-juiz e de integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público.

Além da repercussão jornalística, a chamada “Vaza Jato” levou à coleta de assinaturas na Câmara dos Deputados para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que por enquanto não foi instalada. Dallagnol e Moro não confirmam a veracidade dos diálogos vazados e afirmam que as conversas podem ter sofrido edições e/ou manipulações.

Incertezas

Mudanças no Coaf

Por decisão do presidente Jair Bolsonaro, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) mudou de nome para Unidade de Inteligência Financeira (UIF) e foi transferido do Ministério da Economia para o guarda-chuva do Banco Central. Antes, já havia deixado de responder ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública de Sergio Moro.

O pano de fundo para a mudança foram insatisfações do Palácio do Planalto e da classe política com a atuação dos órgãos no combate à corrupção. Ao enviar o Coaf para o Banco Central, o governo afirmou que o objetivo era blindar o órgão de influências políticas. O ministro Sergio Moro disse, em defesa do governo, que os receios de um esvaziamento do Coaf são infundados.

Apesar das palavras do ministro, o UIF ganhou uma nova estrutura. O presidente Roberto Leonel, indicado por Moro para o órgão, ficou de fora. Auditor fiscal, ele deu lugar a Ricardo Liáo, que era diretor na gestão Leonel. Ele recebeu a missão do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do BC, Roberto Campos Neto, para fazer uma transição suave do quadro de funcionários.

Homem da Lava Jato exonerado da Receita Federal

Além do Coaf, a Receita Federal também sofreu mudanças. Além da demissão do secretário, Marcos Cintra, foi exonerado também o coordenador-geral de Pesquisa e Investigação da Secretaria Especial (Copei), Ricardo Pereira Feitosa.

A Copei funciona como um núcleo de inteligência da Receita e trabalha sigilosamente buscando indícios de corrupção. A pasta é responsável, por exemplo, por fornecer informações a operações como a Lava Jato. Feitosa é ex-militar e só ficou quatro meses no cargo. Na portaria do DOU, consta que ele foi demitido com base em um dossiê, mas sem dar detalhes do que se trata.

Ameaça de troca no comando da PF

Levado à função pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, com quem trabalhava na Operação Lava Jato, o delegado Maurício Leite Valeixo entrou na linha de tiro do presidente Jair Bolsonaro (PSL) depois de um aparente desentendimento. Bolsonaro afirmou em público que nomearia um superintendente novo no Rio de Janeiro por questão de produtividade, passando por cima do diretor-geral. O ato repercutiu mal internamente na Polícia Federal e Valeixo chegou a ser cotado para deixar o posto. Por enquanto, ele continua no cargo, mas seu futuro no comando da PF é incerto.

Incógnita sobre novo PGR

A atuação do novo procurador-geral da República, Augusto Aras, em relação à Lava Jato é uma incógnita. Na sabatina no Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ele defendeu a operação e disse que o modelo deve ser levado a todos os estados e municípios, mas ao mesmo tempo falou em correções.

Sua indicação por parte do presidente Bolsonaro foi de encontro com os nomes defendidos pelos procuradores da Lava Jato que em várias oportunidades se manifestaram a favor da escolha de um dos integrantes da lista tríplice apresentada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

CPI da Lava Jato

A Câmara dos Deputados coletou as assinaturas necessárias para a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Lava Jato, mas não se sabe se isso ocorrerá de fato. Se instaurada, seu desfecho é incerto. O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não tem pressa para analisar se instala ou não a CPI da Lava Jato. Segundo ele, o tema deve ser analisado com cuidado para não prejudicar a harmonia entre os poderes.

A CPI tem como objetivo, segundo a minuta disponível na Câmara, “investigar a violação dos princípios constitucionais e do Estado Democrático de Direito, em razão da suposta articulação entre os membros da Procuradoria da República no Paraná e o então juiz Sergio Moro da 13ª Vara Federal de Curitiba, tornadas públicas pelo site The Intercept”.

Desafios futuros

Prisão após condenação em 2 ª instância

O presidente do STF, Dias Toffoli, deu sinais de que pretende pautar novamente o tema da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O caso é muito caro à Lava Jato, que defende a prisão para cumprimento de pena antes do trânsito em julgado dos processos judiciais – quando não cabe mais recurso.

Os ministros já apresentaram muitas idas e vindas em relação ao tema. No último julgamento envolvendo condenação em segunda instância, uma maioria apertada, de 6 votos a 5, acabou permitindo a prisão nesses casos.

Lula e outros réus da Lava Jato foram presos com base nesse precedente. Se o STF mudar de ideia, todos os réus que cumprem pena antes do trânsito em julgado deverão ser soltos.

Desde a última vez que o tema foi discutido no plenário do STF, alguns ministros que votaram a favor da previsão de prisão em segunda instância já admitiram ter mudado de ideia. Entre eles, está o ministro Gilmar Mendes.

Julgamento do Banestado no STF

O julgamento no STF do recurso de um doleiro condenado pelo ex-juiz Sergio Moro no caso Banestado é mais um termômetro sobre o futuro da Lava Jato. Os ministros vão analisar argumentos da defesa de que Moro desempenhou funções típicas da acusação ao longo da fase processual – argumento muito parecido com o que está sendo usado pelas defesas de réus da Lava Jato, a partir da divulgação de mensagens no Telegram atribuídas a Moro e outros integrantes da Lava Jato em Curitiba.

O julgamento começou no dia 13 de setembro no plenário virtual, mas o ministro Gilmar Mendes pediu vista e, quando ele devolver ao plenário, o recurso será apreciado presencialmente. O desfecho do caso Banestado pode ser um precedente importante para entender como os ministros devem se comportar em relação às reclamações sobre a atuação de Moro.

Suspeição de Moro para julgar Lula

As divulgações do Intercept também podem influenciar outro julgamento, na Segunda Turma do STF. Os ministros devem retomar em breve a análise de um recurso da defesa de Lula que pede a suspeição do ex-juiz Sergio Moro e a anulação do processo do tríplex no Guarujá. Lula está preso e cumprindo pena com base na condenação em segunda instância nesse caso.

O habeas corpus foi protocolado no ano passado e começou a ser julgado no final do ano, mas foi interrompido por um pedido de vistas do ministro Gilmar Mendes. Neste ano, a defesa do ex-presidente acrescentou aos argumentos da suspeição de Moro parte das conversas divulgadas pelo Intercept.

O caso foi retomado na Segunda Turma do STF na última sessão antes do recesso. Por conta de seu voto extenso, Gilmar Mendes sugeriu que a Turma concedesse uma liminar para libertar Lula até que o mérito do caso terminasse de ser julgado. O placar foi de 3 a 2 contra a concessão do habeas corpus. O ministro Celso de Mello, que votou contra a liminar, esclareceu que seu voto no mérito do processo pode ser diferente, dando indicativos de que pode reverter o placar a favor de Lula quando o caso for retomado."

Uso de dados do Coaf e Receita Federal

Após a decisão liminar do ministro Dias Toffoli de suspender todas as investigações com base em dados detalhados de órgãos de controle sem autorização judicial, a partida ainda não terminou no STF. A matéria será julgada pelo plenário, provavelmente em novembro. Os ministros vão decidir se órgãos como UIF (antigo Coaf) e Receita Federal podem compartilhar informações detalhadas com o Ministério Público sem autorização judicial.

O ex-presidente do Coaf, Roberto Leonel, criticou a decisão de Toffoli e acabou exonerado do cargo depois de pressões do presidente Jair Bolsonaro. O ministro Sergio Moro também conversou com Toffoli sobre a decisão e gerou mal estar em sua relação com o Palácio do Planalto.

A Lava Jato argumenta que a decisão inviabiliza investigações sobre corrupção em todo o país. A Receita Federal, por exemplo, é uma das instituições que fazem parte da força-tarefa da Lava Jato. Muitas investigações do caso tiveram o apoio de relatórios do Coaf e da Receita.

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