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Transparência Internacional considera que Lava jato passa pelo seu pior momento no Brasil com o governo Bolsonaro
Bruno Brandão, representante da Transparência Internacional no Brasil| Foto: Yuri Alvetti/Flickr Transparência Internacional

A Transparência Internacional, instituição de luta contra a corrupção com atuação ao redor do planeta, vê o atual cerco contra a Lava Jato como “mais forte e mais audacioso do que nunca”. Em entrevista à Gazeta do Povo, o diretor-executivo da entidade no Brasil, Bruno Brandão, afirma que o momento é de “extrema gravidade”, porque coloca em risco não apenas a Lava Jato, mas todo o progresso do país no combate à grande corrupção. Brandão também enxerga “uma trajetória muito perigosa de um controle político das instituições, uma captura das instituições, que pode servir não apenas à blindagem de aliados, mas à perseguição de adversários”.

Brandão também destaca a necessidade de aprimoramento legal e institucional para impedir retrocessos. “A luta contra a corrupção, sustentada de longo prazo e com solução sistêmica, vem necessariamente pelo aprimoramento legal e institucional. E não por heróis, não por mitos, isso jamais levou país algum a vencer a batalha contra a corrupção”, alerta.

Veja a entrevista completa de Bruno Brandão:

Como o senhor avalia o momento atual da Lava Jato e do combate à corrupção no país?

Bruno Brandão: O que nós vimos a partir do início do governo Bolsonaro foi um rápido retrocesso no combate à corrupção no país. Tanto do ponto de vista institucional, quanto legal, quanto retórico. Nós fizemos essa denúncia já, internacionalmente. Em outubro do ano passado nós publicamos um relatório internacional para denunciar esse retrocesso no Brasil. Esse relatório serviu aos organismos internacionais, como Gafi [Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo] e principalmente a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico]. A OCDE tem o Grupo Antissuborno da convenção da OCDE contra o suborno transnacional, do qual o Brasil é signatário. E [os integrantes do grupo] ficaram muito preocupados com a situação do país, não só pelo nosso relatório, mas por todas questões que já estavam sendo observadas. Principalmente o retrocesso com respeito ao Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]; a paralisação do Coaf durante mais da metade do ano passado. Isso levou a uma reação muito forte da OCDE. Ela aprovou uma missão de alto nível que veio ao Brasil em caráter de urgência para examinar a situação para tentar reverter esse quadro. E conseguiram exercer uma pressão importante, que até o Supremo Tribunal Federal depois decidiu, por unanimidade, de forma contrária à tese do ministro [Dias] Toffoli nessa questão do compartilhamento de dados de instituição financeira.

O ano de 2019 foi marcado por muitos retrocessos. E em 2020 o quadro se agravou. Vimos, com a saída do ex-ministro [Sergio] Moro, que se escancarou a tentativa de influência indevida em órgãos de controle por parte do presidente Bolsonaro. E as consequências da nomeação de um procurador-geral da República alinhado politicamente ao governo [Augusto Aras] está mostrando agora sua forma mais escancarada e mais grave nessas ações do procurador-geral contra sua própria instituição. É um quadro de extrema gravidade, que não só coloca em risco todo o progresso do Brasil nos anos recentes no combate à corrupção, mas que coloca em uma trajetória muito perigosa de um controle político das instituições, uma captura das instituições, que pode servir não apenas à blindagem de aliados, mas à perseguição de adversários. Aí nós entramos em uma esfera, um novo patamar, um patamar muito mais perigoso de captura do Estado. O quadro geral é muito alarmante dessa situação.

O senhor acredita que há um cerco da PGR [Procuradoria-Geral da República] à Lava Jato?

Bruno Brandão: Certamente. É o pior momento da Lava Jato. Porque esse alinhamento de forças opositoras à Operação Lava Jato e às outras forças-tarefas parece mais forte e mais audacioso do que nunca. Temos um presidente da República em forte movimentação para deslegitimar e desconstruir a imagem da Operação Lava Jato, principalmente movido pela rivalidade com o ex-ministro Sergio Moro. E também é possível interpretar que as denúncias de corrupção que alcançam sua própria família e seu círculo próximo também são um fator que determina essa atuação hostil do presidente da República a essas atuações independentes dos órgãos de controle.

Por outro lado, na Procuradoria-Geral da República, o procurador é um chefe de extrema desconfiança no seio da própria instituição, entre seus pares, e perante a sociedade. Ele [Aras] não goza da confiança da sociedade brasileira. E há uma atuação destrutiva entre a própria instituição que ele lidera. Ao invés de um debate, um esforço de correções construtivas dos erros e equívocos, que também existem e têm que ser aprimorados, há uma atitude absolutamente hostil e autoritária, que na verdade leva a um enfraquecimento da luta contra a corrupção e da própria instituição do Ministério Público.

Mas, além disso, temos no Poder Judiciário diversas frentes de ataque à Operação Lava Jato, às forças-tarefas. E teve esse recesso do Judiciário, com uma atuação explícita do presidente do Supremo Tribunal Federal [Toffoli] contrariando jurisprudências assentadas do próprio tribunal e influenciando com o arquivamento de investigações contra figuras poderosas, senadores [José Serra, investigado na Lava Jato], impedindo busca e apreensão, atuando sobre o caso do impeachment do [governador Wilson] Witzel no Rio de Janeiro... Enfim, houve uma postura mais proativa do presidente do STF no momento em que, no recesso, os relatores desses casos foram atropelados por decisões do ministro Toffoli, no sentido contrário a esse progresso da luta contra a corrupção e a impunidade [durante o recesso, todas as decisões do STF ficam nas mãos do presidente da Corte].

E ainda por cima, no Congresso Nacional, há forças hostis. Vimos declarações pesadas do Rodrigo Maia [presidente da Câmara] e ataques à Operação Lava Jato.

E fora dos poderes... Também não para por aí... Nós temos a atuação de alguns órgãos, alguns ministros do TCU [Tribunal de Contas da União], temos AGU [Advocacia-Geral da União] e própria força política das bases bolsonaristas e lulistas. Há um cerco [contra a Lava Jato] nas militâncias políticas, principalmente no espectro mais radical. Então é um cerco gravíssimo à Lava Jato. É o que reflete nossa experiência em 110 países na luta contra a corrupção. As peças adversárias também se movem. E agora parece que estão se movendo em coordenação, em um ataque massivo.

A PGR lançou uma ofensiva para obtenção de dados de investigações da Lava Jato. Além da decisão do STF, o procurador-geral também editou uma portaria que altera regras de sigilo de documentos do MPF. Como a Transparência Internacional vê essa movimentação?

Bruno Brandão: É importante fazer uma ressalva de que existe um problema institucional no Ministério Público no que diz respeito à governança de dados. É fato que existe uma deficiência grave em como os dados são tratados e custodiados dentro da instituição. Nós sabemos que vazamentos são práticas recorrentes. Sabemos que a fragilidade da segurança de dados também é uma situação e também sobre o controle de acesso, registro, quem acessa as autorizações. De modo geral, a instituição sofre essa precariedade no sistema de governança de dados. Seria positivo um debate sério, objetivo e transparente sobre melhorias nessa governança. Mas não é isso que vimos. O que vimos é esse ato autoritário do procurador-geral da República, que na verdade é uma devassa que ele pretende realizar com alvo definido: as forças-tarefas da Lava Jato [de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro]. Isso não resolve o problema da governança de dados. Agrava o problema porque você traz esse problema para o ator dentro da instituição mais próximo da esfera política [Aras]. Ao invés de tratar de uma maneira construtiva e aprimorar o sistema, você agrava, concentrando todas essas informações em um agente, na cabeça da instituição, que é a mais próxima do mundo político e de vários atores interessados nessa informação e no mau uso dessas informações.

Além do problema direto da informação, do acesso à essas bases de dados, da custódia dessas bases de dados, há um ataque a um princípio fundamental para o combate à corrupção, e principalmente à grande corrupção, que é a independência funcional dos promotores, dos membros do Ministério Público. Essa é uma característica que nos distingue, no Brasil, da grande maioria dos países da América Latina, que são incapazes de fazer avançar casos contra réus poderosos porque os Ministérios Públicos não gozam de autonomia. Essa autonomia está prevista na nossa Constituição. No caso da grande maioria dos países, principalmente na América Latina, isso não existe. E, quando um grande caso é aberto por um promotor, um fiscal em primeira instância, esses casos são avocados para instâncias superiores, para os procuradores-gerais. E são anulados. Eles [os procuradores-gerais] eliminam os casos; matam pela raiz. Esse foi o grande diferencial do Brasil, o grau elevado de autonomia de que gozam os agentes, os membros do Ministério Público. Se você matar isso e centralizar em Brasília, certamente é um dano irreversível para a luta contra a corrupção no Brasil. Claro que essa grande autonomia dos membros do Ministério Público também requer uma grande responsabilidade, um accountability na mesma medida. Mas, outra vez, essas ações não são para aprimorar esse sistema de accountability. Na verdade são ações hostis que buscam deslegitimar publicamente esses agentes [de combate à corrupção] e avançar de maneira autoritária sobre essa prerrogativa de autonomia.

Qual a sua opinião sobre a criação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Unac), gestada pela PGR [a unidade centralizaria em Brasília a investigação dos grande casos de corrupção]?

Bruno Brandão: Existem experiências internacionais similares em vários países, principalmente na Ásia, na criação das agências centralizadas de combate à corrupção. A Transparência Internacional já estudou diversos desses casos. Pode ser algo que pode dar muito certo ou muito errado. Depende muito das características institucionais desses órgãos. Primeiro, no que diz respeito aos poderes, ao mandato, às prerrogativas desse órgão, o alcance desses poderes. Em segundo lugar, a efetiva autonomia desse órgão. E, além disso, o controle, o accountability desses órgãos. É um balance muito delicado e fundamental entre poder, autonomia e accountability. Se você não der poderes suficientes a essas agências ou autonomia suficientes, elas são inócuas, principalmente em relação à grande corrupção. Mas, se você der poderes excessivos e autonomia excessiva, sem accountability, um regime de responsabilidades e transparência, um controle externo, pode ser algo extremamente perigoso, com poderes excessivos e sem controles. É um balance muito importante, fundamental para o funcionamento de uma agência como essa. Não é um equilíbrio simples e nos traz muitas preocupações que ela [a Unac] seja criada nesse momento em que existe um estado de miséria na instituição do Ministério Público, uma briga fratricida dentro da instituição e um líder desacreditado pelos próprios pares e pela sociedade. É algo [a criação da Unac] que vemos com muita cautela nesse momento.

O senhor acredita que há atuação política dentro da PGR?

Bruno Brandão: Essa proximidade que nós vimos desde o início entre o procurador-geral da República e o presidente da República, membros do Congresso... Já são mostras de uma atuação excessivamente alinhada ou próxima do mundo político [da parte de Augusto Aras]. A própria nomeação, a escolha política, a nomeação do PGR pelo presidente da República, ignorando a lista tríplice [escolhida em eleição interna do MPF], foi, digamos, um vício de origem. Há uma desconfiança de origem que foi gerada sobre uma opção política para liderança desse órgão. Além disso temos um problema sistêmico para o país, que é o modelo de nomeações para o Supremo Tribunal Federal, que gera incentivos perversos para atores de grande importância, grandes autoridades, para que queiram agradar ao poder de plantão, ao presidente da República, para que possam se cacifar como candidatos a uma nomeação ao Supremo Tribunal Federal. Nós temos que tomar muito cuidado com essa questão, porque por mais que tenha problemas, nosso Supremo Tribunal Federal tem muitas qualidades. Em perspectiva comparada com outros países da América Latina, ele é uma instituição de muita qualidade. Mas o modelo de nomeação gera um problema sistêmico, desses incentivos perversos para que essas grandes autoridades possam ter uma atitude dócil perante a autoridade máxima do presidente da República, que tem a prerrogativa da nomeação.

É interessante, também, fazer um paralelo com a discussão sobre uma espécie de quarentena para que juízes não possam se candidatar à Presidência da República. É uma discussão legítima. Mas o timing dessa discussão parece ser voltado a uma figura, a um casuísmo, personalismo perante um potencial candidato, que seria Sergio Moro. Por que não discutir uma quarentena para a nomeação ao Supremo Tribunal Federal? Nós temos uma proposta de que procuradores-gerais da República, ministros da Justiça, advogado-geral da União não possam ser nomeados ministros do Supremo antes de uma quarentena de quatro anos ou mais. O objetivo é para que exatamente esse incentivo perverso de um comportamento dócil [em relação ao presidente da República] seja prevenido. Agora, muito mais urgente e relevante do que essa discussão seria uma discussão de aprimoramento de nomeações para o Supremo, que é talvez o grande elemento que incentiva esse comportamento dócil das autoridades com o mundo político.

Recentemente, o procurador-geral da República pediu ao STF que reconsidere o trâmite de homologação de delações premiadas por parte da PF. Ele pediu para que o MP tenha que concordar com a delação para que ela seja homologada. Também há uma movimentação para alterar regras de negociação de acordos de leniência [a delação das empresas] para dar à AGU e à CGU a atribuição de negociar esses acordos e ter conhecimento de investigações que correm no MPF. Qual a opinião da Transparência Internacional em relação a esses temas?

Bruno Brandão: Essa é outra discussão que é complexa e deve ser tratada de maneira objetiva e transparente. Também existe um problema sistêmico no Brasil que é o que se chama de falta de um balcão único para negociação de acordos de colaboração premiada. A empresa deve buscar diversas instâncias, diversos órgãos de controle, sejam de controle externo como o Ministério Público, seja de controle interno, como a CGU [Controladoria-Geral da União], a AGU [Advocacia-Geral da União], o Cade [ Conselho Administrativo de Defesa Econômica, ligado ao Ministério da Justiça]. São diversas frentes que uma empresa deve buscar e que nem sempre são coordenadas. É uma dificuldade sistêmica a falta de um balcão único. Mas, novamente, a discussão não parece ser no sentido de um aprimoramento. Mas, na verdade, é uma disputa de poder, buscando centralizar esse poder no Poder Executivo, nos órgãos do governo (que são a CGU e a AGU), e tirando o agente mais independente da negociação, que é o Ministério Público. Embora exista esse problema de coordenação, existe uma grande vantagem de ter essa multiplicidade de instituições porque existe um controle horizontal. Cada uma exerce um tipo de controle sobre a outra. Os órgãos que são do Poder Executivo, a CGU e a AGU, podem ter uma suspeição institucional em alguns casos, porque muitas vezes os acordos de leniência vão trazer informações para incriminar membros do próprio governo. Esses órgãos, AGU e CGU, em muitos casos podem considerar que há uma suspeição institucional para a sua atuação. A presença do Ministério Público é um fator que pode mitigar essa suspeição. O Ministério Público, em condições ideais, normais, é um ente de maior independência. É claro que pode ocorrer o que parece estar ocorrendo agora, um alinhamento do próprio Ministério Público com o Poder Executivo, que é o pior dos cenários. Portanto, é uma discussão complexa, que pode haver aprimoramento no sistema brasileiro, deve haver, mas temos que tomar muito cuidado para que não venha um retrocesso em algo que foi absolutamente central para o avanço recente do Brasil no combate à corrupção, que foi o modelo das colaborações premiadas.

O que é possível fazer para garantir que não haja mais retrocessos no combate à corrupção no Brasil e para recuperar parte dos avanços perdidos?

Bruno Brandão: Primeiro, é necessário, do ponto de vista mais imediato, uma reação da sociedade colocando peso político sobre essas movimentações, para inibir esse autoritarismo, esse avanço sobre a autonomia das instituições. E, para isso, é fundamental a conscientização e a mobilização da sociedade em defesa das conquistas do país no combate à corrupção e à impunidade. Mas, em segundo lugar, o que realmente precisamos é do fortalecimento das nossas instituições e das nossas leis. A luta contra a corrupção, sustentada de longo prazo e com solução sistêmica, vem necessariamente pelo aprimoramento legal e institucional. E não por heróis, não por mitos. Isso jamais levou país algum a vencer a batalha contra a corrupção.

O senhor mencionou várias vezes o autoritarismo, em vários pontos da entrevista. Nós temos um governo eleito, também, por um discurso de combate à corrupção, em uma eleição disputada com um partido adversário envolvido em escândalos de corrupção [o PT]. E hoje temos essa preocupação de que essa pauta tenha sido sequestrada em nome de um ataque à democracia. O senhor enxerga esse perigo concreto?

Bruno Brandão: A luta contra corrupção é uma "commodity" valiosa no mundo político. Nós não temos um corrupto preso, investigado, que não diga que está sendo perseguido politicamente. Por outro lado, nós não temos um político com um projeto de poder que não diga que vai combater a corrupção. No caso recente brasileiro, a sociedade apostou suas fichas em um projeto personalista, demagogo e autoritário para a luta contra a corrupção. E nós estamos vendo as consequências agora: um desmanche dos avanços institucionais, legais e até discursivos, retóricos e culturais – que foram responsáveis pelo avanço do país no combate à corrupção. Vemos um retrocesso imenso através desse caminho do personalismo, da demagogia, do populismo autoritário para a luta contra a corrupção. Não só a nossa pauta, a luta contra a corrupção sofre em um quadro como esse, mas o próprio Estado Democrático de Direito. Nós vemos um processo de destruição das instituições e da autonomia dos órgãos de controle – o que serve para a impunidade de poderosos. Mas, mais perigoso ainda, as instituições podem ser capturadas para a perseguição de adversários. E aí entramos em um patamar ainda mais grave, mais perigoso de captura do Estado por esses projetos populistas autoritários.

O senhor gostaria de acrescentar algo a essa discussão?

Bruno Brandão: Acho importante uma reflexão sobre essa discussão do que vai ser feito com as forças-tarefas, que deveria ser uma discussão frutífera, construtiva no país [a força-tarefa da Lava Jato pode ser encerrada em setembro por decisão da cúpula do MPF]. Temos que pensar sim em qual vai ser o próximo passo. Elas fizeram um trabalho muito importante. Mas é necessário uma conclusão e uma transição para uma nova etapa. Até porque a grande inovação que possibilitou o avanço do país no combate à grande corrupção e à impunidade foram os instrumentos de colaboração premiada. Esses instrumentos de colaboração premiada funcionaram tão bem no país porque vieram acompanhados de outra inovação, essa de caráter administrativo, organizacional, que foram as forças-tarefas. Um só pode funcionar bem com o outro. As colaborações são por natureza exponenciais, expansivas. Usando a colaboração, você traz mais informações sobre mais casos, mais réus, mais investigados. Ou seja, é trabalho que gera mais trabalho. Para que você possa processar tudo isso e extrair o benefício desse instrumento, você precisa de uma forma organizacional de trabalho em equipe, um trabalho em colaboração e coordenação entre vários agentes, procuradores, promotores, e mesmo a colaboração com outras instituições. Então foi um casamento muito feliz no país entre duas novidades. Uma do ponto de vista legal, as colaborações, e outra do ponto de vista organizacional, na forma de trabalho em equipe e coordenação interinstitucional. Se você quebra uma das pernas desse sistema, ele sucumbe. Então o que nós precisamos fazer é aprimorar essas duas pernas para que trabalhem ainda melhor, com melhor eficiência, mais accountability e controles adequados, mas mantendo também a autonomia necessária para um bom funcionamento da luta contra a grande corrupção. Isso foi fundamental no país. São duas novidades que apareceram juntas e que se encaixam muito bem, essas duas peças. A colaboração premiada porque expande as investigações exponencialmente e a forma de trabalhar em conjunto. Porque o nosso modelo de procuradores e promotores trabalhando individualmente torna impossível lidar com a carga que a colaboração traz. Você vê a [Operação] Greenfield, que foi desmantelada. Agora, dos cinco procuradores da força-tarefa, só tem um [com dedicação exclusiva], que é o coordenador. Isso basicamente paralisou a operação [que investiga desvios em fundos de pensão]. E eles já falaram que não vão mais fazer acordos de colaboração porque não têm capacidade de processar. Então você inviabiliza o sistema. Esse aspecto eu acho bastante relevante para o debate. E, infelizmente, está sendo relegado para uma orientação política e de disputa de poder.

Ainda sobre as forças-tarefas, há um temor no grupo da Lava Jato de que essa força-tarefa possa ser dissolvida e a autorização para ela funcionar não seja renovada em setembro. O que isso representaria para o combate à corrupção no país?

Bruno Brandão: As forças-tarefas têm que ter uma conclusão do trabalho e um processo de transição. Mas elas não podem ser enterradas, interrompidas abruptamente sem ser colocado nada adequado no lugar. O risco que nós temos é esse. Talvez não sejam dissolvidas, desmanteladas. Principalmente a Lava Jato, porque ela tem um apelo popular muito forte, um peso político. Talvez não seja desmantelada. Mas ela pode sim ser desidratada e enfraquecida. E basta uma decisão administrativa, do próprio procurador-geral da República, de cortar os recursos ou cortar a dedicação exclusiva dos procuradores, como já começou a ocorrer. Você cria uma situação de uma força-tarefa amputada e incapaz de cumprir a enorme missão que ela tem. Para o Brasil, é um grande retrocesso.

Além disso, e mais importante que tudo isso, a autonomia dos órgãos de controle, principalmente o Ministério Público e a Polícia Federal, que já está em franco retrocesso. Essa combinação de fatores leva a um quadro muito crítico, como nunca antes, para a luta contra a corrupção no país.

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