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O deputado Roberto Lucena (Podemos-SP).
O deputado Roberto Lucena (Podemos-SP), autor da proposta original de mudança na Lei de Improbidade.| Foto: Gustavo Sales/Câmara dos Deputados

Depois de um ano de trabalho de especialistas e dois anos e meio de tramitação na Câmara dos Deputados, o projeto que muda a Lei de Improbidade Administrativa foi aprovado no mês passado pelos deputados federais numa sessão que durou poucas horas. Foram 408 votos a favor e apenas 67 contra. Entre os deputados que votaram contra o texto está Roberto de Lucena (Podemos-SP), que era o autor da proposta original.

Em entrevista à Gazeta do Povo, Lucena explica por que votou contra seu próprio projeto e quais eram seus objetivos ao promover mudanças na Lei de Improbidade Administrativa, em vigência desde 1992. Para ele, existe no Congresso Nacional um movimento organizado para reduzir o alcance de leis que permitem o combate à corrupção.

Lucena, que é também presidente da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção e secretário de Transparência da Câmara dos Deputados, anuncia que vai fazer um apelo aos senadores para que eles retirem os trechos que enfraquecem a Lei de Improbidade Administrativa.

Sua proposta de alteração na Lei de Improbidade Administrativa deu entrada na Câmara em 2018. O que ela previa?

Roberto de Lucena: No ano de 2018, foi formado um grupo composto por integrantes do Ministério Público, do Tribunal de Contas da União, por juristas e especialistas em improbidade administrativa. Depois de quase oito meses de trabalho, esse grupo entregou ao Congresso Nacional uma sugestão de um projeto de lei que atualizava a Lei de Improbidade Administrativa, que é um dos principais eixos da legislação que combate à corrupção no Brasil.

A lei tem quase 30 anos. Nós precisávamos especificar alguns pontos, precisávamos jogar luz em outros pontos e precisávamos, principalmente, separar aquele que tinha o dolo [intenção] relacionado à ação de improbidade daquele que tinha cometido um erro, muitas vezes por falta de conhecimento da matéria.

Muitas vezes o prefeito se candidata, mas é um médico, um profissional liberal, um fazendeiro, um empresário. E não foi qualificado para ser um gestor público. Ele sai de sua atividade e vai, durante quatro anos, servir à coletividade sem ter sido preparado para lidar com todo o regramento que envolve a gestão pública. Um dos objetivos da nossa proposta era precisamente diferenciar o dolo do erro. No caso de erro, o gestor vai ser punido, mas não vai ser tratado com criminoso.

Por que o senhor votou contra um projeto inicialmente de sua autoria?

Roberto de Lucena: Meu projeto foi desvirtuado. Em 2019, o então presidente da Câmara Rodrigo Maia [DEM-RJ] determinou a instalação da comissão especial para discutir a proposta. Eu fiquei preocupado quando ficou acordado que o relator seria o deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Tenho respeito pelo deputado Zarattini, mas ele representa uma visão de mundo diferente da visão que eu defendo – e que neste momento é defendida pela maioria do povo brasileiro. A maioria não tolera a flexibilização e se revolta com a desidratação da Operação Lava Jato. Reconhece a Lava Jato como uma das mais importantes operações de combate à corrupção do Brasil.

Como um texto com tantas mudanças foi aprovado tão rápido?

Roberto de Lucena: Em 2019, foi apresentado um substitutivo, que era ainda pior do que este que foi aprovado agora. Na época, conseguimos evitar que ele fosse a plenário. Passamos todo o ano de 2020 no enfrentamento da pandemia. No início deste ano, começamos a discutir com o relator algumas adequações.

Até que, na terça-feira, 15 de junho de 2021, às 17h11, o substitutivo foi inserido no sistema. Quando fui informado, comecei a ler e fiquei arrepiado. Dois minutos depois, foi anunciado no plenário um requerimento de urgência para a apreciação. Quando pensamos em reagir, já era tarde: oito minutos depois, esse requerimento já tinha sido aprovado. Ou seja: os parlamentares não tiveram tempo de discutir o substitutivo. Não foi convocada a sociedade, não foram ouvidos especialistas independentes.

No dia seguinte, o substitutivo já estava sendo apreciado e votado [pelo plenário]. Conseguimos ainda que Zarattini retirasse do texto a previsão de que familiares tecnicamente qualificados pudessem ser contratados sem que configurasse crime de nepotismo. Evitamos, em relação ao nepotismo, uma tragédia, mas que interessava a muita gente. Outras não conseguimos evitar.

Quais são os piores pontos do texto aprovado?

Roberto de Lucena: Por exemplo: foi retirada do texto a questão da imprescritibilidade, do ressarcimento ao erário de fundos causados por ações de improbidade. Isso é reatroativo, acaba sendo um indulto para algumas pessoas, alguns gestores que estão neste momento sofrendo ações de improbidade administrativa. O substitutivo blinda essas pessoas. Torna-se então uma anistia.

Além disso, ficou definido no texto o prazo de seis meses, mais seis meses, para a ação do Ministério Público pra ações de improbidade. O problema é que uma investigação mais complexa, como a da Lava Jato, com documentos que somente seriam instruídos no processo, produzidos em parceria com outros países, nunca teria chegado aonde chegou com essa nova legislação. O texto atual parece pressionar o Ministério Público no sentido de diminuir o ímpeto da investigação contra políticos.

E mais: quando você pega as penas previstas na lei para o cometimento de crimes de improbidade administrativa, ali tem um truque: aumenta o tempo de pena máxima, mas tira o mínimo, que era de oito anos. Agora pode ser de seis meses, um ano.

Qual a expectativa para a votação do projeto no Senado?

Roberto de Lucena: Se essa lei for aprovada no Senado como está, só vai ficar inelegível quem não tiver amigos. Eu vou trabalhar junto ao Senado, com o apoio da bancada do Podemos, para que os senadores corrijam essas distorções. Caso volte para a Câmara com as mudanças necessárias, terá havido mais tempo para a sociedade se posicionar. Se os deputados ainda assim retomarem as mudanças, estarão assumindo a responsabilidade sobre a flexibilização do combate à corrupção.

Quais são os interesses por trás disso tudo?

Roberto de Lucena: Eu gostaria de não fulanizar, mas os interessados são todos aqueles que, neste momento, são alvo de ações de improbidade administrativa no STF, aqueles que têm foro privilegiado no nível do Congresso Nacional e do Executivo federal. Mas é uma ação que se desdobra em cadeia e que beneficia milhares de pessoas no Brasil. O Congresso Nacional representa uma série de interesses, alguns mais legítimos e republicanos, outros menos. E essa pressão para enfraquecer o combate à corrupção existe. Mas não posso admitir que o Congresso aja dessa forma, num momento em que a sociedade já demonstrou que está insatisfeita com a maneira como os políticos lidam com a coisa pública.

Atualização

Texto corrigido a partir de observação do leitor Eugênio Seibert Heck, que entrou em contato com a Gazeta pelo campo "Comunique Erros".

Atualizado em 31/07/2021 às 10:57
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