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Uso da Lei de Segurança Nacional contra opositores e apoiadores do governo disparou nos últimos dois anos, reflexo da polarização política.
Policiais distritais fazem segurança no perímetro do STF: uso da Lei de Segurança Nacional disparou nos últimos dois anos, reflexo da polarização política.| Foto: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

Editada durante a ditadura militar (1964-1985), a Lei de Segurança Nacional (Lei nº 7.170/83) é alvo de questionamentos tanto de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro quanto de seus críticos. Isso porque a legislação vem sendo usada nos últimos tempos pelo governo e governistas contra quem critica Bolsonaro, mas também contra bolsonaristas.

Um dos casos mais polêmicos de uso da Lei de Segurança Nacional (LSN) ocorreu em fevereiro: a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes com base nessa legislação. Silveira havia publicado um vídeo com ofensas a ministros do Supremo. Além dele, outros apoiadores de Bolsonaro – como a ativista Sara Winter e o jornalista Oswaldo Eustáquio – também são investigados pelo STF no mesmo inquérito das fake news que usa como base na Lei de Segurança Nacional.

Na semana passada, outro caso chamou a atenção – mas, nesse caso, envolvendo um crítico de Bolsonaro. O youtuber Felipe Neto foi intimado a depor devido a uma queixa feita pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Polícia Civil do Rio de Janeiro. O youtuber chamou o presidente Jair Bolsonaro de "genocida" por causa das mortes causadas pela pandemia de Covid-19 no Brasil. No entendimento do vereador, filho do presidente, Felipe Neto teria cometido crime previsto na Lei de Segurança Nacional.

A investigação contra Felipe Neto desencadeou outras manifestações contra Bolsonaro. Cinco manifestantes foram presos na quinta-feira (18) por protestarem na frente do Palácio do Planalto. O grupo colocou na Praça dos Três Poderes, em Brasília, uma faixa com um símbolo nazista e uma mensagem que chamava o presidente de "genocida". Segundo a Polícia Militar, a prisão foi realizada com base na Lei de Segurança Nacional – mas o delegado da Polícia Civil que ficou responsável pelo caso decidiu soltar os detidos e não enquadrá-los nessa legislação.

A Lei de Segurança Nacional também foi usada recentemente contra outra celebridade: o apresentador de TV e humorista Danilo Gentili. A Procuradoria da Câmara dos Deputados pediu a prisão dele ao Supremo Tribunal Federal (STF) por causa de postagens dele nas redes sociais. Em 25 de fevereiro, data em que o Parlamento se reuniu em sessão extraordinária para votar a chamada PEC da Impunidade (PEC 3/2021), Gentili sugeriu que a população "entrasse na Câmara e socasse todo deputado" que discute a proposta.

Quais dispositivos da Lei de Segurança Nacional estão sendo usados

O artigo 1.º da Lei nº 7.170/83 estabelece como crime contra a segurança nacional causar danos ou expor a perigo de lesão a "integridade territorial e soberania nacional", o "regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito" e a os "chefes dos Poderes da União" (o que inclui o presidente da República, os presidentes da Câmara e do Senado, e o presidente do STF).

Mas a maioria das ações que usam a Lei de Segurança Nacional também se utilizam de outros artigos como fundamentação jurídica.

Carlos Bolsonaro, por exemplo, propôs a queixa contra Felipe Neto baseado no artigo 26 – que prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem "caluniar ou difamar" os presidentes da República, do Senado, da Câmara ou do STF, "imputando-lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação". Nesse caso, a calúnia ou difamação seria o uso da expressão "genocida" pelo youtuber contra o presidente.

Algumas ações também usam os artigos 22 e 23 como fundamentação jurídica. Foi com base nesses artigos que o ministro Alexandre de Moraes ordenou a prisão do deputado Daniel Silveira.

Os incisos I e IV do 22.º estipula como crime "fazer, em público, propaganda" de "processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social" ou "de qualquer dos crimes previstos" na lei.

Já os incisos I, II e IV do 23.º prevê crime de segurança nacional para quem promover incitação à: "subversão da ordem política ou social"; "animosidade entre as Forças Armadas ou entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições"; e "prática de qualquer dos crimes previstos" na lei.

Outros dois artigos também costumam ser elencados junto aos demais. São os 17.º e 18.º, que preveem crime a quem "tentar mudar ou impedir, com emprego de violência ou grave ameaça", a "ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito" e "o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados."

Alguns desses dispositivos também embasam a ação contra Danilo Gentili.

Risco de promover censura à opinião divergente

Professor de Direito Constitucional e procurador do Ministério Público Federal (MPF), André Borges Uliano afirma que, mesmo em casos de incitação à lesão corporal, como a de Danilo Gentili, uma opinião, ainda que controversa, pode não ser enquadrada como um crime de segurança nacional.

Uliano e outros juristas defendem a liberdade de expressão e são contra sua censura – que vem sendo estimulada pelos vários atores políticos que recorrem à Lei de Segurança Nacional mais para intimidar adversários.

Analistas afirmam que é preciso que as autoridades avaliem meticulosamente cada caso e saibam separar opinião do que pode sugerir riscos enquadráveis na Lei de Segurança Nacional.

Esse pode ser o caso, por exemplo de investigação conduzida pela Polícia Federal (PF) em Uberlândia (MG). A PF intimou 25 pessoas para depor sobre mensagens nas redes sociais sobre Bolsonaro.

O inquérito foi aberto há duas semanas após um morador publicar uma mensagem em que citava uma visita de Bolsonaro à cidade e questionava se alguém gostaria de se tornar "herói nacional". Em resposta à publicação, apareceram mais de 400 comentários, entre eles diversas mensagens que sugeriam atentados contra o presidente. O autor da primeira mensagem foi detido horas após publicação e passou cerca de um dia em um presídio da cidade.

STF tem encontro marcado com a Lei de Segurança Nacional, diz Lewandowski

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski afirmou que a Corte tem um “encontro marcado” com a Lei de Segurança Nacional. Três ações que tramitam no STF pedem a derrubada integral ou parcial da lei editada em 1983, em plena ditadura militar. “(A LSN) é uma espécie de espectro que ainda está vagando no mundo jurídico e nós precisamos exorcizá-lo ou então colocá-lo na sua devida dimensão”, disse o ministro durante transmissão ao vivo realizada pelo Grupo Prerrogativas no último sábado (20).

Lewandowski ressaltou que a Lei de Segurança Nacional foi editada antes da nova Constituição Federal, a chamada Constituição Cidadã, que tem “um alentadíssimo capítulo sobre direitos e garantias fundamentais”. “O Supremo precisa dizer se esse fóssil normativo é ainda compatível, não só com a letra da Constituição de 1988, mas com o espírito da mesma”, afirmou o ministro.

Em 2021, ao menos três ações foram apresentadas ao Supremo contra a LSN, uma ajuizada pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e outra pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). Enquanto o PTB pede que a lei seja declarada inconstitucional, o PSB sugere uma derrubada parcial do texto, com a manutenção de alguns trechos em vigor. Nesta segunda-feira (22), o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) se juntou aos outros partidos e também ingressou com ação semelhante no Supremo.

Os casos estão sob relatoria do ministro Gilmar Mendes, que já foi alvo de pedido de investigação baseada no dispositivo. Em julho de 2020, o Ministério da Defesa enviou uma representação à Procuradoria-Geral da República, justificada pela LSN, pedindo a responsabilização de Gilmar pela afirmação de que o Exército estava se associando a um ‘genocídio’, em referência à presença de militares no Ministério da Saúde durante a crise sanitária da Covid-19.

Investigações com base na lei disparam em 2 anos

Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo mostra que o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal (PF) para investigar supostos crimes contra a segurança nacional subiu 77% nos dois primeiros anos da atual gestão em relação ao mesmo período dos governos Dilma Rousseff e Michel Temer.

Houve um total de 44 inquéritos entre os anos de 2015 e 2018. Já entre 2019 e 2020, foram 77 investigações, informa a publicação. O uso da Lei de Segurança Nacional é contestado por juristas e há 23 propostas de alteração protocoladas no Congresso.

Na semana passada, a Defensoria Pública da União (DPU) e um grupo de advogados entrou com dois habeas corpus no STF pedindo o encerramento de inquéritos e ações penais instaurados com base na Lei de Segurança Nacional contra críticos de Bolsonaro.

"Críticos(as) do presidente passaram a sofrer constrangimentos ilegais, de forma sistemática, por utilizarem-se, como livre expressão de crítica – direito fundamental e caro ao Estado Democrático – do termo 'genocida'", critica o grupo de nove advogados. "A liberdade de expressão é um direito fundamental e, dessa forma, deve ser assegurado o seu exercício", acrescenta.

Já a DPU apontou que a "proliferação" dos inquéritos impacta diretamente no "livre debate de ideias que integra o núcleo da democracia". "Porque a intimidação autoritária, pelo uso do medo e da criminalização da manifestação do pensamento, tende a eliminar exclusivamente as críticas a um dos atores políticos, desestabilizando assim o processo democrático", aponta.

Com informações do Estadão Conteúdo

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