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Ferrovia concedida à iniciativa privada em Anápolis (GO).
Trecho de ferrovia concedida à iniciativa privada em Anápolis (GO): grandes obras públicas costumam atrasar por causa de entraves com licenciamento ambiental.| Foto: Edson Leite/Divulgação MInfra

É comum ouvir reclamações sobre a demora para obtenção de licenciamento ambiental no Brasil. O tempo para conseguir a documentação varia de poucos meses, para autorizações simples, mas pode chegar a vários anos em casos de projetos complexos, como a construção de uma hidrelétrica, por exemplo. A proposta de lei geral para o licenciamento, que voltou a tramitar na Câmara dos Deputados e está na quarta versão do texto, quer estabelecer prazos fixos para agilizar o licenciamento. Mas só alterar a legislação não é suficiente.

O processo de licenciamento é complexo e há entraves que vão além da lei. Porém, existe um consenso de que modificar a legislação poderá trazer benefícios, ainda que cause insatisfações para alguns setores. Ainda assim, os gargalos não estão todos ali: a falta de servidores nos órgãos ambientais e estudos mal elaborados pelos empreendedores, que não cumprem todas as exigências, são exemplos de fatores que atrasam ainda mais a atividade.

O Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, fez uma auditoria nos licenciamentos federais, sob responsabilidade do Ibama para avaliar a atuação do órgão. O relatório, elaborado pelo ministro Weder de Oliveira, concluiu que o Ibama é ágil na análise dos estudos de impacto ambiental, apesar de atrasos na fase de elaboração de termos de referência. Foram analisados casos relacionados a sistemas de transmissão de energia, em que a atuação do Ibama foi tempestiva em 75% dos processos, e de construção de rodovias, em que os atrasos são maiores.

O relatório mostrou que o tempo médio de análise para os processos envolvendo sistemas de transmissão de energia foi de 351 dias. Já para as rodovias, o tempo médio de análise chegou a 557. As conclusões do relatório apontam que parte da demora é responsabilidade dos empreendedores, que levam muito tempo para fazer as correções solicitadas nos estudos, e também o período de análise de órgãos intervenientes, como a Funai, por causa da precariedade institucional desses entes.

Mais clareza, mais segurança

O professor de direito ambiental Rogério Rocco, que também é analista ambiental do ICMBio, pondera que todos os atores envolvidos prefeririam um processo de licenciamento mais rápido, o que seria bom para o meio ambiente e desenvolvimento. “A celeridade pode ser dada se tivermos normas que prevejam procedimentos com clareza para diminuir as margens de interpretação, empreendedores que cumpram as obrigações ambientais de formas mais adequadas e que garantam que o empreendedor cumpra seu objetivo sem afetar o equilíbrio ecológico. Isso não se resolve em uma canetada”, avalia.

Para ele, nos últimos anos houve um processo “cruel” de criminalização do processo de licenciamento ambiental, o que é negativo para todos. Porém, a revisão das regras e formatação de uma lei geral é considerada importante, porque há muitas normas, esparsas e antigas, e é necessário centralizá-las e torná-las válidas para União, estados e municípios.

“É um processo que envolve interesses complexos e vai resultar em eventuais insatisfações de todos os lados. Tem que apelar para o máximo de racionalidade para chegar a um resultado que não ainda que não agrade a todos o tempo todo, não piore o processo em comparação ao que já temos”, defende.

Outro problema citado por Rocco é que há déficits de servidores nos órgãos ambientais: muitos servidores se aposentaram e não houve reposição dessas vagas. “Não adianta acelerar o licenciamento sem fortalecer os órgãos licenciadores, que precisam estar estruturados a altura de suas responsabilidades”.

O lado do empreendedor também tem a sua parcela de culpa pela demora. O especialista pontua que muitas vezes os requerentes entregam estudos incompletos, mal feitos e que não complementam as informações solicitadas pelos órgãos ambientais. Sem cumprir as exigências impostas pelo empreendimento, o licenciamento fica suspenso.

Transparência e tecnologia

O presidente do CREA-SP, Vinícius Marchese Marinelli, pontua que a ausência de uma uniformidade no processo de licenciamento é prejudicial, mas que há cuidados a serem tomados. “Para o avanço do nosso país, é necessário desburocratizar os processos de licenciamento ambiental sem que haja prejuízos ao meio ambiente e à sociedade”.

Esse excesso de regras tem um reflexo direto. A insegurança jurídica gerada por regras pouco objetivas que levam à atuação discricionária dos agentes do estado é apontada por Davi Bomtempo, gerente-executivo de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Confederação Nacional da Indústria (CNI), como o principal entrave. Para começar a solucionar esse problema, ele aposta em termos de referência padronizados, prazos e prerrogativas para manifestação dos órgãos intervenientes definidos e estruturação dos órgãos ambientais, garantindo autonomia a eles.

Além disso, Bomtempo aponta a falta de atualização tecnológica, especialmente a informatização, também atrasa o processo por não proporcionar mais agilidade e transparência, o que poderia reduzir custos e permitir o intercâmbio de informações entre órgãos licenciadores e empreendedores. “Bancos de dados integrados entre os entes federativos facilitariam a análise pelos órgãos ambientais, empreendedores e consultores, evitando a reapresentação de documentos já entregues e o ônus desnecessário de levantar informações já disponíveis”, pontua.

A questão da transparência também é apontada por Nilvo Silva, que já foi presidente da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam-RS) e diretor de licenciamento do Ibama. Para ele, a transparência é o primeiro passo para que o licenciamento melhore de fato no país. Mas, na avaliação dele, isso é uma questão de política pública, e não de legislação.

Silva pondera que grande parte das reclamações sobre esse processo são corretas, mas considera que as propostas com a mudança da lei são equivocadas. “Existe uma reclamação geral de que tem muita discricionariedade por parte dos órgãos ambientais, muito casuísmo na questão do licenciamento. Esse PL aumenta a discricionariedade. Se é uma lei geral, tem que estabelecer os princípios gerais. Não pode jogar que ‘fica a cargo do órgão ambiental’”, critica.

Licenciamento ambiental: aprender com a experiência

Embora o país não possua uma lei geral, existe um conhecimento adquirido com o passar dos anos. O professor de direito ambiental Rogério Rocco lembra de que anteriormente esse era um processo trifásico – licenças prévia, de instalação e operação. Hoje, muitos estados e municípios já emitem duas licenças em conjunto, por exemplo. “São licenciamentos simplificados para atividades que já são conhecidas e tem impactos já identificados”, explica.

Um exemplo positivo desse aprendizado com a prática para Rocco é o caso dos leilões de blocos de exploração de petróleo, feitos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). Esse tipo de operação é um dos mais complexos para o licenciamento ambienta, como as hidrelétricas. Em muitos casos, os empreendedores de projetos desse porte entravam com os pedidos de licença ambiental quando o prazo do plano de negócios já estava correndo, acarretando em atrasos e prejuízos. Agora, esses projetos devem ser licenciados antes mesmo da licitação.

No caso da ANP, ele cita a ocasião em que o órgão concedeu a exploração de um bloco na zona de amortecimento de Abrolhos. “O mesmo estado que concedeu a exploração, tirou o direito. Mas é das crises que nascem as soluções. Agora, toda rodada da ANP é previamente negociada com os órgãos ambientais para ver se há algum tipo de impedimento”.

O desenvolvimento almejado

Para além da questão normativa e legal, outra questão que deve ser central no debate é o tipo de desenvolvimento almejado para o país. E o licenciamento ambiental pode expor esses modelos distintos, por isso alterá-lo é tão complexo. “É certo que a desburocratização, sem prejuízos ao meio ambiente e a sociedade, é fundamental para o avanço sustentável do país”, pondera Vinícius Marchese Marinelli, do CREA-SP.

Na visão do professor de direito ambiental Rogério Rocco, há dois modelos distintos que se sobressaem nessa discussão. O primeiro é de uma economia meramente extrativista, com grandes projetos como hidrelétricas e usinas nucleares, ampliação da produção bovina e aposta em monocultura na agricultura. O outro modelo é o que alia desenvolvimento e tecnologia, para aproveitar a diversidade biológica brasileira para a inovação em alimentos, cosméticos e medicamentos.

“O Brasil tem capacidade muito grande em desenvolvimento de tecnologias que podem melhorar a qualidade de vida da sociedade no mundo, mas acontece que a gente acaba privilegiando modelos de desenvolvimento que comprometem essa capacidade, porque são agressivos a essa diversidade”, analisa.

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