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Maduro e Lula - Brasil - Venezuela
Lula e Maduro durante visita do ditador venezuelano ao Brasil em 2023| Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a tentar dar legitimidade à Venezuela afirmando que há uma oposição legítima ao ditador Nicolás Maduro. Mas Lula manteve o silêncio sobre as ameaças de Maduro contra a Guiana. O venezuelano tem criado tensões com o país vizinho ao ameaçar anexar o Essequibo, região equivalente a 70% do território guianense, à Venezuela.

Para especialistas, o silêncio de Lula sobre a situação na fronteira e seu apoio ao pleito podem dar fôlego a Maduro na disputa eleitoral do país. "De maneira geral, a postura do Brasil tem sido muito branda desde o início da crise do Essequibo", avalia o professor Elton Gomes, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Piauí (UFPI).

Durante um encontro com jornalistas no Palácio do Planalto na terça-feira (23), Lula comentou achar "extraordinário" que a oposição venezuelana tenha se unido para indicar um nome para concorrer às eleições contra Maduro. Após dois nomes serem barrados de forma arbitrária por Maduro para a disputa, o ex-diplomata Edmundo Gonzales foi o escolhido pelos principais partidos da oposição para disputar o pleito presidencial da Venezuela no dia 28 de julho. Ele não tem porém a legitimidade alegada por Lula devido às perseguições políticas no país e a falta de legitimidade no processo eleitoral.

"A questão da Venezuela, está acontecendo uma coisa extraordinária: a oposição toda se reuniu, está lançando candidato único. Vai ter eleições. Acho que vai ter acompanhamento internacional sobre as eleições, há interesse de muita gente em acompanhar. E, se o Brasil for convidado, participará do acompanhamento das eleições", disse o presidente.

Nicolás Maduro tem sido acusado de manipular as eleições na Venezuela com a intenção de favorecer sua candidatura. No poder há mais de 13 anos, o regime venezuelano impediu opositores de concorrer ao pleito e tornou o principal nome da oposição, María Corina Machado, inelegível por 15 anos.

Silêncio de Lula sobre Essequibo pode ser visto por Maduro como aceno

O presidente Lula e Nicolás Maduro possuem uma relação de proximidade e o mandatário brasileiro chegou a atuar para reintegrar o ditador venezuelano às mesas dos fóruns internacionais. Com o silêncio do petista sobre as recentes polêmicas envolvendo Maduro na Venezuela, especialistas avaliam que tal estratégia pode dar fôlego ao ditador na disputa eleitoral.

Recentemente, o ditador venezuelano promulgou uma lei para anexar à Venezuela o território de Essequibo, que pertence de fato à Guiana. O regime de Maduro chegou a produzir um novo mapa da Venezuela com parte do território guianense já anexado ao país mas não cumpriu ameaças de tomar o território à força. A região é rica em petróleo e minério, a exploração desses é apontada como a razão para o boom econômico da Guiana nos últimos anos.

"O Brasil se absteve de agir de modo mais incisivo e fazer valer o seu papel hegemônico regional, não se sabe se por simpatia ideológica ao regime bolivariano ou por considerar que essa ameaça por parte de Caracas se constitui essencialmente em um blefe", pontua o cientista político Elton Gomes.

Sem uma crítica mais incisiva do Brasil sobre as ameaças de Maduro, o venezuelano pode encontrar respaldo para inflar seu discurso contra a oposição no país. Em nome da aproximação entre petistas e venezuelanos, Lula saiu em defesa de Maduro em diversas oportunidades.

Em 2023, chegou a dizer que a ditadura de Caracas não passava de uma "narrativa" ao receber Maduro no Brasil. Mais recentemente, minimizou a inabilitação da principal opositora de Maduro, a candidata María Corina Machado, e pediu "presunção de inocência" ao ditador.

Tais declarações foram bem vistas no regime venezuelano e agradecidas por aliados de Nicolás Maduro. Mas o posicionamento gerou muitos protestos da oposição no Brasil.

Após a repercussão negativa, Lula e a diplomacia brasileira mudaram o tom sobre Maduro. Em nota, o Itamaraty afirmou estar "acompanhando com preocupação" o processo eleitoral na Venezuela. O posicionamento desagradou o regime venezuelano.

Em seu perfil no X, antigo Twitter, Maduro escreveu que "a nota da chancelaria brasileira parecia ter sido escrita pelos Estados Unidos" e teceu críticas ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil. . No mesmo documento, reforçando um posicionamento antigo da diplomacia em governos petistas, a pasta reiterou a condenação às sanções dos EUA impostas a Caracas.

Em suas redes sociais, Maduro creditou a Lula a condenação feita aos embargos — ainda que o documento tenha sido feito pelo Itamaraty. Nesse mesmo sentido, os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo avaliam que o ditador pode utilizar o silêncio de Lula e seu apoio para o pleito para tentar legitimar um processo eleitoral pouco transparente e possivelmente manipulado.

O analista de relações internacionais Cezar Roedel vai além e afirma que o governo brasileiro parece "estar preocupado que uma condenação pública possa desfavorecer o companheiro Maduro eleitoralmente". Mas diz que o silêncio pode prejudicar o próprio petista.

"O não posicionamento acaba tendo efeito contrário, sendo relativamente uma ingerência no processo eleitoral venezuelano, já que sabemos não se tratar de neutralidade diplomática e sim de camaradagem entre pares do Foro de São Paulo", critica o analista se referindo à organização que reúne lideranças de esquerda na América Latina.

Tensão com Essequibo é utilizada como manobra eleitoral por Maduro

A estratégia de resgatar a discussão sobre Essequibo — território que pertence à Guiana mads é disputado há décadas pela Venezuela — é uma forma de Maduro tentar expandir sua popularidade entre os venezuelanos, já que o tema possui grande apelo entre a população do país.

"Me parece que o governo brasileiro não se manifestou incisivamente porque não acredita que o vizinho venezuelano leve a sério suas intenções. Parece acreditar que seja um elemento de retórica [eleitoral para Maduro]. Entretanto, há possibilidade disso acontecer [uma invasão à Guiana] e se o Brasil não se posicionar firmemente, corre o risco de ver a crise ser resolvida pela intervenção de potências estrangeiras, o que seria muito ruim para o Brasil que é o principal país sul-americano", pontua Gomes.

O professor afirma ainda que além de mirar as eleições presidenciais, Maduro pode estar se utilizando da tensão com a Guiana para tentar se impor diante da comunidade internacional. "Seria como [Maduro] dizer: ou vocês reconhecem o processo eleitoral aqui na Venezuela ou eu vou tomar medidas extremas e vou desfechar uma campanha militar para anexar a região rica em petróleo do país vizinho", avalia.

O venezuelano tem sido cobrado por eleições transparentes e democráticas em seu país. Recentemente, Maduro viu as sanções comerciais dos Estados Unidos voltarem a ser impostas à Venezuela, após um breve alívio causado pelo Acordo de Barbados. No contexto do acordo, Washington concordou em aliviar os embargos com a condição de Caracas fazer eleições presidenciais democráticas. Desde que María Corina foi considerada inabilitada, Washington voltou a proibir empresas norte-americanas de fazer negócios com a Venezuela.

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