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De casa, Lula conversa pela internet com o ex-ministro Alexandre Padilha: ex-presidente não assumiu o protagonismo na oposição ao governo Bolsonaro.
De casa, Lula conversa pela internet com o ex-ministro Alexandre Padilha: ex-presidente não assumiu o protagonismo na oposição ao governo Bolsonaro.| Foto: Ricardo Stuckert/Twitter

Quando o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva deixou a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, em 8 de novembro do ano passado, lideranças partidárias avaliavam que, fora da prisão, ele poderia ajudar a organizar a oposição contra o presidente Jair Bolsonaro. Seis meses depois, porém, o petista não encontrou o protagonismo político que tinha no passado, mantém pouca interlocução com outros setores da oposição e praticamente não tem diálogo com segmentos da sociedade fora da esquerda.

Acostumado a tomar algumas das principais decisões do partido, Lula foi confrontado recentemente em uma escolha do PT em Pernambuco e não atuou para resolver impasse em torno da candidatura para a prefeitura de São Paulo. “Foi paradoxal. O PT conquistou o que mais almejava, mas a libertação de Lula não despertou qualquer nova energia no partido. Para quem esperava um Lula capaz de articular-se com outras forças políticas, ampliando sua interlocução com a centro-esquerda e até com o centro, foi uma decepção. Ele não conseguiu — ou não quis”, avalia o cientista político Carlos Melo, do Insper. “Lula preso tensionava muito mais com a política do Brasil do que, agora, livre”, disse.

De novembro para cá, Lula não se reuniu nem com antigos aliados, como os presidentes do PDT, Carlos Lupi, e do PSB, Carlos Siqueira. O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), chegou a publicar um texto no qual acusava Lula de dar uma canelada na sigla aliada. O ex-presidente José Sarney (MDB) e outros antigos parceiros políticos já reclamaram a interlocutores do que chamam de isolamento de Lula. Presidentes de centrais sindicais que não são ligadas ao PT também divulgaram texto reclamando da postura estreita do ex-presidente.

"Ele está bastante recluso, contido, acho até que por orientação dos advogados. Não está aquele Lula de antigamente. Acho que está tentando salvar a biografia e o principal instrumento que ele tem, que é o PT. Ao mesmo tempo que faz isso, se isola ", disse Lupi, que foi ministro do Trabalho.

Para Siqueira, os sinais de que Lula teria uma atuação menos ampla foram dados logo em seu primeiro discurso após deixar a prisão, quando defendeu que o PT lance candidatos próprios em todas as grandes cidades brasileiras este ano. "Podia ter sido um discurso de unidade da esquerda mas foi um exclusivista, pensando no PT, como se estivéssemos vivendo a normalidade democrática", disse ele.

Exceções nas agendas de Lula são encontros com Guilherme Boulos (PSOL), líderes de movimentos sociais e acadêmicos para debater questões como economia e saúde.

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, afirmou que começou a articular encontros de Lula com os presidentes das outras siglas antes da pandemia e deve retomar as conversas depois da quarentena.

O ex-presidente passou um ano e meio preso, após ser condenado em segunda instância a 12 anos e um mês de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. O processo já chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu a pena a 8 anos e 10 meses. A análise de um recurso, marcada para a última terça-feira (5), foi adiada pela Corte. Na quarta-feira passada (6), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) manteve a condenação do petista a 17 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro na investigação do sítio de Atibaia.

Lula depende mais do PT do que o partido dele

Nos últimos seis meses, o ex-presidente se dedicou a resolver questões familiares e ao relacionamento com a socióloga Rosângela da Silva, a Janja. Os dois alugaram uma casa onde vivem juntos em São Paulo. No final de ano, o casal viajou em férias.

Também têm tomado tempo de Lula as disputas internas do PT. No início do ano, ele participou de uma reunião para arbitrar a disputa entre quem defende o apoio a João Campos (PSB-PE) e à deputada Marília Arraes (PT-PE) na candidatura à prefeitura do Recife.

Segundo relatos, Lula tentou impor o nome de Marília, mas foi confrontado pelo senador Humberto Costa (PT-PE), que defende a aliança com o PSB. A postura de Costa era inimaginável no PT dois anos atrás.

Além disso, o ex-presidente evitou tomar lado na disputa interna da corrente interna CNB pela tesouraria do partido, que durou meses, e também não tem se esforçado para evitar a virtual indicação de Jilmar Tatto como candidato a prefeito de São Paulo, embora já tenha dito mais de uma vez que o PT vai ser “esmagado” entre as duas candidaturas de esquerda (Boulos e Luiza Erundina pelo Psol e Márcio França pelo PSB) caso Tatto seja o candidato.

Para lideranças petistas, são sinais de que Lula hoje depende mais do PT do que o partido depende dele, ao contrário do que ocorreu nos últimos 40 anos.

Protagonismo no exterior e na internet

Na tentativa de ganhar protagonismo, Lula tem intensificado as transmissões ao vivo pela internet e entrevistas a rádios e jornais regionais e veículos do exterior. Segundo o ex-ministro Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo, o ex-presidente relutou muito em aceitar as novas tecnologias de videoconferências e reuniões online. “Ele resistiu, mas agora está vendo que é imprescindível”, disse o ex-ministro.

Petistas avaliam que Lula tem fora do Brasil o protagonismo que ainda não conseguiu alcançar na política nacional. Em fevereiro, ele viajou para o Vaticano, onde se encontrou com o papa Francisco. No mês seguinte, recebeu o título de cidadão parisiense na França. Gleisi afirma que não vê a atitude de Lula como isolamento, mas, sim, um novo posicionamento político, dadas as circunstâncias do momento.

Com relação às próximas eleições, auxiliares dizem Lula não descarta novas alianças para fora da esquerda, mas não está disposto e não vê condições para repetir a ampla conciliação com empresários e partidos políticos que o ajudou a se eleger em 2002. Os termos seriam outros.

Um dos motivos é a adesão de grande parte da elite ao bolsonarismo. “Acho muito importante reestabelecer este debate, mas uma parte do empresariado aderiu ao bolsonarismo, fez campanha para o Bolsonaro”, disse Mercadante.

Embora diga sempre que uma possível candidatura não é o centro de suas preocupações, amigos apostam que Lula pensa em voltar à Presidência da República. Mas para isso precisa, antes, recuperar seus direitos políticos. O ex-presidente foi enquadrado na lei da Ficha Limpa ao ser condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio em Atibaia.

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