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Ocupação de Imóvel Público
Ocupações e invasões de imóveis públicos federais poderão ser desocupadas pela Polícia Federal sem pedido de reintegração de posse.| Foto: Gazeta do Povo

Por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), o governo Jair Bolsonaro (PSL) orientou os órgãos federais a fazer - sem acionar a Justiça - reintegração de posse de imóveis públicos que estejam ocupados ou invadidos por manifestantes.

Antes, os responsáveis pelos prédios pediam à AGU para ajuizar uma ação de reintegração de posse - o que, para o governo, causava demora e interrupção dos serviços nos órgãos ocupados. Agora, segundo a AGU, os gestores deverão chamar diretamente a Polícia Federal para, com o auxílio das polícias estaduais, retirar os manifestantes.

A nova norma tem como base um parecer da Consultoria-Geral da União (um setor dentro da AGU) que foi elaborado no final de 2017, no governo de Michel Temer (MDB), e desengavetado pelo ministro André Mendonça em fevereiro deste ano. A orientação foi elencada pela AGU como uma das principais ações da pasta no início deste governo.

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Iniciativa semelhante foi tomada em 2016 pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, em meio a uma onda de ocupações de escolas estaduais por estudantes.

Na esfera federal, a orientação deve se aplicar, por exemplo, às universidades federais, caso venham a registrar protestos após os cortes de verbas anunciados nesta semana, ou a unidades do Incra e da Funai, palcos comuns de manifestações de sem-terra e de indígenas, respectivamente.

No caso de São Paulo, a orientação para os órgãos estaduais partiu da Procuradoria-Geral do Estado, que atendeu a uma consulta do então secretário da Segurança Pública, Alexandre de Moraes -atualmente ministro do Supremo Tribunal Federal.

A norma paulista foi questionada no STF, e a ação não teve uma análise dos ministros da corte. O relator é o próprio Moraes, que travou o processo.

Entendimento da AGU

Conforme o novo entendimento da AGU, a administração pública federal tem o direito e o dever de atuar para proteger o patrimônio e a continuidade dos serviços.

O parecer invoca o artigo 37 da Constituição, que estabelece que a administração deve obedecer ao princípio da eficiência. Segundo o órgão, para um serviço ser eficiente, ele não pode ser descontinuado.

O parecer cita um decreto-lei de 1946 (nº 9.760) que diz que "o chefe de repartição que tenha a seu cargo próprio [imóvel] nacional não poderá permitir, sob pena de responsabilidade, sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenha sido prescrito".

Para a AGU, o dispositivo é claro em "imputar responsabilidade ao gestor que permitir, por ação ou omissão, que o prédio público seja invadido". O parecer, no entanto, não fala em sanções para o gestor que não cumprir a orientação.

Advogados consultados pela reportagem entendem que a orientação do governo federal faz uma interpretação tecnicamente possível da legislação. Mas, na avaliação de Walter Moura, especialista em direito administrativo, a orientação precisa ser analisada caso a caso pelos gestores dos órgãos federais.

"Isso tem que ser usado pelo administrador público com o devido tempero, porque as ocupações pacíficas, de cunho político, são também protegidas constitucionalmente. Quando há lesão ao patrimônio, lesão à continuidade da atividade [do órgão ocupado], realmente tem que usar a força, isso é admitido em lei. Agora, se for uma ocupação pacífica, inteligente, que não atrapalha, pode ser que haja uma atuação abusiva", pondera.

O parecer da AGU tenta se resguardar de contestações. "Nem se argumente que o poder público estaria a ferir o direito de expressão ou mesmo de manifestação dos invasores, numa atuação aparentemente fora dos princípios democráticos e republicanos", afirma o texto.

"Na verdade, tais direitos permanecem assegurados mediante a utilização [pelos manifestantes] de outros meios que não prejudiquem a prestação dos serviços públicos", continua o parecer.

A advogada constitucionalista Vera Chemim afirma que as reintegrações devem ser feitas sem uso de violência e considera que o mais comum e apropriado seja pela via judicial.

De acordo com o parecer da AGU, a responsabilidade pelo comedimento e pela moderação no emprego da força nesses casos é da polícia que tiver sido acionada.

Procurada para informar quais equipes estão aptas a atuar em reintegrações de posse e se já as executa sem mandados judiciais, a Polícia Federal respondeu que "informações sobre quantitativo e movimentação de policiais são de caráter reservado".

"A Polícia Federal não comenta atos normativos, principalmente de outros órgãos. Sobre a situação hipotética, a PF atua como mero executor da ação e não tem estatísticas sobre esse tipo de atividade", afirmou, em nota.

"Promessa" de campanha

Bolsonaro adotou discurso radical na campanha contra movimentos que invadem áreas públicas e privadas.

O então candidato chamou de "bandidos" representantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e disse que as ações desses grupos seriam tipificadas em seu governo como terrorismo.

Nesta semana, ao participar da Agrishow (feira agrícola) em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro disse que enviará à Câmara dos Deputados projeto para isentar de punição proprietários rurais que atirarem em invasores de suas áreas.

"É a forma que nós temos que proceder. Para que o outro lado, que desrespeita a lei, tema vocês, tema o cidadão de bem, e não o contrário", afirmou à plateia de ruralistas.

O salvo-conduto prometido por Bolsonaro, porém, esbarra na Constituição, segundo especialistas ouvidos pela reportagem, para quem a medida poderia ser derrubada no Supremo Tribunal Federal.

O ministro da Justiça, Sergio Moro, disse nesta quarta-feira (1º) que a promessa de um salvo-conduto ainda é uma discussão "prematura".

"Antes de ter no papel exatamente o que vai se propor, quais são os limites do que vai se propor e tal, é muito prematura essa discussão", afirmou em entrevista à rádio Jovem Pan. "Eu, sinceramente, não me sinto confortável em discutir esses assuntos. São questões que eu ainda tenho que falar com o presidente, ouvi-lo, discutirmos e colocar algo sólido no papel", completou.

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