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A imunologista Nise Yamaguchi faz parte do gabinete de crise montado pelo governo Jair Bolsonaro para o combate ao coronavírus. Boa parte de suas visões refletem as opiniões sobre a Covid-19 que o presidente tem reiterado nas últimas entrevistas. A principal delas é a defesa da cloroquina, remédio que virou tema de embate político entre defensores e opositores do presidente.

Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Nise afirma que é favorável ao uso da hidroxicloroquina (derivado menos tóxico da cloroquina) já nos primeiros dias de sintomas do coronavírus. Para ela, a efetividade do medicamento é menor quanto mais a doença evolui.

A médica também defende o isolamento vertical, apenas de pessoas em grupos de maior risco, como idosos e indivíduos com doenças crônicas. Confira a entrevista na íntegra em vídeo e texto.

Avaliação dos estudos

"Quando surgiram os primeiros trabalhos mostrando que a hidroxicloroquina funcionava juntamente com a Azitromicina no início da doença, nos pacientes que eram os mais leves foram tratados naquele primeiro estudo, na França, eu fiquei muito intrigada.

Eu fui estudar e avaliei que realmente tinha uma ação antiviral dentro da célula onde o vírus se colocava, e que ele utilizava a célula para se proliferar, porque ele, para se proliferar, para se replicar, ele precisa da máquina da célula. Sozinho, ele não consegue fazer a replicação. Então, nesse momento, além dessas duas medicações, o zinco era uma substância que adicionava um efeito benéfico à hidroxicloroquina.

Eu fiquei bastante interessada e comecei a acompanhar o que estava acontecendo no mundo. Vi que, na Itália, já estavam usando precocemente, até porque o número de pacientes era muito grande. Os médicos é que estavam utilizando para si mesmos. Logo que tinham os sintomas da doença já começavam a tomar. Isso também foi corroborado depois por vários outros estudos observacionais.

O estudo observacional é aquele em que ele dá o medicamento e observa como é que o paciente vai. Eventualmente, se clinicamente está melhor, se combate a viremia rapidamente. Em um estudo controlado, que a gente chama randomizado, metade toma placebo e metade toma a medicação, você tem que balancear os dois grupos."

Em pandemia, não se pode aguardar conclusão dos estudos

"Agora acabou de sair um artigo preliminar da Fiocruz dizendo que tinha, para quem usava a hidroxicloroquina, a mesma mortalidade que tinha historicamente nos pacientes. Mas não dá para saber se isso é uma verdade ou não se você não colocar as comparações, a forma de avaliação, de uma forma parecida. Então, os estudos dessa maneira que a gente está falando, que é como a gente aprova medicações ou novas indicações, eles seguem rituais científicos reconhecidos mundialmente.

Ocorre que, no meio de uma pandemia, você não consegue ter tempo para fazer esses estudos, para eles ficarem maduros, para você poder utilizar. Acho que aí é que foi a grande divergência sobre o tema, em que o meu papel foi tentar esclarecer a todos os lados que estávamos falando a mesma linguagem. Estávamos conversando sobre a mesma coisa, todos queriam curar os pacientes."

Uso da cloroquina com pacientes em estado grave não é tão efetivo

"O momento em que as coisas estavam sendo usadas, que era quando o paciente ficava mais grave – e aí ele já tinha, por exemplo, numa UTI, em respirador, com o coração já com cardiopatia pelo próprio vírus, mais hepatopatia, mais problemas renais pela própria infecção –, é um momento bastante delicado. Nessa hora, praticamente, você não tem uma capacidade de combater o vírus, os efeitos que a medicação eventualmente poderia causar se somados aos efeitos que o vírus está causando no próprio corpo.

Aí tem a turma que começou a fazer pesquisa nos moderados, nos pacientes que se internam no hospital, que já estão com inflamação no pulmão… Porque uma pequena tosse já pode apresentar uma inflamação no pulmão significativa. E, nesse sentido, a gente teve uma evolução muito melhor dos pacientes. Muitos pacientes que começaram a tomar essa combinação não precisaram mais ir para a UTI e nem ir para o tubo.

Com isso, também, o Ministério da Saúde, que estava precisando fazer as portarias, ele fez as portarias, inicialmente, para os moderados e graves, para regulamentar a utilização no Brasil. A Anvisa já, rapidamente, tomou o cuidado de pedir que fossem receitas carbonadas, assinadas pelo médico, com o endereço do paciente, com CRM do médico. Por quê? Porque não poderia haver automedicação, apesar dos efeitos colaterais serem muito pequenos.

A maioria dos pacientes que já estão hígidos, que não têm doenças prévias, passa muito bem. Então, são somente cinco dias das duas medicações, tanto da Azitromicina, que é um antibiótico que todo mundo usa para infecções nasais, infecções pulmonares e de garganta, e com a hidroxicloroquina. O zinco ajuda a ação da hidroxicloroquina, e a hidroxicloroquina é usada como antimalárico por meses.

Eu conversei com vários médicos diretores do Conselho Federal de Medicina, lá do Norte, e eles têm uma experiência grande com cloroquina – até eu tento trazer sempre o estudo para a hidroxicloroquina, que é um pouco menos tóxica. Mas as pessoas têm experiência grande com hidroxicloroquina e Azitromicina e estão indo bem. Os pacientes não estão mais precisando internar nas UTIs com a frequência com que internavam.

Eu acho que isso também ajudou na flexibilização do início do tratamento. A gente agora também tem que conseguir que haja uma produção e distribuição, uma logística da medicação."

População deve procurar médico já nos primeiros sintomas

"Eu tenho também trabalhado em explicar direitinho quais são os sintomas que precisa ter para procurar o médico. Porque, veja, a nossa população vulnerável, todo o mundo que está em casa, fica com medo de ir até o pronto-socorro porque, eventualmente, se não está com o coronavírus, pode pegar. Todo o mundo fica com medo de fazer tomografia, medo de fazer exames etc. Mas, nos primeiros sintomas – coriza, dor de garganta, tosse –, é importante procurar um médico, porque o médico vai poder prescrever a medicação. Você tem tempo de conseguir a medicação, porque demora às vezes para você conseguir os remédios, e você já pode começar a tomar numa fase em que ainda está na replicação viral e não no quadro inflamatório pulmonar.

Isso é muito importante porque, na hora que entra na inflamação, o pulmão começa a exsudar líquido, tecido, substâncias, células, e essas células começam a comer hemácias, aí fica um processo inflamatório que é uma cascata que você já não reverte, mesmo tirando o vírus que iniciou esse processo. Então eu acho que as duas coisas são importantes no processo.

Mais do que isso, salientar a importância do isolamento total para pacientes de risco. Os pacientes de risco realmente não podem ter contato com pessoas que possam contaminá-los. Principalmente os idosos não podem ter contato com crianças e jovens, que são os que têm maior capacidade de transmissão, apesar de que a maioria deles não vai ter a doença como ela se caracteriza geralmente. A maioria vai passar bem.

O difícil, quando você está com uma doença, é saber se você é aquele que vai evoluir bem, se você é aquele que pode ficar tranquilo que você vai esperar um pouquinho e aí, mais tarde, é que você vai precisar de alguma coisa. Nós não sabemos. Às vezes, o quadro pode evoluir muito rápido da noite para o dia, e a pessoa passa a precisar de alguma assistência respiratória e isso passa a ser muito grave."

Uso precoce da cloroquina é o ideal

"Eu sou favorável, sim, ao uso precoce, mas o precoce talvez para o quadro já instalado, aquele quadro mais com coriza, com tosse. Muitos pacientes que só foram com tosse ao pronto-socorro já têm alterações inflamatórias pulmonares características. Nós procuramos já tratar hoje todos os que vêm com sintomas, para que a gente possa protegê-los do que poderia acontecer. Como nós não sabemos quem vai ficar mal, nós já devemos proteger as pessoas que estão com sintomas que são considerados moderados.

Moderado e leve é muito discutível. Você está com uma doença que potencialmente é letal… O que é moderado, o que é leve? Qual o tempo que você tem para procurar? Então, como ficou muito difícil essa interpretação, o Conselho Federal de Medicina também está buscando regulamentar junto às sociedades médicas. E eu estou aqui, também, tentando harmonizar todas as linguagens."

Discussão não deve ser politizada

"Eu acho que não há mérito algum em a gente discutir politicamente o que é e o que não é, é o remédio de quem… Eu acho que a gente está falando de um remédio que pode curar vidas. Eu sou uma pessoa que está acima da política. Eu não tenho nenhum viés partidário. Eu cuido de todos os pacientes, de todas as bandeiras, de todos os governos. Eu tenho pacientes na área de câncer. Então, eu sou extremamente cuidadosa com a minha trajetória, com a minha carreira, mas eu estou a serviço de um bem-estar para a população. Eu quero que saibam que existe cura, sim, principalmente quando é precoce o tratamento."

Outros cuidados não devem ser deixados de lado

"E o melhor, também, é que o seu próprio sistema imunológico combata. Mantenha 2 metros de distância de todas as pessoas. A utilização de máscara deve ser extremamente estimulada. Nós precisamos que todos saiam com máscara, porque você não sabe quando você está contaminando. Isso não vai te proteger de ser contaminado. Você não deve baixar a guarda porque você está com máscara, até porque, se ela também ficar molhada, se ela ficar usada, ela não vai ter nenhuma função. A máscara protege a outra pessoa de receber a saliva sua, isso melhora bastante. Eu acho que as máscaras ajudaram populações enormes, como Hong Kong, por exemplo, que tem um dos menores índices do mundo.

O distanciamento social, a educação do povo, não usar sapatos da rua em casa, limpar os sapatos, deixando um sapato para fora e um sapato para dentro, limpar bem as coisas, não dividir pratos, talheres, copos com pessoas, tomar os cuidados para não contaminarmos uns aos outros, e testes. É importante nós fazermos testes em massa, testes para sabermos quem está com vírus, quem está contaminando e não sabe. Essas pessoas devem se manter isoladas, assim como os contatantes. Pessoas que tenham tido contato com o vírus e tenham, já, imunidade elas podem ter imunoglobulina G maior que imunoglobulina M, que é de uma inflamação aguda, e elas já podem estar protegidas. É muito importante, é proteção.

É 100%? Nada é 100%. Assim como sintomas colaterais, a maioria dos pacientes não vai ter sintoma colateral. Para aqueles que podem ter sintomas é que as bulas de todos os remédios são tão detalhadas, porque você não pode ter um sintoma que não esteja lá. Mas a maioria das pessoas com doses de 5 dias não vai ter os efeitos colaterais que têm sido tão propalados, até para dar medo às pessoas de tomarem o remédio que pode curar vidas."

Politizar cloroquina pode criar medo na população

"A gente não deve politizar uma situação, criar um medo infundado na população de um remédio – de uma combinação de remédios, porque sozinho ele não faz todo o efeito, tem que ser com Azitromicina e com zinco. A gente não deve criar um pânico para uma medicação que pode estar salvando vidas. E aí as pessoas vão postergar e tomar exatamente quando já não adianta mais. É esse o ponto que eu tenho trabalhado também junto aos meus pares, para que a gente possa trazer o máximo de informação possível. Eu gostaria, então, de conduzir as questões nesse sentido. A gente tem essa oportunidade de estar, realmente, fazendo um esclarecimento à população, esclarecimento junto às autoridade, às fontes de condutas, de diretrizes, que são as sociedades médicas… O objetivo meu é equilibrar todas as informações para que elas sejam úteis à população."

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