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O chanceler Ernesto Araújo falou com a imprensa norte-americana na sexta-feira.
O chanceler Ernesto Araújo falou com a imprensa norte-americana na sexta-feira.| Foto: Mandel Ngan/AFP

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, foi pressionado pela imprensa estrangeira sobre suas posições a respeito de mudanças climáticas e sobre a mensagem que o presidente Jair Bolsonaro levará sobre a Amazônia na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), no próximo dia 24. Uma entrevista coletiva do chanceler brasileiro em Washington teve questionamentos sobre proteção ambiental e sobre a negação da gravidade da mudança climática.

Uma jornalista do Los Angeles Times, questionou por que o ministro falava em "medidas de desenvolvimento da Amazônia" e não de "proteção" da floresta. Durante a entrevista a repórteres brasileiros e estrangeiros, no National Press Club, Araújo afirmou que o Brasil quer discutir "formas de impulsionar o desenvolvimento sustentável na Amazônia com participação de estrangeiros e instituições internacionais". Este, segundo ele, é o mote de suas reuniões em Washington com as presidências do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Na sequência, a jornalista perguntou sobre o fato de o chanceler brasileiro negar que as mudanças climáticas sejam um problema grave. O chanceler afirmou que o "melhor jeito de defender a floresta amazônica é o desenvolvimento da região" e voltou a dizer que existe "uso ideológico" da mudança climática, e que o Brasil foi vítima desse tipo de "histeria" no debate sobre as queimadas. "Toda a conversa sobre questionar a soberania brasileira sobre a Amazônia vem desse tipo de histeria, na qual você supõe que há uma enorme crise climática (...) então talvez isso possa nos levar a intervir externamente na Amazônia, por exemplo. Vemos muito como isso funciona. Tiram as coisas de proporção e algumas pessoas ao redor do mundo defendem medidas que só podem ser contempladas em um estado de emergência", disse Araújo.

Ao perguntar que tipo de medidas seriam essas, o chanceler respondeu: "Como intervir na soberania de um país, por exemplo". A repórter pediu exemplos, e Araújo exemplificou: "Bem, limitando a soberania sobre seu território, que tem sido sugerido por alguns líderes no mundo", e afirmou que "teve um artigo na [revista] Foreign Policy advogando por isso", finalizou. De fato, o artigo citado pelo chanceler existe, e foi publicado pela revista citada. No entanto, o texto "Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?" não foi escrito por um líder mundial, mas por Stephen Walt, professor americano da Universidade Harvard e que alegou não ter sido responsável pelo título do artigo, que foi posteriormente alterado – já a URL (o "endereço" do artigo na internet) permanece a mesma. Mas pelo menos um líder mundial, o presidente francês Emmanuel Macron, chegou a dizer, no fim de agosto, que a definição de um "status internacional para a Amazônia" é um tema que "permanece em aberto e continuará a prosperar nos próximos meses e anos".

Durante a semana, Ishaan Tharoor, do jornal americano The Washington Post, havia criticado Araújo nas redes sociais após assistir a uma apresentação do ministro na capital americana na qual o brasileiro atacava o "climatismo". Na entrevista desta sexta, o jornalista perguntou se o Brasil levaria o mesmo discurso à ONU. Araújo afirmou que o Brasil quer enfatizar qual é a "real situação da Amazônia", repetindo que as queimadas estão na média e que o fato de o tema chamar atenção é motivado pela "ideologia" do governo Bolsonaro. "Governos de esquerda faziam qualquer coisa. Governos como o nosso atraem esse tipo de atenção negativa", respondeu o ministro. "É o tipo de coisa que desejamos expor", disse.

Modelo de cooperação por meio de ONGs não é eficiente, diz ministro

Ao falar sobre cooperação internacional para Amazônia, o ministro afirmou que "modelos hoje de cooperação através de ONGs" não são eficientes e enalteceu a parceria com os americanos. "Nos EUA, nos parece que é algo mais próximo daquilo que concebemos como estilo mais eficiente de cooperação, que no caso é um fundo de investimentos para projetos a partir da biodiversidade, que criem iniciativas de desenvolvimento sustentável", disse ele.

Quando Araújo foi questionado sobre novidades na parceria com os EUA – o ministro está em Washington desde quarta-feira, dia 11, em reuniões com o governo americano –, o chanceler respondeu que os americanos ofereceram um time de especialistas e um avião especializado. Segundo o ministro, os peritos e o avião teriam chegado na sexta-feira, dia 13. O Ministério da Defesa, no entanto, informou em seu portal de notícias que os peritos chegaram no dia anterior, sem mencionar aeronaves.

"Governos de esquerda faziam qualquer coisa. Governos como o nosso atraem esse tipo de atenção negativa."

Ernesto Araújo, ministro das Relações Exteriores

O ministro disse, na entrevista, não saber quanto tempo e onde ficarão baseados os especialistas americanos. "Eu acho que [trabalharão] sobre a origem do incêndio, porque uma das principais questões é que não identificamos onde estamos lidando com ocorrências naturais e onde lidamos com ocorrências criminosas ou atividade humana, não necessariamente criminosa", disse.

Araújo também não detalhou o que será o fundo privado para a Amazônia. O "fundo de investimento de impacto", no valor de US$ 100 milhões, liderado pelo setor privado, já havia sigo negociado na visita de Bolsonaro ao presidente Donald Trump em março, e foi novamente anunciado pelo secretário de Estado, Mike Pompeo, nesta sexta. Um auxiliar do ministro afirmou que a montagem ainda está em estudo.

Viagem foi a sexta de Araújo para os Estados Unidos

Em pouco mais de nove meses de governo, Araújo esteve seis vezes nos Estados Unidos, sendo cinco na capital americana. Nesta sexta-feira, o chanceler teve sua quarta reunião com o secretário de Estado americano, Mike Pompeo, para o que os dois países chamam de "Diálogo de Parceria Estratégica". Os dois tiveram 30 minutos de encontro privado e depois fizeram um pronunciamento à imprensa, que repetiu a base do comunicado conjunto assinado pelos presidentes Trump e Bolsonaro em março.

Desde a ocasião, o governo brasileiro vem trabalhando para destravar relações comerciais com os americanos e mostrar o alinhamento com Trump. A boa vontade do Brasil se traduziu em interlocução frequente com a alta cúpula do governo americano, mas ainda não houve anúncio de medidas concretas.

"A mudança em nosso relacionamento é muito maior que qualquer reunião ou conjunto de reuniões. Entramos em uma nova era profunda e importante nos laços EUA-Brasil."

Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano

A retomada do "Diálogo de Parceria Estratégica" entre os dois países, paralisado nos últimos sete anos, foi previsto na visita presidencial e serve para rever a agenda bilateral estabelecida pelos dois presidentes – e fazer o balanço do que saiu do papel. Seis meses depois do encontro dos dois líderes, os representantes da diplomacia do Brasil e dos EUA anunciaram, novamente, que os países vivem uma "nova era".

"Quando o presidente Trump e o presidente Bolsonaro se reuniram na Casa Branca em março passado, eles se comprometeram a expandir e fortalecer nossa parceria estratégica. É por isso que hoje estamos realizando nosso primeiro diálogo estratégico em sete anos. Mas a mudança em nosso relacionamento é muito maior que qualquer reunião ou conjunto de reuniões. Entramos em uma nova era profunda e importante nos laços EUA-Brasil", disse Pompeo. "Eu o vi outro dia na Casa Branca", completou o americano.

Há duas semanas, o chanceler acompanhou o filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro, em uma visita relâmpago a Trump. Na ocasião, Araújo disse que a novidade do encontro com Trump era "a reunião em si". Desta vez, Araújo disse que sua frequência nos EUA "mostra claramente" o comprometimento de construir uma aliança forte com os americanos e disse que a reunião de "Diálogo Estratégico" era um "importante avanço".

Relações comerciais estão na pauta de reuniões do chanceler

Araújo também esteve em conversas com Robert Lighthizer, representante para o comércio internacional dos Estados Unidos, e com Wilbur Ross, secretário de Comércio americano. Os dois países têm negociado medidas de facilitação de comércio e investimentos, para lançar um acordo de facilitação de comércio – a ideia é deixar discussão sobre redução de tarifas para o futuro e começar por medidas de desburocratização.

Ainda há nós não desatados na relação comercial entre os dois países, como a reabertura do mercado americano para a carne bovina in natura brasileira. Depois da visita presidencial, os EUA concordaram em fazer uma inspeção no Brasil com intuito de abrir novamente o mercado para a importação de carne do país. Até agora, no entanto, as autoridades americanas não divulgaram o relatório da inspeção – que permitiria avançar no tema. No início do mês, o Brasil atendeu um pleito dos americanos para reavaliar a cota de importação de etanol imposta pelo Brasil. O movimento foi avaliado no Departamento de Estado dos EUA e na comunidade empresarial como um sinal concreto de que o país está disposto a negociar.

No pronunciamento à imprensa feito no Departamento de Estado, Araújo disse que os "amigos dos Estados Unidos sabem que não são verdadeiras" avaliações de que o Brasil "não é capaz de lidar com o problema do desenvolvimento sustentável". Pompeo, por sua vez, não fez menções ao apoio americano ao governo Bolsonaro em meio à crise diplomática gerada após a repercussão internacional das queimadas na Amazônia. A única menção de Pompeo à Amazônia foi a reiteração sobre o fundo de investimento para a região, sem mais detalhes.

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