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O ex-ministro José Dirceu.
O ex-ministro José Dirceu.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Considerado o “pai” do esquema de desvios de recursos públicos que originou a operação Lava Jato, o mensalão dá uma real amostra do que pode se transformar a maior ação anticorrupção no país. Menos de sete anos após o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmar a condenação de 24 dos 38 réus, nenhum deles permanece preso em regime fechado: eles estão em prisão domiciliar ou foram beneficiados por indultos concedidos pelos ex-presidentes Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

Desde março de 2014, quando o STF encerrou oficialmente o julgamento do mensalão, 17 dos 24 condenados tiveram suas penas extintas após serem beneficiados por indultos.

Na lista dos anistiados (ou seja, que tiveram suas penas revogadas por decisão do próprio STF), estão nomes como o do ex-ministro José Dirceu; do ex-deputado e hoje presidente do PTB, Roberto Jefferson; do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, e do ex-deputado João Paulo Cunha.

Mentor e delator do mensalão foram beneficiados

Dirceu foi apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como o mentor do esquema de compra de apoio parlamentar que teria dado sustentação política aos dois mandatos do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante o julgamento do mensalão, os ministros consideraram Dirceu como o “responsável intelectual” das irregularidades. "José Dirceu não só sabia do esquema... como também contribuiu intelectualmente para sua estruturação", disse em 2012 o ministro Gilmar Mendes.

Condenado a 7 anos e 11 meses por corrupção ativa no mensalão, o ex-ministro começou a cumprir pena em regime fechado em 15 de novembro de 2013. Mas progrediu para a prisão domiciliar aproximadamente um ano depois. Dirceu voltaria a ser preso em 2015, mas em função de envolvimento no esquema da Lava-Jato.

Assim como Lula, Dirceu também fora beneficiado com a decisão do Supremo Tribunal Federal de 2019, que vetou a execução de sentenças após prisão em segunda instância. Hoje, mesmo condenado em dois esquemas distintos e alvo de um processo de cassação na Câmara, Dirceu está em casa e com aposentadoria R$ 9,6 mil da época em que ele era deputado federal.

Outro caso simbólico envolve o ex-deputado federal Roberto Jefferson. Delator do mensalão, Jefferson foi condenado a 7 anos de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele ficou em regime fechado durante 1 ano e 3 meses. Depois progrediu para a prisão domiciliar e recebeu o indulto em março de 2016, três anos após ter sido condenado.

Hoje, Jefferson comanda do PTB e recebe em torno de R$ 23 mil ao mês pela função, mais outros R$ 23 como aposentado da Câmara dos Deputados.

Durante o julgamento do mensalão, entre 2012 e 2014, dizia-se nos corredores do STF que de todos os réus, provavelmente o operador do esquema, o banqueiro Marcos Valério, seria aquele que ficaria mais tempo preso. De fato, isso se concretizou. Mas por menos tempo do que se imaginava.

Condenado a 37 anos de prisão, Marcos Valério ficou 6 anos na cadeia

Valério foi condenado a 37 anos de prisão em razão dos crimes de peculato, corrupção ativa e lavagem de dinheiro e começou a cumprir sua pena em novembro de 2013, assim como Dirceu, Delúbio, entre outros condenados. Ficou seis anos em regime fechado.

Em setembro de 2019, o ministro Luís Roberto Barroso autorizou a progressão de regime para o operador do mensalão para o regime semiaberto – ou seja, ele podia trabalhar normalmente, mas tinha que dormir na prisão. Na época, o benefício foi concedido porque Valério cumprira um sexto da pena e teve seus bens bloqueados pela Justiça.

Durante o ano de 2020, porém, Valério recebeu outro benefício: o da prisão domiciliar. Considerado do grupo de risco da Covid-19, a Vara de Execuções Criminais de Ribeirão das Neves (MG) autorizou a prisão domiciliar temporária do mensaleiro por 90 dias. O prazo foi prorrogado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o benefício foi mantido pelo ministro Barroso, apesar de a Procuradoria-Geral da República (PGR) ter se oposto à medida.

Mensalão mostra que o crime compensa?

De forma curiosa, ainda em 2014, o então presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, já dava um indicativo de que no futuro próximo parte das condenações do mensalão seriam sustadas ou revogadas.

Em uma crítica aos chamados “embargos infringentes”, recurso que possibilitou um novo julgamento a 12 dos réus do mensalão, Barbosa declarou: "Temos uma maioria formada sob medida para lançar por terra o trabalho primoroso desta Corte no segundo semestre de 2012. Isso que acabamos de assistir. Inventou-se um recurso regimental totalmente à margem da lei com o objetivo específico de anular a reduzir a nada um trabalho que fora feito. Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que esse é apenas o primeiro passo. É uma maioria de circunstância que tem todo o tempo a seu favor para continuar sua sanha reformadora", afirmou Barbosa ao votar.

Advogados criminalistas são unânimes em afirmar que apesar de uma eventual sensação de impunidade, a progressão de regime é importante para possibilitar ao detento a ressocialização. “Não vejo isso como impunidade. O sistema adotado no Brasil é bastante humano e inteligente. Ele promove o contato familiar, faz com que o preso trabalhe durante a progressão de regime e evita a superlotação dos presídios”, defende Luís Henrique Machado, doutor em direito penal pela Universidade Humboldt, da Alemanha.

“A execução da pena é um sistema progressivo. À medida que o condenado for cumprindo a pena ele tem direito a todos os benefícios, dentre eles a progressão de regime, o saidão de natal, entre outros. Está previsto na lei para que o preso possa paulatinamente se ressocializar. Qual a grande virtude desse sistema? Principalmente nas penas mais alongadas, as pessoas não perdem o vínculo com a família”, diz.

André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, afirma que esse tipo de caso gera uma “falsa sensação de impunidade”. “Se houve condenação e se cumpriu a pena, impossível cogitar impunidade. Fato é que o imaginário popular associa punição ao cumprimento integral da pena em regime fechado, de preferência numa condição atroz, naqueles moldes das antigas masmorras. Esse conceito de vingança desumana, entretanto, não conversa com o Sistema de Justiça Penal de um Estado Democrático de Direito”, destaca o especialista.

Já a jurista Cecilia Mello, que atuou com por 14 anos como juíza federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) pondera que “a efetividade de um sistema penal não está diretamente relacionada com a quantidade de pena restritiva de liberdade imposta pela lei, mas sim com a certeza da punição adequada”.

“Em matéria de crimes financeiros, a demora na punição realmente causa uma sensação de impunidade na sociedade, mesmo se considerarmos que medidas restritivas de natureza patrimonial usualmente são deferidas desde o início das investigações, criando um cerco na vida financeira do acusado. Entretanto, a aplicação célere de uma penalidade ainda é um tema complexo em nosso sistema, pois essa celeridade não pode se desvincular de uma necessidade muito maior, que é de a pena aplicada ser justa e adequada”, pontua.

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