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Maurício Hernandez Norambuena, sequestrador do publicitário Washington Olivetto, quando foi preso, em 2002: chileno é apontado como mentor do número um do PCC, Marcos Willians Camacho, o Marcola.
Maurício Hernandez Norambuena, sequestrador do publicitário Washington Olivetto, quando foi preso, em 2002: chileno é apontado como mentor do número um do PCC, Marcos Willians Camacho, o Marcola.| Foto: Robson Fernandjes/Arquivo Estadão Conteúdo

Extraditado do Brasil há pouco mais de um ano, o chileno Maurício Hernandez Norambuena, sequestrador do publicitário Washington Olivetto, é apontado como mentor do número um da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola. Os dois se conheceram dentro do sistema prisional brasileiro, mostrando a falha do Estado brasileiro em isolar lideranças de facções.

Em “A Guerra – a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”, os autores Bruno Paes Manso e Carolina Nunes Dias argumentam que a estratégia de transferência de lideranças de organizações criminosas para presídios com regime de segurança diferenciado e a presídios federais colaborou para a capilarização das facções criminosas pelo país.

“O SPF [Sistema Penitenciário Federal] funcionou como elo interligando indivíduos, grupos e organizações criminosas de todos os tamanhos e lugares do Brasil”, dizem os autores. Segundo um integrante do PCC entrevistado para o trabalho dos autores, o SPF era o “comitê central do crime no Brasil”.

Foi em uma dessas estratégias de transferir presos para isolá-los que o Estado proporcionou o encontro entre Marcola e Norambuena. O chileno e o brasileiro passaram um ano presos juntos na penitenciária de Presidente Bernardes, em São Paulo, em 2002. Norambuena foi submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), em que o preso fica sozinho na cela 22 horas por dia e tem direito a duas horas de banho de sol. Ele também passou pelos presídios federais de Campo Grande (MS), Porto Velho (RO) e Mossoró (RN).

Mesmo preso em RDD, o chileno conseguiu fazer amizade com Marcola. Norambuena teria influenciado de tal forma o brasileiro que, após a convivência dos dois, o PCC mudou a sua estrutura, que deixou de ser piramidal para se tornar uma organização mais horizontal.

A partir dos ensinamentos e da influência do chileno é que teria sido criada a Sintonia Final do PCC. A história é contada no livro “Laços de sangue: a história secreta do PCC”, do procurador de Justiça Marcio Sérgio Christino.

Sintonia é o nome dado para cada um dos “departamentos” do PCC. A Sintonia Geral Final é a última instância da facção, responsável pelas decisões mais importantes. Além disso, há outros departamentos, como a Sintonia dos Gravatas, que cuida da contratação e pagamento de advogados; Sintonia da Ajuda, responsável pela distribuição de cestas básicas e outros auxílios a integrantes da facção e suas famílias; Sintonia Financeira, o braço financeiro do PCC; Sintonia do Cadastro, que cuida de registros em geral, como dos membros batizados, excluídos e punidos; Sintonia do Progresso, responsável por coordenar o tráfico de drogas; Sintonia da Cebola, que cuida da arrecadação de mensalidades de membros do PCC que estão fora da prisão, entre outras.

Em uma investigação em 2005, o governo de São Paulo descobriu um plano para resgatar Marcola, Norambuena e Fernandinho Beira-Mar da penitenciária de Presidente Bernardes. O plano previa ação com mercenários estrangeiros, dois helicópteros de guerra, lança-mísseis e metralhadoras, a um custo estimado de R$ 100 milhões.

O aeroporto de Presidente Bernardes chegou a ser interditado por ordem da Justiça após a descoberta do plano. "Há enorme preocupação com o aeroporto municipal, pois [fica] muito próximo ao estabelecimento prisional, permitindo logística para atuação de referida organização criminosa", segundo o despacho do juiz.

Apesar de não ter sido batizado pelo PCC, Norambuena ensinou táticas de terrorismo à facção. Segundo investigações da polícia e do Ministério Público, o chileno teria incentivado o PCC a atacar agências bancárias em 2006 para “desestabilizar a ordem financeira”. O chileno teria, ainda, aconselhado que os ataques ocorressem sempre após o fim do expediente para não prejudicar os funcionários e não atrair a antipatia da população.

Norambuena também esteve entre os alvos de mandados de prisão expedidos pela Justiça na operação Caixa Forte 2, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro do PCC.

A operação Caixa Forte, no início de agosto do ano passado, identificou os responsáveis pelo chamado “Setor do Progresso” da facção, que se dedica à lavagem de dinheiro proveniente do tráfico. Já a operação Caixa Forte 2, que mirou Norambuena no final de agosto deste ano, cumpriu 422 mandados de prisão com base nessas investigações.

A PF identificou 210 integrantes do alto escalão do PCC, presos em presídios federais, que recebiam mesadas por terem ocupado cargos de relevo na facção ou executado missões determinadas pelos líderes como, por exemplo, execução de servidores públicos. A Justiça decretou o bloqueio judicial de até R$ 252 milhões.

A trajetória criminosa de Maurício Norambuena

Maurício Hernandez Norambuena é um ex-guerrilheiro chileno militante do Partido Comunista do Chile. Conhecido como Capitão Ramiro, foi integrante da Frente Patriótica Manuel Rodríguez (FPMR). A organização nasceu em 1983 como braço armado do partido comunista, mas tornou-se independente quando o partido renunciou à luta armada.

O chileno foi uma das figuras centrais da resistência à ditadura chilena. Em 1986, participou do atentado de Cajón de Maipo, que tentou atingir o ditador Augusto Pinochet, sem sucesso, mas acabou levando à morte cinco de seus seguranças.

Norambuena chegou a fugir de helicóptero de um presídio de segurança máxima em Santiago, no Chile, em 1996. A operação teve o auxílio do Exército Republicano Irlandês (IRA), que forneceu pilotos para o resgate. O episódio ficou conhecido no país como a “fuga do século”.

No Chile, Norambuena tem duas condenações à prisão perpétua. Uma pelo assassinato do senador Jaime Guzmán, aliado de Pinochet. A outra condenação é pelo sequestro de Cristian Edwards, herdeiro do jornal El Mercurio, em 1991.

Como Norambuena foi parar na prisão no Brasil

Depois de ter fugido do Chile, Norambuena veio ao Brasil, onde acabou condenado a 30 anos de prisão pelo sequestro do publicitário Washington Olivetto, 19 anos atrás. Ele passou 16 anos preso em uma solitária em presídios brasileiros.

O publicitário foi sequestrado em 11 de dezembro de 2001 depois de sair do trabalho, em São Paulo. Os sequestrados chilenos, liderados por Norambuena, exigiam um pagamento de R$ 10 milhões pelo resgate.

O sequestro durou 53 dias. Parte dos sequestradores foi preso no dia 2 de fevereiro de 2002. Entre eles estava Norambuena, que indicou a localização do publicitário. O dinheiro do resgate seria usado para bancar grupos armados no Chile.

Extradição para o Chile

Norambuena foi extraditado em agosto do ano passado para o Chile, por decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro. A extradição havia sido autorizada pelo Supremo Tribunal Federal  (STF) em 2004. Ele vai cumprir duas penas de 15 anos de prisão em seu país de origem pelo sequestro de Olivetto.

“É nossa política cooperar com outros países e não abrigar criminosos ou terroristas. Hoje, depois de superar as questões burocráticas entre Brasil e Chile, estamos extraditando Norambuena, sequestrador do publicitário Washington Olivetto em 2001 ”, escreveu Bolsonaro, no Twitter, por ocasião da extradição.

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