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O presidente Bolsonaro em cerimônia do Dia do Exército: militar em órgão civil será julgado pelas Forças Armadas.
O presidente Bolsonaro em cerimônia do Dia do Exército: militar em órgão civil será julgado pelas Forças Armadas.| Foto: Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, editaram no dia 11 de dezembro o Decreto 10.171, que regulamenta a cessão de militares para órgãos civis da administração pública. A norma estabelece que irregularidades, infrações e falhas disciplinares de militar em órgão civil, nestes casos, serão julgadas pelas Forças Armadas.

A condição, porém, não deve ser aplicada aos 7 mil militares da reserva que o governo federal espera acionar para atuar no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O advogado Fernando Dantas, especializado em direito militar, avalia como o reservista responderá em caso de erro:

"Se ele [militar] incorrer em algum ato ilícito quando estiver exercendo funções do INSS, ele é considerado, para todos os efeitos, um servidor público. E não um militar. Então ele fica alcançado pelas instituições de julgamento que se aplicam aos outros servidores, como os tribunais de contas e a CGU [Controladoria-Geral da União]".

Segundo o advogado, o elemento-chave sobre a exclusão dos militares da reserva nas especificações do Decreto 10.171 é justamente a condição de "aposentado". "O militar, passados cinco anos da reserva, deixa de ter plenamente todos os efeitos jurídicos das situações em que ele é considerado suscetível ao chamamento", afirmou Dantas, em referência às convocações que podem ocorrer para militares com menos tempo de reserva.

"Impessoalidade" também não se aplica

Outro aspecto do Decreto 10.171 que não será aplicável no caso do INSS é a "impessoalidade" da utilização de militar em órgão civil.

Pelo decreto, os órgãos civis que queiram contar com militares não podem escolher nominalmente uma pessoa: devem indicar às Forças Armadas um perfil, e caberá ao Exército, Marinha ou Aeronáutica designar o profissional mais adequado à função.

Como no caso do INSS a participação é voluntária - os militares da reserva se apresentarão espontaneamente à entidade - o critério impessoal não vigorará.

"Neste caso, o militar em órgão civil estará ocupando uma função de livre provimento. É uma situação diferente de alguém que está vinculado aos preceitos cotidianos, ao comandamento por parte de alguma das forças. Ele [militar da reserva] não é um sujeito que é mobilizável de acordo com as oportunidades das Forças Armadas", ressaltou Dantas.

Decreto chega em temporada de militares "em alta"

A presença de militares na estrutura federal ganhou corpo em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro. São dois os motivos que explicam o quadro: o primeiro é a conexão histórica do presidente da República com as Forças Armadas.

Bolsonaro é capitão reformado do Exército e sempre enalteceu os governos militares, como os da ditadura que administrou o Brasil entre 1964 e 1985. O presidente escolheu para o seu ministério nomes de origem militar, como Bento Albuquerque (Minas e Energia), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Tarcisio Freitas (Infraestrutura).

Outro motivo é de razão econômica. Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, evidenciaram que a orientação é de corte de gastos e da não-realização de concursos públicos para a contratação de novos servidores para a estrutura federal. Nesse panorama, os militares se apresentam como uma alternativa por conta de sua formação técnica e também por valores como disciplina e hierarquia, também em alta na gestão Bolsonaro.

Durante a entrevista coletiva em que a ideia de chamar os militares para atuar no INSS foi apresentada à imprensa, na última terça-feira (14), o secretário especial adjunto de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, ressaltou que a proposta se encaixa com as diretrizes de reforma administrativa propostas pelo governo: "Não estamos fazendo concurso público e nem terceirizando. Estamos utilizando a legislação e recorrendo a pessoas com capacitação".

Segundo o Ministério da Defesa, o decreto “traz segurança jurídica e evita desgaste para a Administração Militar, tendo em vista a permanente e crescente demanda por militares para compor a força de trabalho dos Órgãos e entidades da Administração Pública Federal, em outros Poderes da União e até mesmo nos Estados, no Distrito Federal e nos Municípios”.

“Destaca-se que o decreto não representa impacto orçamentário, já que não foram criados novos cargos e tampouco houve aumento de efetivo decorrente de sua publicação”, destacou a pasta, em nota enviada à Gazeta do Povo.

Julgamento militar por infração civil é controverso

O trecho do Decreto 10.171 que estabelece o julgamento dos militares exclusivo pelas Forças Armadas foi definido pelo advogado Fernando Dantas como uma "jabuticaba"- expressão utilizada para caracterizar algo pouco usual no ambiente jurídico.

Para ele, a medida inibe a apuração de eventuais irregularidades cometidas pelos militares cedidos. “Isso acaba sendo uma forma de driblar a competência dos órgãos de controle”, afirmou.

Dantas acrescenta que o decreto tende a ser judicialmente contestado em instâncias superiores. “Ele pode e certamente será questionado pelos órgãos de controle”, declarou, mencionando que estas instituições terão interesse em aprofundar as investigações.

O advogado relembra que os militares são submetidos a diferentes códigos, por conta da natureza de sua atividade profissional, “mas são também servidores públicos”.

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