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militares e bolsonaro
Bolsonaro em solenidade militar.| Foto: Marcos Corrêa/PR

Militares das Forças Armadas, em geral, apoiam as pautas das manifestações de 7 de setembro convocadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro – mesmo aqueles que discordam do governo. Eles afirmam que defendem o direito ao exercício de cidadania e a liberdade de expressão dos integrantes das Forças Armadas que saírem às ruas.

As pautas defendidas pelos militares que sairão às ruas estão alinhadas com as previstas pelos principais organizadores dos atos, especialmente a defesa da liberdade de expressão e contra o que classificam como ingerência de outros poderes em atribuições do governo federal. A tendência é que muitos militares também defendam o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e até uma intervenção militar com base no argumento de que as Forças Armadas seriam o Poder Moderador – que, na realidade, não existe na Constituição.

O artigo 142 da Constituição, frequentemente citado por defensores de uma intervenção militar, prevê que cabe às Forças Armadas a defesa do país e a garantia da lei, da ordem e dos poderes constitucionais – que são apenas três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Ou seja, segundo a Constituição, o corpo militar do país tem a missão constitucional de preservar os três poderes; e não intervir em qualquer um deles.

"A maioria [dos militares que vão às manifestações] defende uma interpretação do artigo 142 [da Constituição] sobre o uso das Forças Armadas como 'Poder Moderador', mas não é algo amplamente declarado. São mais expressões comentadas em grupos, nos quartéis, em conversas entre colegas no dia a dia", admite um militar da ativa que aceitou falar de forma reservada.

Atos tendem a contar com muitos militares praças e oficiais, mas poucos generais

Por causa dos regulamentos disciplinares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, militares da ativa são muito cautelosos em expressar suas opiniões em público. As regras internas das Força Armadas proíbem que militares participem de manifestações políticas. Por esse motivo, muitos devem participar dos atos de 7 de setembro à paisana, sem a farda.

Nos clubes militares, a avaliação é de que integrantes da reserva marcarão presença nos atos pelo país. No caso desses militares aposentados, uma boa parte participará sem a farda – embora eles já não estejam mais sujeitos aos regulamentos válidos para os militares da ativa.

Entre os militares da ativa e reserva que participarão das manifestações do 7 de setembro, a previsão feita entre eles é de que irão uma grande maioria de praças (soldados a subtenentes, no caso do Exército) e uma parte de oficiais (aspirantes até coronel, no caso do Exército e da Aeronáutica).

Já a tendência entre os oficiais-generais – o último grau da carreira – é que participem apenas alguns da reserva. Como explicou anteriormente a Gazeta do Povo, embora tenha uma boa base de apoio dentre praças e oficiais, Bolsonaro não é unanimidade no topo da carreira, sobretudo no Alto Comando das Forças Armadas – especialmente no Exército.

A participação de oficiais-generais da ativa nos atos é pouco provável, até por serem muito mais conhecidos.

Um dos que vai marcar presença é o general da reserva Eduardo José Barbosa, presidente do Clube Militar. Em uma publicação no Twitter, Barbosa convoca sócios e amigos do clube a prestigiarem o movimento na praia de Copacabana, às 10h do dia 7. Em um material de divulgação anexado ao post, a convocação apresenta como pautas a união "pela liberdade e pela democracia".

Em publicação anterior, o general da reserva manifestou apoio a Bolsonaro no comentário em que o presidente da República disse que apresentaria um pedido de impeachment contra os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, do STF. "O Clube Militar entende as preocupações do senhor presidente e aplaude as medidas que se propõe a tomar como Poder Executivo face às inconstitucionalidades advindas de membros do outro Poder", declarou Barbosa.

Essa publicação de Barbosa foi interpretada por militares como uma convocação para que, nas manifestações, seja pedido o impeachment de ministros do STF.

Fontes ouvidas pela reportagem dizem que essa é uma pauta que pode ganhar apoio expressivo dos militares. "O pensamento [sobre Bolsonaro] no Alto Comando pode não estar tão convergente ao dos demais extratos [praças e oficiais]. Mas, na massa das três Forças, o pensamento é parecido ao dos clubes militares", diz um militar. Ele também cita uma nota conjunta emitida pelos presidentes dos três clubes sobre o apoio ao voto impresso, pauta defendida por Bolsonaro. "No seu conjunto, os militares do Exército, da Marinha e da Aeronáutica pensam de forma parecida", complementa.

Generais reformados defendem direito de manifestação, mas temem radicalização

Generais reformados ouvidos pela Gazeta do Povo dizem respeitar o direito à manifestação, mas afirmam que os atos estão associados à imagem do presidente. "Não vou à manifestação porque ela não está bem definida no meu entendimento. Eu vou à rua para me manifestar sobre o quê? Sobre os excessos do STF, que ultrapassou seus limites? Por causa da corrupção que se vê dentro do Congresso e, agora, migra para o governo? Ou vamos para as ruas falar que Bolsonaro é um mito, etc? Isso não está bem definido. Eu não vou", diz o general reformado Paulo Chagas.

Ele é um crítico de Bolsonaro e entende que o presidente da República faz uma má gestão. "Eu não falo mal do governo, mas mal do Bolsonaro, da atitude do presidente, que tem atrapalhado muito as propostas que nós elegemos em 2018, a conquista daquilo que nós elegemos, a vontade como cidadão", critica Chagas.

Embora diga ser "totalmente a favor" do direito de manifestação em 7 de setembro e da liberdade de expressão dos militares, Chagas também é crítico ao tom usado para a convocação da população às ruas. "Tenho visto, ouvido e recebido mensagens de pessoas que estão envolvidas nessa manifestação clamando a participação de pessoas com um viés da agressividade, o que me preocupa", diz o general. "As participações têm que ser ordeiras, que não se agridam pessoas e não se invadam prédios públicos, como o MST [Movimento sem Terra]. Não é por aí."

O general reformado Maynard Santa Rosa, antigo integrante do Alto Comando do Exército e ex-secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República na gestão Bolsonaro, tem uma avaliação semelhante à de Chagas. "Um militar é um cidadão como qualquer outro, tem o direito de se manifestar, desde que não utilizem a instituição. E acho extremamente válido e saudável, porque a alienação dos militares seria um perigo maior do que a participação deles."

Santa Rosa diz torcer por manifestações sem radicalismos. "Discordo das polarizações e da radicalização, porque isso pode levar à violência. E, se levar a isso, se houver precedente, pode gerar uma retroalimentação e um efeito de onda que pode levar a uma confusão generalizada. Muito embora eu seja favorável às manifestações, fico apreensivo com essas possibilidades", diz o general.

O que generais reformados dizem sobre os pedidos de intervenção militar

Entre os discursos de apoiadores de Bolsonaro e inclusive de parte dos militares está a defesa da intervenção Forças Armadas no papel de um "Poder Moderador". O general Paulo Chagas reconhece que esse tipo de demanda é discutido e defendido entre alguns militares, mas ele se mostra contrário diante do contexto atual.

"Restaurar a lei e a ordem pelo interesse político de alguém é algo completamente fora do escopo daquilo que diz o [jurista] Ives Gandra, e ele foi muito oportuno em alertar isso", diz Chagas. Ives Grandra disse que o presidente da República não pode evocar o artigo 142 caso ele seja "parte do problema".

Chagas tampouco acredita que há clima para se discutir uma interpretação do artigo 142 que permita uma intervenção das Forças Armadas. Na opinião dele, os militares do Alto Comando não vão tomar "atitude intempestiva" que "comprometa a imagem das Forças ou a estabilidade do país". "Todos do Alto Comando do Exército foram meus cadetes. Falando como militar da reserva em cima do que eu conheço e da minha vivência, eles saberão se comportar à distância do problema político que está sendo criado. Mas, politicamente, as Forças não vão se manifestar", diz.

O general Santa Rosa endossa a leitura feita por Chagas. "O artigo 142 não poderia ser usado como um derivativo para uma solução política e oportunista como o presidente sugere. É um mecanismo para uma emergência de grave perturbação da ordem", diz.

Qual é a avaliação da cúpula dos militares sobre as manifestações

O Exército, a Marinha e a Força Aérea monitoram as manifestações. A avaliação feita por militares do alto escalão de cada instituição é de respeito à vontade popular e ao exercício da cidadania, mas também de preocupação sobre a participação de militares nos atos de 7 de setembro.

"Isso é perigoso. É preciso evitar a politização dos quartéis, isso pode causar problemas. Se, por um lado, isso converge, agora, para uma mesma linha de pensamento [nas Forças Armadas], sabemos do risco que ganha ao tomar contornos políticos", diz um militar próximo a um dos três comandantes.

"Não se deve ter militares participando de manifestações, tanto que isso é vetado. A politização pode gerar um efeito contrário na manutenção da hierarquia e disciplina das Forças Armadas", acrescenta a fonte.

Entre os comandantes e seus assessores, a leitura é de incertezas sobre quando a crise entre os poderes vai se dissipar. "A gente sabe que não vai ter solução por agora, ninguém acredita nessa ilusão", diz um militar.

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