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Ministro Marco Aurélio de Mello (na foto ao lado de Ricardo Lewandowski) propôs mudança no regimento interno do STF para que contestações a atos de outros poderes sejam julgados apenas pelo plenário da Corte.
Ministro Marco Aurélio de Mello (na foto ao lado de Ricardo Lewandowski) propôs mudança no regimento interno do STF para que contestações a atos de outros poderes sejam julgados apenas pelo plenário da Corte.| Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, de barrar a indicação do diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, para o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, pode acabar sendo o gatilho para uma mudança importante no regimento interno do STF.

O ministro Marco Aurélio Mello propôs, na segunda-feira (4), uma emenda a esse regimento para que pedidos de liminar envolvendo atos de competência dos poderes Executivo e Legislativo só possam ser julgados em plenário. Essa mudança significaria, por exemplo, que uma indicação feita pelo presidente da República a um cargo de órgão público só poderia ser contestada pelo STF de forma colegiada.

Dessa maneira, uma nomeação como a de Alexandre Ramagem não poderia mais ser barrada de forma monocrática, como ocorreu na decisão do ministro Alexandre de Moraes. Esse tipo de decisão só poderia ser tomado após julgamento e votação por todos os ministros em plenário, passando a ser incluído, por emenda, nos casos previstos entre os artigos 5º e 8º do regimento interno do STF, que tratam das competências do plenário da corte.

O ministro Luiz Fux, presidente da Comissão de Regimento do Supremo, pediu que a Procuradoria-Geral da República (PGR) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) se manifestem sobre a proposta de Marco Aurélio. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, solicitou que a análise da emenda ocorra com “a maior celeridade possível”.

"Ministrocracia" é recorrente na história recente do Brasil, diz estudo

A proposta de Marco Aurélio poderá ser levada para votação no plenário administrativo, que trata do regimento interno do STF. Se isso acontecer, será posto em xeque um tipo de decisão que foi determinante para acontecimentos cruciais na história recente do Brasil.

Em artigo de 2018 publicado por especialistas em Direito Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o termo "ministrocracia" é usado para definir a tendência recente de decisões monocráticas dos ministros do STF influenciando processos políticos importantes.

O artigo recorda que, por liminar individual, o ministro Gilmar Mendes suspendeu a nomeação do ex-presidente Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff; o ministro Luiz Fux suspendeu e mandou reiniciar, na Câmara, a tramitação do pacote das "10 medidas contra a corrupção"; e o ministro Marco Aurélio determinou à presidência da Câmara que desse prosseguimento a um pedido de impeachment contra o então presidente Michel Temer (MDB).

"Diante de seus ministros, portanto, o Supremo não parece tão supremo assim", dizem os autores. Para eles, o STF "aloca de maneira individual e descentralizada uma série de poderes individuais de agenda, de sinalização e mesmo de decisão formal". Segundo o estudo, a experiência brasileira recente "sugere que o uso de poderes depende muito mais da virtude individual do que de mecanismos institucionais de controle".

Impedir decisão monocrática não barra ativismo judicial no STF

A decisão sobre Ramagem não foi a única recente a estremecer a relação com o Executivo e motivar a proposta de Marco Aurélio. Outras decisões do STF nas últimas semanas, como a do ministro Luis Roberto Barroso que suspendeu a expulsão da embaixada da Venezuela no Brasil de diplomatas ligados ao ditador Nicolás Maduro, acabaram tendo repercussão negativa.

Mesmo que a mudança no regimento da Corte seja aprovada e que essas decisões não possam mais ser tomadas de forma monocrática pelos ministros, a proposta não impede o chamado “ativismo judicial”, isto é, a interferência exagerada do Judiciário nos outros poderes.

"O que isso vai resguardar é que não vai existir mais divergência dentro do Supremo", afirma o advogado Felipe Bayma. “O Supremo, a partir de agora, vai continuar interferindo nos atos do Executivo e do Legislativo, só que vai ser uma posição oficial do órgão todo”, acrescenta.

Para ele, tanto a decisão monocrática como a colegiada, no caso da nomeação de Ramagem, seriam inconstitucionais. “Não estaria na competência do Supremo, ao meu ver, ingressar nessas medidas políticas do Executivo e do Legislativo”, diz.

Segundo ele, o argumento geralmente usado para fundamentar essas decisões é o do princípio da autocontenção do Judiciário, segundo o qual o STF poderia interferir em atos dos outros poderes para dar cumprimento às normas da Constituição, proteger direitos fundamentais e resguardar os pressupostos de funcionamento da democracia e das instituições republicanas. Mas, para Bayma, esse argumento tende a servir como pretexto.

“Ele vai poder adentrar em tudo. Na verdade, isso é uma válvula de escape para que ele (o STF) possa interferir diretamente nos atos dos outros poderes”, diz. “Pelo artigo 2º da Constituição, os poderes são independentes e harmônicos. Na minha visão, o Supremo não poderia impedir a nomeação do diretor da Polícia Federal”, diz Bayma.

Em artigo recente publicado na revista Consultor Jurídico sobre a decisão de Alexandre de Moraes, o jurista Ives Gandra Martins também aponta o “perigo que tal decisão traz à harmonia e independência dos poderes”. Para ele, meras suspeitas sobre autoridades, sem condenação ou processo, não podem justificar o impedimento de uma nomeação para um cargo público.

Segundo Gandra, a decisão abre um precedente para que “qualquer magistrado de qualquer comarca do Brasil” adote o mesmo tipo de critério em nomeações feitas por prefeitos e governadores.

Além dos casos já citados no artigo da FGV, outro precedente ocorreu em 2018, no governo Michel Temer. O então presidente tentou nomear a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o Ministério do Trabalho, mas a escolha foi suspensa por decisão da ministra Cármen Lúcia, então presidente do STF.

Filha do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), Cristiane tinha no "currículo" uma condenação por dívidas trabalhistas e, por isso, sua indicação ao Ministério do Trabalho foi contestada primeiro na primeira instância até chegar ao STF.

Decisões colegiadas tendem a ser muito mais demoradas

Para o advogado Acácio Miranda, especialista em Direito Constitucional, as decisões colegiadas estão mais de acordo com a natureza do STF, mas podem aumentar a demora em julgamentos.

“É um órgão colegiado. É melhor que o mérito das decisões seja tomado de forma colegiada. Mas tem um fator nisso que é a celeridade. Se nós estivermos num período de recesso, de férias, é impossível reunir todo o colegiado. Isso acabaria afetando a celeridade. É uma faca de dois gumes. Agora, a rigor, constitucionalmente, o ideal é que as decisões sejam tomadas de forma colegiada”, diz.

Segundo Miranda, a nova proposta faria com que o julgamento de liminares envolvendo atos de competência dos poderes Executivo e Legislativo acabasse demorando muito mais.

“Um processo no Supremo, hoje, em média, demora dois anos, porque o relator tem o período para fazer o voto, manda para a pauta, depende do presidente do tribunal pautar… Se o ministro pede vista, ele tem o período de vista, e não há uma regulamentação que determine esse período de vista, e assim sucessivamente. Obviamente, vai ser muito mais demorado”, explica.

Ele lembra ainda que, em muitos casos, justamente por essa morosidade, a ação levada ao STF acaba perdendo seu objeto. “Foi o que aconteceu, por uma excepcionalidade, nesse caso do Alexandre de Moraes. Foi nomeado um novo diretor, e a ação perdeu o objeto”, diz Miranda.

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