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Rui Costa
Esposa de Rui Costa foi eleita conselheira do TCM da Bahia.| Foto: Reprodução

Pelo menos cinco ministros e aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) conseguiram emplacar as esposas nos cargo de conselheiras dos tribunais de contas dos seus respectivos estados entre o ano passado e 2023. A prática é criticada por entidades da sociedade civil e juristas, já que a Corte é responsável por fiscalizar e julgar a aplicação do dinheiro público e poderia ser influenciada pelas indicações políticas.

A começar pelo ministro que concentra o maior poder na Esplanada dos Ministérios: Rui Costa (PT). À frente da Casa Civil, responsável por dar o aval a todo e qualquer projeto ou ação dos outros ministros, Costa conseguiu influenciar a indicação da esposa, Aline Peixoto, ao cargo de conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) do Estado da Bahia no começo do mês.

A ela se somam Rejane Dias, esposa do ministro Wellington Dias (PT), do Desenvolvimento Social, indicada para o Tribunal de Contas do Estado do Piauí em janeiro deste ano; Renata Calheiros, esposa de Renan Filho (MDB), da Infraestrutura, para o TCE de Alagoas em dezembro do ano passado; Marília Góes, esposa de Waldez Góes (PDT), do Desenvolvimento Regional, para o TCE do Amapá em março de 2022; e Daniela Barbalho, esposa de Helder Barbalho (MDB), governador do Pará e forte aliado de Lula, ao TCE paraense nesta terça (14).

Daniela protagoniza um caso em especial, já que será uma das responsáveis por dar pareceres sobre as contas da gestão passada do marido à frente do governo paraense. Helder Barbalho foi reeleito para o Executivo estadual na eleição de 2022. A situação é semelhante à de Rejane Dias, que vai participar da análise das contas de Wellington Dias no governo piauiense até março do ano passado.

Ser conselheiro de um tribunal de contas também tem mais duas vantagens: o cargo é vitalício até os 75 anos, que é a idade limite para aposentadoria no serviço público, e garante um contracheque que começa em R$ 35,4 mil ao mês – varia de um estado para o outro, mas acompanha a remuneração do governador.

Para Juliana Sakai, diretora-executiva da Transparência Brasil, a indicação de esposas e parentes para o cargo de conselheiro dos tribunais coloca em dúvida a lisura da análise das contas dos gestores. Os órgãos de controle ficam enfraquecidos com essa prática, diz.

“Isso se mostra ilegal, uma falta da questão de impessoalidade na condução dos trabalhos de um órgão de controle importante, além de um aparelhamento político. Isso torna o órgão menos efetivo e abre espaço para que oponentes políticos sejam perseguidos e aliados políticos sejam protegidos, diminuindo a capacidade de um tribunal de contas exercer o seu papel”, analisa.

Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, Roberto Livianu vê com desconfiança a prática, e diz que “a esposa tem responsabilidade por fiscalizar as contas do próprio governador, é óbvio que essa situação não é ideal do ponto de vista do interesse público. Qual é a independência emanada por essa escolha?”, questiona.

A indicação das esposas dos ministros e aliados de Lula aos cargos nos tribunais de contas não é nova e nem incomum no meio político. Um levantamento feito pela Transparência Brasil em 2016 mostrou que 80% dos 233 conselheiros em 34 cortes ocupavam cargos eletivos ou de destaque na alta administração pública antes da nomeação (veja na íntegra).

A entidade não tem dados atualizados de 2023, mas Juliana diz que pouco mudou por conta da vitaliciedade do cargo. O levantamento apontou nomeações de esposa, irmão, primo, cunhado, sobrinho e filho de governadores e ex-governadores ao cargo em Cortes de contas nos estados. E, ainda, pelo menos 53 conselheiros indicados respondiam a processos.

Constituição permite a indicação de políticos às Cortes

A doutora em Direito do Estado, Vivian Lima López Valle, professora de Direito Administrativo e Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que a Constituição de 1988 permitiu que agentes políticos fossem indicados ao cargo de conselheiro dos tribunais de contas tanto dos estados como da União, mas seguindo preceitos como a impessoalidade, a reputação ilibada e o notório saber da função.

As indicações são sugeridas de acordo com a esfera de governo: presidente, governadores e legislativos estaduais, que são submetidas à análise do Congresso ou das assembleias dos estados. Nelas, os indicados passam por uma sabatina antes de serem efetivados no cargo.

No entanto, Vivian acredita que as sabatinas podem estar deixando de lado alguns dos preceitos – como o notório saber da função de um tribunal de contas – não apenas por falhas, mas pela própria composição dos legislativos. Normalmente, a maioria dos parlamentares eleitos é da base governista, o que acaba inviabilizando uma negativa à indicação.

“Além do fato das próprias famílias de políticos terem uma projeção maior para a formação de alianças que aprovem o nome indicado, retirando a democracia deste espaço que deveria ser bem democrático. Essa cultura brasileira permissiva neste aspecto poderia ser afastada talvez com uma mudança legislativa com um regramento mais forte em relação à vedação de parentes inclusive para cargos de indicação política”, afirma em relação à súmula vinculante número 13 do Supremo Tribunal Federal (STF) – de combate ao nepotismo – que veda parentes até o 3º grau para cargos em comissão, mas não para indicações políticas que passem por análise legislativa.

Livianu vai além e diz que há, historicamente, um “patrimonialismo cultural do compadrio político e, infelizmente, essa prática ocorre em todos os governos”. Ele lembrou da declaração do ex-deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), ex-líder do governo de Jair Bolsonaro (PL) na Câmara dos Deputados, que defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2021, que o “poder público poderia estar mais bem servido, eventualmente, com um parente qualificado do que com um não parente desqualificado”.

Segundo Livianu, essas “escolhas nada republicanas nada mais fazem do que nos darem a certeza de que a prevalência do interesse público não é uma realidade concreta, como deveria ser”.

“Os princípios da moralidade e impessoalidade na administração pública não são preponderantes nestas escolhas. Isso é absolutamente desmoralizante”, destaca.

Para Juliana Sakai, da Transparência Brasil, os termos da Constituição são “vagos” na definição dos critérios necessários para a aceitação ao cargo de conselheiro de um Tribunal de Contas. “A gente vê a falta de uma regulamentação mais detalhada pra definir o que é uma reputação ilibada, por exemplo, acaba gerando uma permissividade contrária à Constituição”, completa.

Processos tentam contestar indicações de parentes nos tribunais de contas

Marília Góes chegou a ter a indicação para o TCE do Amapá contestada por uma ação popular no ano passado, que acabou negada após o desembargador Gilberto Pinheiro manter a nomeação sob a alegação de que a escolha foi feita e aprovada pela Assembleia Legislativa do estado, portanto, seguindo os trâmites legais. E que a prática de nepotismo – ela era primeira-dama – poderia ser analisada no decorrer do processo.

Caso semelhante ocorreu no Paraná com a indicação de Maurício Requião, irmão do então governador Roberto Requião (à época no MDB, hoje no PT), ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado em 2008. Naquele ano, a indicação foi aprovada pela Assembleia Legislativa.

No entanto, Maurício foi afastado no ano seguinte também sob a alegação de nepotismo e teve a indicação oficialmente revogada em 2011 pelo legislativo estadual e pelo governador da época, o opositor Beto Richa (PSDB). No ano passado, voltou ao cargo após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Há uma discussão jurídica grande a respeito se aplicaria ou não as regras de nepotismo que valem para cargos em comissão. Particularmente, eu entendo que, ainda que a súmula vinculante número 13 não consiga alcançar esses cargos de indicação política, os princípios da moralidade e da impessoalidade como metaprincípios da nossa Constituição não recomendam nomeações como essas. A Constituição busca ‘experts’ com notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos, financeiros ou de administração pública possam integrar a Corte para contribuir com as suas análises”, completa Vivian Lima López Valle.

A Gazeta do Povo procurou os quatro ministros e o governador Helder Barbalho para comentarem as indicações das esposas aos tribunais de contas de seus estados. A assessoria de Renan Filho, da Infraestrutura, disse que ele não vai se pronunciar sobre isso. Os outros não responderam até o fechamento da reportagem.

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