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Jair Boslonaro, presidente do Brasil
O presidente da República, Jair Bolsonaro.| Foto: Evaristo Sá/AFP

Em junho, em meio ao ápice da crise entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Supremo Tribunal Federal (STF), integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionaram o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, se não seria o momento de os Tribunais Superiores adotarem uma atitude mais enérgica quanto às manifestações de bolsonaristas e do próprio presidente da República contra a cúpula do Judiciário nacional. Barroso contemporizou e arrefeceu os ânimos mais exaltados. Na época, ele disse a pessoas próximas que era necessário distinguir militância e reais ataques à democracia.

A observação de Barroso é praticamente unânime entre os ministros do STF. Nos bastidores do Supremo, é ponto pacífico que a Corte deveria reagir de forma mais incisiva a ataques institucionais do presidente e aliados. Isso do ponto de vista meramente institucional. Nesse aspecto, os constantes ataques da militância bolsonarista e do próprio presidente uniram os ministros na defesa da instituição. A discordância entre eles está no tom a adotar nessa reação. Ou seja, na dosagem dessa defesa institucional.

Uma ala comandada pelos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes acredita que respostas mais incisivas contra o governo federal seriam mais eficazes na defesa do Supremo. Do outro lado, uma ala ligada ao presidente Dias Toffoli tenta minimizar as incitações de bolsonaristas contra o Supremo alegando que existem sistemas de freios que minam qualquer incitação menos democrática por parte dos opositores da Corte.

De forma curiosa, os ministros têm real discernimento de que é necessário fazer a distinção desses três personagens absolutamente difusos: o Bolsonaro pessoa física, o Bolsonaro político e o Bolsonaro presidente da República, conforme apurou Gazeta do Povo. Além disso, nos bastidores, os ministros também observam que vários episódios são travestidos de uma espécie de "prorrogação" da disputa eleitoral de 2018.

Ministros do STF não confundem retóricas a militantes com ameaças

Para o ministro Marco Aurélio Mello, apesar de um incipiente receio inicial pelos rumos da democracia brasileira, é necessário que o país apoie a vontade popular. E, para ele, o STF é um importante alicerce para se manter a estrutura da democracia brasileira.

“Em 2017, eu disse que temia pelo Brasil porque ele [Bolsonaro] era candidato. E lá em Coimbra [Portugal], fechando um seminário, eu tive que discorrer sobre essa tendência de se eleger populistas de direita que tendem a ser totalitários. E disse que temia pelo Brasil. Agora ele é o presidente da República, é o nosso presidente. E deve terminar normalmente o mandato. Temos que apoiá-lo para que ele se saia bem”, disse o ministro à Gazeta do Povo.

Além disso, dentro do STF, existe um entendimento de que é preciso discernir ameaças democráticas reais das retóricas do presidente e aliados. Um exemplo pontual e recente disso trata sobre reportagem da Revista Piauí publicada em agosto. A matéria afirmou que Jair Bolsonaro ameaçou intervir no Supremo em abril, no auge dos atritos dele com a Corte.

Nos bastidores do STF, chegou-se a se levantar a possibilidade de se reagir à essa informação por meio de notas oficiais. A ideia caiu por terra após intervenção do presidente do Supremo, Dias Toffoli. Ele entendeu que não seria necessária uma resposta institucional a possíveis fatos passados. Uma reação mais incisiva, para o presidente do STF, apenas jogaria “lenha na fogueira”.

Internamente, os ministros do STF partem da premissa de que a Corte deve atuar como bombeiro, não como incendiário. Quando integrantes do movimento "300 do Brasil", ligado ao bolsonarismo, dispararam fogos de artifícios contra a sede do Supremo, em junho, quatro ministros se manifestaram pelas redes sociais.

Todos ressaltaram a importância institucional do STF. Naquele instante, os ministros não concordaram com a postura do presidente do Supremo, considerada, na época, leniente com ataques do gênero. Foi um dos parcos momentos em que os ministros reagiram proporcionalmente aos ataques.

Inquérito das fake news vira "arma" do STF contra o bolsonarismo

Um dos "antídotos" do STF para frear qualquer tipo de incitação antidemocrática e para reduzir o poder de fogo do bolsonarismo militante tem sido o inquérito das fake news – apelidado no meio jurídico como “inquérito do fim do fundo”.

Tanto que hoje, são investigados pelo STF os aliados mais fiéis de Bolsonaro, como Carla Zambelli (SP), Bia Kicis (PSL-DF), Daniel Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR) e Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL-SP).

Além disso, investigadores com acesso direto ao caso não descartam a possibilidade de que filhos do presidente – o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – possam vir a ser citados no futuro, a se depender do andamento do inquérito.

Além do inquérito das fake news, os ministros entendem que as respostas às ações do presidente devem se ater aos autos dos processos.

Nesse sentido, o recado do STF é claro: uma instituição forte consegue exercer bem o sistema de freios e contrapesos, garantindo-se, assim, a harmonia entre os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. E, por consequência, consegue estabelecer limites claros para as ações do Poder Executivo.

Um exemplo disso ocorreu justamente durante esta semana, no julgamento da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que suspendeu a tramitação do relatório sobre 579 servidores públicos estaduais e federais identificados ao movimento antifascistas. Os ministros foram unânimes em estabelecer recados claros ao governo federal de que a Justiça não iria aceitar o uso da máquina estatal para bisbilhotar opositores ao governo.

“Benza Deus a imprensa livre do meu país. E benza Deus que temos um Poder Judiciário que toma conhecimento disso [relatório dos antifascistas] e que dá a importância devida para garantia da democracia”, disse a ministra Cármen Lúcia, relatora da ação que suspendeu a elaboração dos chamados dossiês antifascistas.

Alguns ministros do STF como Barroso e Cármen Lúcia já citaram nos bastidores o livro Como as Democracias Morrem, dos cientistas políticos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt. A obra parte da premissa de que movimentos antidemocráticos ocorrem a partir do processo de descrença dos pilares da democracia, como imprensa, Justiça e Poder Legislativo. E um remédio para não entrar nessa roda viva seria, justamente, fortalecer o STF como instituição.

Para o advogado constitucionalista Luís Henrique Machado, doutor pela universidade Humboldt, Alemanha, durante a gestão Bolsonaro, os ministros do STF foram obrigados a se resguardar por meio dessas ações justamente para se fortalecer no jogo democrático. “O Supremo não está partido para uma questão meramente revanchista. O que tem ocorrido é que o Supremo, assim como outras instituições como o Congresso, precisou adotar processos visando a sua preservação e da democracia como um todo”, analisa o constitucionalista.

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