O gabinete do ministro Alexandre de Moraes teria investigado apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e comentaristas políticos de direita com base em relatórios solicitados informalmente à Justiça Eleitoral no inquérito das fake news durante e após as eleições de 2022.
O setor de combate à desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) teria sido usado como uma espécie de braço investigativo do gabinete do ministro para a investigação que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF).
A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S. Paulo nesta terça-feira (13), após a publicação ter acesso a mensagens e áudios trocados entre assessores de Moraes.
Em 2022, Moraes era o presidente do TSE. Os relatórios produzidos na Corte eleitoral teriam sido utilizados para subsidiar o inquérito das fake news no STF em casos relacionados ou não às eleições presidenciais.
A Folha teve acesso a mais de 6 gigabytes de mensagens e arquivos trocados via WhatsApp entre assessores do ministro que atuam ou atuavam tanto na equipe do Supremo quanto do TSE.
Conforme a publicação, o maior volume de mensagens ocorreu entre o juiz instrutor Airton Vieira, assessor mais próximo de Moraes no STF, e Eduardo Tagliaferro, o perito criminal que comandava a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) do TSE na ocasião.
Relatório sobre posts de Constantino e Figueiredo
Nas mensagens, Vieira teria pedido informalmente ao funcionário do TSE relatórios contra aliados de Bolsonaro. A situação teria ocorrido em investigações contra o jornalista Rodrigo Constantino e o ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo.
Eles eram alvos inquérito das fake news por questionar a segurança do sistema eletrônico de votação à época. As mensagens apontam que o gabinete do ministro solicitou relatórios do TSE de maneira informal em ao menos duas dezenas de casos.
"Quem mandou isso aí, exatamente agora, foi o ministro e mandou dizendo: vocês querem que eu faça o laudo? Ele tá assim, ele cismou com isso aí. Como ele está esses dias sem sessão, ele está com tempo para ficar procurando", diz Vieira em áudio enviado a Tagliaferro às 23h59 do dia 28 de dezembro de 2022.
Nessa data, o processo eleitoral já havia acabado e, em tese, o TSE não precisaria mais atuar. No mesmo dia, o juiz instrutor teria solicitado relatórios sobre postagens de Constantino. "É melhor por [as postagens], alterar mais uma vez, aí satisfaz sua excelência", acrescentou Vieira.
Já na madrugada do dia 29 de dezembro de 2022, o assessor do TSE argumentou que a primeira versão do relatório tinha dados suficientes, mas disse incluiria as postagens indicadas pelo juiz instrutor.
"Concordo com você, Eduardo [Tagliaferro]. Se for ficar procurando [postagens], vai encontrar, evidente. Mas como você disse, o que já tem é suficiente. Mas não adianta, ele [Moraes] cismou. Quando ele cisma, é uma tragédia", responde Vieira.
No início de 2023, duas decisões foram produzidas com base no relatório enviado de maneira supostamente espontânea. Nelas, Moraes determinou a quebra de sigilo bancário de Constantino e Figueiredo, o cancelamento de seus passaportes, o bloqueio de redes sociais e intimações para que fossem ouvidos pela Polícia Federal.
Print aponta que um pedido de apuração teria partido de Moares
A Folha divulgou um print de uma das conversas entre Airton Vieira e Eduardo Tagliaferro. A imagem mostra uma mensagem que teria sido enviada pelo próprio Moraes com postagens de Constantino ao juiz instrutor.
"Peça para o Eduardo analisar as mensagens desse [Constantino] para vermos se dá para bloquear e prever multa", diz a mensagem atribuída ao ministro, cujos prints foram enviados a Tagliaferro. "Já recebi" e "Está para derrubada", responde o assessor do TSE em duas mensagens.
Em 2019, o ministro Dias Toffoli abriu o inquérito das fake news e indicou Moraes como relator. O plenário da Corte referendou o inquérito no ano seguinte. A forma como a investigação é conduzida é criticada por juristas.
Moraes nega qualquer irregularidade
Em nota enviada à Gazeta do Povo, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes negou qualquer irregularidade nas requisições dos relatórios. Moraes argumenta que o TSE, "no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas".
"Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais", diz o comunicado.
O gabinete do ministro reforça que "todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República".
Constantino denunciará Moraes à Corte Internacional de Direitos Humanos
Rodrigo Constantino afirmou que pretende denunciar Moraes à Corte Internacional de Direitos Humanos (CIDH) e pedir a suspensão do inquérito.
O jornalista classificou os assessores do ministro como “dois capangas agindo a serviço de um criminoso”. Segundo ele, “está muito claro que houve pesca probatória e perseguição política”.
“Fui escolhido como um dos alvos e [eles] tiveram que produzir um material que sirva de pretexto para me censurar e me multar”, disse o jornalista em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro, da revista Oeste. O jornalista defendeu que o Senado deve abrir um processo de impeachment do magistrado.
“Temos trocas [de mensagens] de assessores diretos [de Moraes] confessando crimes, que estavam seguindo ordens ilegais, por picuinha, porque ‘cismou’”, ressaltou. Constantino parabenizou os jornalistas Fabio Serapião e Glenn Greenwald, responsáveis pela reportagem da Folha.
Paulo Figueiredo defende impeachment de Moraes
O ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo afirmou, em nota nas redes sociais, que a reportagem da Folha de S. Paulo mostra que Moraes “persegue jornalistas”, “encomendando dossiês e utilizando expedientes clandestinos para fraudar o devido processo legal contra aqueles que ousam criticá-lo”.
Figueiredo disse que o Senado deve abrir um processo de impeachment contra o ministro. “Se tiver um mínimo de dignidade, ele deveria renunciar ao cargo imediatamente”, frisou.
“Diante das evidentes ilegalidades expostas, houvesse uma ação penal regular, neste momento, meus advogados estariam pedindo – e com grande chance de êxito – o trancamento do processo”, disse.
“Porém, passados mais de um ano e oito meses, meus ativos financeiros continuam congelados, meu passaporte brasileiro cancelado, e minhas redes sociais bloqueadas no Brasil – tudo isso sem que eu tenha sido sequer intimado ou notificado de qualquer investigação”, acrescentou.
Veja a íntegra da nota do gabinete de Moraes
"O gabinete do Ministro Alexandre de Moraes esclarece que, no curso das investigações do Inq 4781 (Fake News) e do Inq 4878 (milícias digitais), nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos, inclusive ao Tribunal Superior Eleitoral, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à Democracia e às Instituições.
Os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais. Vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviados à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República.
Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República".
Confira a íntegra do comunicado de Paulo Figueiredo
"Nota à Imprensa sobre a 'Vaza-Jato do Xandão'
Acabo de ler a reportagem bombástica da Folha de S.Paulo, assinada pelo jornalista renomado Glenn Greenwald, que já está sendo chamada de 'Vaza-Jato do Xandão'. No centro dessa revelação estou eu e meu colega jornalista Rodrigo Constantino. A matéria expõe um Ministro do STF que, pessoalmente, persegue jornalistas premiados e líderes de audiência, encomendando dossiês e utilizando expedientes clandestinos para fraudar o devido processo legal contra aqueles que ousam criticá-lo.
Diante das evidentes ilegalidades expostas, houvesse uma ação penal regular, neste momento, meus advogados estariam pedindo – e com grande chance de êxito – o trancamento do processo. Porém, passados mais de um ano e oito meses, meus ativos financeiros continuam congelados, meu passaporte brasileiro cancelado, e minhas redes sociais bloqueadas no Brasil – tudo isso sem que eu tenha sido sequer intimado ou notificado de qualquer investigação.
Independentemente de posições ideológicas, não há democracia que resista quando autoridades públicas, especialmente um juiz da mais alta corte do país, se dão ao luxo de perseguir jornalistas por suas críticas.
Estou convicto de que essa reportagem é apenas o começo da revelação dos segredos obscuros dos porões do gabinete de Alexandre de Moraes. Se tiver um mínimo de dignidade, ele deveria renunciar ao cargo imediatamente. Contudo, tenho plena consciência de que essa reportagem traz, até o momento, os motivos mais evidentes e robustos para que o Senado Federal inicie o processo de impeachment contra o Ministro. Exorto os senadores e, principalmente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, a cumprirem seu dever constitucional, restaurando a ordem jurídica e o Império da Lei no país".
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