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Presidente Jair Bolsonaro e o novo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que terá a missão de solidificar a base do governo na Câmara e no Senado
Presidente Jair Bolsonaro e o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira: auxiliar foi o principal “bombeiro” na crise entre os poderes e na mudança de tom de Bolsonaro| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A repentina mudança de tom do presidente Jair Bolsonaro em relação aos ministros Luís Roberto Barroso e, sobretudo, Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é explicada por dois atores políticos importantes: o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O recuo de Bolsonaro com a publicação da nota em que afirmou não ter tido "intenção de agredir quaisquer dos Poderes" pegou muitos aliados no Congresso e assessores do Palácio do Planalto de surpresa. Afinal, é um outro tom em relação às últimas 48h. No ato da Avenida Paulista de 7 de setembro, ele sinalizou que descumpriria decisões de Moraes.

A Gazeta do Povo procurou interlocutores do Planalto e aliados de Bolsonaro para entender a mudança do comportamento político. Como informou a reportagem na quarta-feira (8), o presidente da República cogitava convocar o Conselho da República como o "próximo passo" às manifestações de 7 de setembro.

O Conselho da República foi avaliado por Nogueira e articuladores políticos como uma medida inócua e que apenas tensionaria ainda mais as relações. Bolsonaro foi alertado por Lira e pelo ministro da Casa Civil sobre o risco de a estratégia ampliar a crise entre poderes e alimentar ainda mais os ânimos políticos de dirigentes e lideranças do Congresso que começaram a ameaçá-lo de um impeachment.

Como foi a atuação dos "bombeiros" Arthur Lira e Ciro Nogueira

As últimas 48 horas foram cruciais para a alteração na postura de Bolsonaro, que, embora tenha desagradado aliados, inclusive no Congresso, repercutiu bem entre os demais da base aliada. Os dois nomes citados com ênfase no Planalto são os de Ciro Nogueira e Arthur Lira.

"O Ciro e o Arthur tiveram papel decisivo. O Arthur não meteu mais lenha na fogueira com aquele pronunciamento dele, o que ajudou a baixar a temperatura política, e o Ciro insistiu no convencimento junto ao presidente em procurar o [Michel] Temer [ex-presidente]", sustenta um interlocutor do Planalto.

Bolsonaro tinha resistências a uma reunião com o Temer, mas foi convencido de que, dadas as atuais competições e a temperatura da crise entre poderes, recorreria à diplomacia política ou ampliaria as chances de discussão de um impeachment.

"Não que o Jair não tenha relação cordial com o Temer, mas o Temer vem tentando há um tempo pacificar a relação, com negativas do presidente", afirma o deputado Márcio Labre (PSL-RJ), que esteve com Bolsonaro no ato da Avenida da Paulista, na terça-feira (7). "A gente sabe que ele [Temer] vem tentando essa aproximação, mas o presidente tinha medo de pegar mal a diplomacia nesse processo", acrescenta.

Labre foi uma das fontes que confirmou à Gazeta do Povo as pretensões de Bolsonaro em propor o Conselho da República como resposta para a crise política após ouvir isso do próprio presidente. Após esta quinta-feira (9), essa estratégia ficará na gaveta. "Temer entrou no jogo e, agora, vai pacificar o ambiente político", pondera o deputado.

Segundo informou a CNN Brasil, a nota de Bolsonaro foi redigida por Temer. A TV Globo informou que não apenas Bolsonaro convidou o ex-presidente, como também enviou um avião da frota presidencial para buscá-lo em São Paulo, por volta das 11h30 desta quinta. A reunião acabou por volta das 16h15, após cerca de quatro horas. Por intermédio do emedebista, Bolsonaro conversou com Alexandre de Moraes.

Qual é o custo político do recuo de Bolsonaro e a aproximação com Temer

A mudança de postura de Bolsonaro dividiu aliados mesmo na base. O deputado Bibo Nunes (PSL-RS), vice-líder do partido na Câmara, entende que o presidente da República tomou um uma decisão correta, mas discorda que seja um recuo. "Ele quer a harmonia entre os poderes, não recuou. É um tom apaziguador, mas sem ceder, tanto que ele fala das divergências em decisões do Alexandre de Moraes", analisa.

Já o deputado Márcio Labre classifica a mudança no tom como recuo e não descartava que isso pudesse acontecer. "Estava preocupado com as 48 horas seguintes. Sabia que seria um divisor de águas e, agora, esse posicionamento de recuo pode ser bom para o país no sentido de entregar 18 meses de relativamente sossego ao governo, mas é negativo politicamente em termos de projeto do conservadorismo no poder", analisa. "Mas a base vai se esfacelar, perdeu a identidade. O presidente sai como um cachorro que latiu e não mordeu", alerta.

A leitura feita por Labre é de que o governo demorou a buscar uma composição de forças com o Centrão e, no atual cenário, o recuo é mais prejudicial do que benéfico. "Como o Temer entrou no jogo, acredito até na revogação e fim de prisões [pelo STF], mas, a essa altura, o 'preço' disso não vai sair barato. O presidente entregou de vez a governança ao Centrão", analisa o deputado. "Agora, é tentar se reinventar e tentar se reeleger prometendo o que tentou fazer em quatro anos e temos que ver se conseguimos ou não", complementa.

Embora a solução diplomática adotada por Bolsonaro possa retomar a governabilidade ao governo, Labre acredita que Temer sai como o vitorioso no processo. "Quem sai fortalecido como 'o cara' e grande articulador político do país é o Michel Temer", pondera o deputado. A análise feita por parlamentares do centro vai na mesma linha.

"A habilidade de Ciro Nogueira, a prudência de Arthur Lira e a maestria de Michel Temer salvaram a República", diz o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), presidente da Frente Parlamentar Brasil-China. O parlamentar almoçou na quarta-feira com Temer e ouviu do ex-presidente as preocupações com o atual cenário e se colocou à disposição para aconselhar Bolsonaro.

Como a mudança de tom de Bolsonaro foi recebida por caminhoneiros

A publicação da nota apaziguadora de Bolsonaro veio horas depois de uma reunião que o presidente da República com líderes caminhoneiros. E a reação foi negativa tão logo o conteúdo foi lido e digerido por líderes caminhoneiros. A sensação de lideranças da categoria foi definida em um grupo como "decepção" e "traição" por alguns.

Ainda na manhã desta quinta, a Gazeta do Povo informou que alguns líderes esperavam não mais discursos de Bolsonaro, mas, sim, "ações concretas" contra ministros do STF, ainda que uma defesa enfática à tramitação de pedidos de impeachment de magistrados.

Os caminhoneiros entregaram a Bolsonaro sua pauta de reivindicações para por fim aos bloqueios em rodovias pelo país, que contém demandas como impeachment de ministros do STF, o voto impresso auditável e a absolvição de "presos políticos". A expectativa do presidente da República é que, com o reposicionamento de forças com o Centrão, ele consiga atender à demanda de revogação de prisões, como a do caminhoneiro "Zé Trovão", de Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, e do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ).

O problema é que os líderes caminhoneiros estão irredutíveis e prometem não desmobilizar enquanto eles também não sejam recebidos pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e tenham garantias de que a tramitação de impeachment de ministros seguirá adiante.

Parte dos líderes que coordena e estimula a paralisação de parte da categoria entende que o presidente, de fato, não deve emitir posicionamento favorável ao movimento. "O presidente está muito preocupado com a situação, é lógico, pediu para que nós não continuássemos, mas o movimento não é dele, é nosso, é do povo brasileiro. Nem o presidente está acima desse movimento para falar", afirma o líder Odilon Fonseca, que esteve reunido com Bolsonaro.

Outros líderes favoráveis à paralisação e que, agora, se sentem traídos, sinalizam adesão à reunião de 18 de setembro para discutir uma greve nacional calcada em pautas da categoria com outras lideranças contrárias ao atual movimento. Ou seja, a nota de Bolsonaro pode provocar um efeito colateral ao governo, avaliam líderes. "A pauta vai inverter, não será mais a favor do presidente", afirma um líder.

O líder caminhoneiro Janderson Maçaneiro, o "Patrola", concorda que a reunião de 18 de setembro sai fortalecida, embora avalie que a nota é coerente com o posicionamento adotado por Bolsonaro. "O presidente não chamou o caminhoneiro para as ruas ou pediu paralisação. Quem fez isso foi o Zé Trovão quando se viu acuado. De toda a forma, o que aconteceu hoje fortalece a reunião de 18 de setembro. Aquilo que nós decidirmos e propusermos será olhado de outra forma", avalia.

O deputado Bibo Nunes, que participou da reunião com os caminhoneiros, entende que a mudança no tom de Bolsonaro não provocará efeitos negativos ao governo e tampouco causará desconforto aos transportadores autônomos. Segundo o parlamentar, a categoria sabe que ele, enquanto presidente da República, precisa buscar a harmonia entre os poderes e não pode apoiá-los nas pautas.

"A nota tem tudo a ver com a reunião. O presidente ouviu eles e pediu: 'olha, vamos segurar aí porque pode prejudicar a economia'. Mas eles falaram: 'nossa bronca não é com o senhor, o senhor tem nosso total apoio. Nossa briga é com o STF'", afirma Nunes, que minimiza o sentimento de desconforto entre alguns líderes. "Os radicais existem, mas não tem o nosso apoio. É momento de razão e não de emoção. Falei isso na reunião", destaca.

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