As invasões do Movimento do Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em dez meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já são mais numerosas que as registradas em todo o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Lula não só está ignorando o fato como tem procurado formas de agradar os sem terra e atender suas exigências.
Entre os anos de 2019 e 2022, durante o governo Bolsonaro, foram registradas 62 invasões de terras no Brasil. Já no governo Lula, 61 casos foram registrados somente entre janeiro e julho do ano de 2023, de acordo com levantamento elaborado pela Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O Estudo não levou em conta o segundo semestre deste ano, mas desde agosto a Gazeta do Povo mapeou pelo menos outras 9 invasões.
Lula não repreende as ações nem ao menos verbalmente. Pelo contrário, tenta encontrar formas de agradar os integrantes do movimento. O afago mais recente é um "Caderno de Respostas ao MST", que além de dar satisfações sobre políticas públicas fornece material de inteligência que pode ser útil no planejamento de futuras invasões. Ele inclui listas de áreas onde haveria evidências de crimes ambientais e trabalho escravo (usados como argumento para invasões), fazendas tomadas por dívidas e áreas públicas da União.
O "Caderno de Respostas ao MST" foi distribuído aos líderes do movimento em um ato realizado em comemoração ao Dia Mundial da Alimentação, em 16 d eoutubro deste ano.
Sob a responsabilidade da Secretaria-Geral da Presidência da República, e em parceria com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), o documento, que tem mais de 160 páginas. Além dos dados de inteligência, ele reúne as reivindicações do MST e dá retorno sobre cada uma delas. O mesmo tratamento, no entanto, não vem sendo dado às pautas que dizem respeito aos principais afetados pelas ações do MST: os produtores rurais.
Caderno de respostas aponta rumos do governo no atendimento ao MST
O caderno de respostas ao MST é dividido em 3 eixos: acesso à terra; desenvolvimento econômico e estrutural nas áreas de Reforma Agrária e desenvolvimento integral e reforma agrária como eixo de humanização e melhoria da qualidade de vida. De acordo com o próprio documento, o “Caderno de Respostas consiste em receber a pauta de reivindicação dos movimentos, dar tratamento adequado às demandas propostas, distribuir para todos os Ministérios afins com prazo determinado de retorno e, por fim, sistematizar e entregar ao movimento solicitante”.
Dentre as respostas, o documento lista a situação de cada uma das "105 áreas emblemáticas de acampamentos" do MST, em 23 estados. Traz ainda as ações do governo que promoveram avanços na pauta da aquisição e desapropriação de áreas para reforma agrária, incluindo a listagem de terras públicas da união; áreas em adjudicação; crimes ambientais; áreas com comprovação de trabalho análogo a escravidão. Apesar dessas listas serem uma forma do governo dizer que está fazendo algo, elas servem de dados de inteligência para o MST, que pode decidir invadir áreas listadas para tentar acelerar o processo.
A maioria das demandas mencionadas no documento é respondida pelo governo com a edição de decretos que são favoráveis ao MST, tais como o de número 11.637/2023. O relatório final da CPI do MST, que investigou as ações dos sem terra neste ano, elenca esse decreto entre as medidas que contribuem para o retrocesso do programa de reforma agrária.
De acordo com o relator da CPI do MST, Ricardo Salles, o decreto permite a ilegal titulação coletiva. "Com essa medida, o MST, e não mais os assentados, passará a ser o dono das áreas desapropriadas ou compradas pelo INCRA", disse.
Outro ponto ressaltado por Salles é que o decreto estabelece prioridade nos programas de reforma agrária para sem terra que invadiram uma área e se encontram acampados. Em teoria, isso estimula mais integrantes do movimento a optar pelas ações violentas ao invés de esperar a reforma agrária.
Agrados de Lula não deixaram invasores de terras totalmente satisfeitos
Apesar das respostas oferecidas pelo governo, o movimento demonstrou que deve permanecer com as cobranças. Em avaliação do documento, um dos integrantes do MST responsável pelo setor de produção, Diego Moreira, disse que seguirão cobrando o assentamento de 65 mil famílias que, de acordo com o movimento, aguardam pela reforma agrária.
"Consideramos o Caderno de Respostas uma metodologia valiosa. No entanto, após o seu recebimento é necessário analisar minuciosamente cada ponto. Por exemplo, no que diz respeito à questão da terra é preciso estabelecer um cronograma e um plano de trabalho para assentar as 65 mil famílias acampadas", disse Moreira em entrevista para o site oficial do MST.
Além do documento, em três reuniões consecutivas integrantes do MST foram recebidos pelos ministros do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, da Casa Civil, Rui Costa, da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macedo, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Agronegócio não recebe tratamento semelhante ao do MST em suas pautas
Conduta semelhante, no entanto, não vem sendo verificada nas demandas que dizem respeito ao agronegócio brasileiro. Ao contrário do MST, a bancada do agronegócio vem tendo que lidar com uma série de revezes neste governo. Especialmente no que diz respeito ao direito à propriedade e à insegurança jurídica, deputados e senadores tiveram que apelar à obstrução de pautas no Congresso para tentar frear as investidas contra o agronegócio.
Ainda assim, viram o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar a inconstitucionalidade da tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas ao mesmo tempo em que o presidente Lula vetou boa parte do projeto de lei aprovado pelo Congresso sobre o mesmo tema.
Além disso, recentemente o ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, mencionou a possibilidade de adjudicação (tomada) de terras de devedores para a criação de assentamentos rurais. A fala foi recebida como uma ameaça ao direito de propriedade e motivou a reação da oposição. Uma publicação do ex-presidente Jair Bolsonaro classificou a fala do ministro como uma medida de “expropriação de terras”.
O setor do agronegócio acumula ainda uma série de promessas feitas pelo governo Lula que não vêm sendo cumpridas. Na última semana, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR) criticou o governo, em entrevista coletiva, devido à recusa do Ministério da Fazenda em suplementar os recursos para o seguro rural. “Infelizmente, não há muita surpresa. Vimos na semana passada um anúncio político dessa verba e agora a negativa desse volume. Essa é mais uma das promessas e compromissos desse governo com o nosso setor que não foram cumpridos”, disse Lupion.
Por meio de uma nota técnica, o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, solicitou, na segunda semana de outubro para o Ministério da Fazenda, a abertura de crédito suplementar ao Orçamento Geral da União (OGU) no total de R$ 500 milhões para o Seguro Rural. O pedido de suplementação, no entanto, foi negado pelo Ministério da Fazenda. “A promessa foi feita quando eles mesmo já sabiam que não pagariam o seguro rural, tema tão caro para nós e tão necessário principalmente por conta das enchentes no Sul e seca na região Norte”, ressaltou o presidente da FPA.
Colecionando episódios de desgaste com o agronegócio, o governo Lula também protagonizou um embate direto com o setor ao incluir questões enviesadas ideologicamente nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2023. Dentre as questões das provas realizadas no último domingo (5) houve ataques ao agro, associando-o diretamente ao desmatamento e caracterizando-o como vilão. Isso motivou a revolta de representantes do setor e pedidos de cancelamento da prova, bem como afastamento do ministro da Educação.
MST avança com invasões enquanto governo atende reivindicações
A série de afagos ao MST foi iniciada já na transição de governo de Lula, que teve entre seus integrantes alguns membros do movimento. Uma vez no poder, Lula nomeou sem terra para cargos estratégicos do governo.
Apesar do pronto atendimento ao movimento, com os cargos e o intenso diálogo aberto junto aos ministros de Lula, os números de invasões não deram trégua.
Sob esse cenário, em maio, a Câmara dos Deputados instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MST. Dentre as investigações, de acordo com o relatório final da CPI, foram contabilizadas, neste ano, invasões em propriedades rurais públicas ou privadas na Bahia (18), em Goiás (3), em Minas Gerais (2), no Mato Grosso do Sul (5), no Pará (3), no Paraná (1), em São Paulo (12), no Tocantins (3), em Pernambuco (13) e no Espírito Santo (1). O relatório da CPI levou em conta informações compiladas em um levantamento elaborado pela CNA.
Além disso, a partir de agosto, a Gazeta do Povo mapeou pelo menos 9 invasões nos estados de Pernambuco, Ceará, Maranhão, Goiás, Bahia, Santa Catarina e Paraná. É importante salientar ainda que nos casos de invasões como a ocorrida no Paraná, integrantes do MST foram presos por porte ilegal de armas e denunciados por uma série de crimes, dentre eles a privação de liberdade de policiais. Houve ainda um acampamento do MST, montado às margens de uma rodovia no Rio Grande do Sul, que motivou a criação de uma vigília de produtores rurais para proteger suas terras.
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