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Luiz Fux no plenário do STF
Luiz Fux disse que descumprimento de decisões judiciais são práticas “antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis”| Foto: Felippe Sampaio/STF

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, afirmou nesta quarta-feira (8) que a Corte "não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões". "Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso", disse.

O pronunciamento é uma resposta à declaração da terça (7) do presidente Jair Bolsonaro de que vai descumprir qualquer ordem que venha do ministro do STF Alexandre de Moraes, relator de três inquéritos contra ele e também de investigações que atingem apoiadores do presidente. Em discurso na Avenida Paulista, Bolsonaro ainda disse que caberia a Fux enquadrar Moraes, "ou [que] esse Poder [Judiciário] vai sofrer aquilo que não queremos".

As falas foram consideradas inaceitáveis pelos ministros do Supremo, que se reuniram ontem por videoconferência para formular o tom da resposta dada por Fux na sessão desta quarta.

"Ofender a honra dos ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis", disse Fux no plenário.

No início do pronunciamento, ele elogiou as Forças Armadas e a polícia por monitorarem os atos da terça e impedirem qualquer incidente violento. Afirmou que o STF "esteve atento à forma e ao conteúdo" das manifestações a favor do governo – houve protesto massivo contra a Corte, com cartazes pedindo a destituição dos ministros.

Fux pediu "patriotismo" e "respeito às instituições do país". Reconheceu que o dissenso é pressuposto da democracia e que o STF "jamais se negará" ao aprimoramento institucional. "No entanto, a crítica institucional não se confunde – e nem se adequa – com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação", disse.

Pediu atenção a "falsos profetas do patriotismo" que colocam o povo contra as instituições e que "criam falsos inimigos da nação". Depois, avisou que ameaças de fechamento do STF não se concretizarão. "Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem", disse.

Ele terminou o pronunciamento afirmando que o verdadeiro patriota se preocupa com "problemas reais e urgentes do país", mencionando em seguida a pandemia, o desemprego, a inflação e a crise hídrica.

Aras defende respeito às instituições

Após o discurso de Fux, o procurador-geral da República, Augusto Aras, também se manifestou sobre os atos desta terça (7), pedindo respeito às instituições. "Discordâncias, sejam políticas ou processuais, hão de ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional", afirmou.

"Quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções", disse Aras.

A íntegra do pronunciamento de Fux

"O Brasil comemorou, na data de ontem, 199 anos de sua independência.

Em todas as capitais e em diversas cidades do país, cidadãos compareceram às ruas. O país acompanhou atento o desenrolar das manifestações e, para tranquilidade de todos nós, os movimentos não registraram incidentes graves.

Com efeito, os participantes exerceram as suas liberdades de reunião e de expressão – direitos fundamentais ostensivamente protegidos por este Supremo Tribunal Federal.

Nesse ponto, é forçoso enaltecer a atuação das forças de segurança do país, em especial as Polícias Militares e a Polícia Federal, cujos membros não mediram esforços para a preservação da ordem e da incolumidade do patrimônio público, com integral respeito à dignidade dos manifestantes.

Destaque-se, por seu turno, o empenho das Forças Armadas, dos governadores de Estado e dos demais agentes de segurança e de inteligência pública, que monitoraram em tempo real todas as manifestações, permitindo assim o seu desenrolar com ordem e paz.

De norte a sul do país, percebemos que os policiais e demais agentes atuaram conscientes de que a democracia é importante não apenas para si, mas também para seus filhos, que crescerão ao pálio da normalidade institucional que seus pais contribuíram para manter.

Este Supremo Tribunal Federal também esteve atento à forma e ao conteúdo dos atos realizados no dia de ontem. Cartazes e palavras de ordem veicularam duras críticas à Corte e aos seus membros, muitas delas também vocalizadas pelo Senhor Presidente da República, em seus discursos em Brasília e em São Paulo.

Na qualidade de chefe do Poder Judiciário e Presidente do Supremo Tribunal Federal, em nome do colegiado, impõe-se uma palavra de patriotismo e de respeito às instituições do país.

Nós, Ministras e Ministros do STF, sabemos que nenhuma nação constrói a sua identidade sem dissenso. A convivência entre visões diferentes sobre o mesmo mundo é pressuposto da democracia, que não sobrevive sem debates sobre o desempenho dos seus governos e de suas instituições.

Nesse contexto, em toda a sua trajetória nesses 130 anos de vida republicana, o Supremo Tribunal Federal jamais se negou – e jamais se negará – ao aprimoramento institucional em prol do nosso amado país.

No entanto, a crítica institucional não se confunde – e nem se adequa – com narrativas de descredibilização do Supremo Tribunal e de seus membros, tal como vem sendo gravemente difundidas pelo Chefe da Nação.

Ofender a honra dos Ministros, incitar a população a propagar discursos de ódio contra a instituição do Supremo Tribunal Federal e incentivar o descumprimento de decisões judiciais são práticas antidemocráticas, ilícitas e intoleráveis, em respeito ao juramento constitucional que fizemos ao assumirmos uma cadeira na Corte.

Infelizmente, tem sido cada vez mais comum que alguns movimentos invoquem a democracia como pretexto para a promoção de ideais antidemocráticos.

Estejamos atentos a esses falsos profetas do patriotismo, que ignoram que democracias verdadeiras não admitem que se coloque o povo contra o povo, ou o povo contra as suas instituições.

Todos sabemos que quem promove o discurso do “nós contra eles” não propaga democracia, mas a política do caos. Em verdade, a democracia é o discurso do “um por todos e todos por um, respeitadas as nossas diferenças e complexidades”.

Povo brasileiro, não caia na tentação das narrativas fáceis e messiânicas, que criam falsos inimigos da nação. Mais do que nunca, o nosso tempo requer respeito aos poderes constituídos. O verdadeiro patriota não fecha os olhos para os problemas reais e urgentes do país.

Pelo contrário, procura enfrentá-los, tal como um incansável artesão, tecendo consensos mínimos entre os grupos que naturalmente pensam diferentes. Só assim é possível pacificar e revigorar uma nação inteira.

Imbuído desse espírito democrático e de vigor institucional, este Supremo Tribunal Federal jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções.

Os juízes da Suprema Corte – e todos os mais de 20.000 magistrados do país – têm compromisso com a sua independência, assegurada nesse documento sagrado que é a nossa Constituição, que consagra as aspirações do povo brasileiro e faz jus às lutas por direitos empreendidas pelas gerações que nos antecederam.

O Supremo Tribunal Federal também não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões. Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do Chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar um atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional. Num ambiente político maduro, questionamentos às decisões judiciais devem ser realizados não através da desobediência, não através da desordem, e não através do caos provocado, mas decerto pelos recursos, que as vias processuais oferecem.

Ninguém, ninguém fechará esta Corte. Nós a manteremos de pé, com suor, perseverança e coragem. No exercício de seu papel, o Supremo Tribunal Federal não se cansará de pregar fidelidade à Constituição e, ao assim proceder, esta Corte reafirmará, ao longo de sua perene existência, o seu necessário compromisso com o regime democrático, com os direitos humanos e com o respeito aos poderes e às instituições deste país.

Em nome das Ministras e dos Ministros desta Casa, conclamo os líderes do nosso país a que se dediquem aos problemas reais que assolam o nosso povo: a pandemia, que ainda não acabou e já levou 580 mil vidas brasileiras.

Devemos nos preocupar com o desemprego, que conduz o cidadão ao limite da sobrevivência biológica; a inflação, que corrói a renda dos mais pobres; e a crise hídrica, que se avizinha e que ameaça a nossa retomada econômica.

Esperança por dias melhores é o nosso desejo e o desejo de todos. Mas continuamos firmes na exigência de narrativas e comportamentos verdadeiramente democráticas, à altura do que o povo brasileiro almeja e merece.

Não temos mais tempo a perder."

A íntegra do discurso de Augusto Aras

"Acompanhamos ontem uma festa cívica, com manifestações pacíficas, que ocorreram hegemonicamente de forma ordeira pelas vias públicas do Brasil.

As manifestações do 7 de setembro foram uma expressão de uma sociedade plural e aberta, característica de um regime democrático. Após longo período de distanciamento social, a vacinação já possibilita que concidadãos reúnam-se pacificamente para manifestarem-se.

A voz da rua é a voz da liberdade e do povo. Mas não só. A voz das instituições, que funcionam a partir das escolhas legítimas do povo e de seus representantes, também é a voz da liberdade.

Como previsto na Constituição Federal de 1988 e em nosso sistema de leis, discordâncias, sejam políticas ou processuais, hão de ser tratadas com civismo e respeitando o devido processo legal e constitucional.

Mencionando a lição do Ministro Marco Aurélio, “o devido processo é a liberdade em seu sentido maior”.

O próprio povo brasileiro, em 1988, outorgou-nos a Constituição, chamada de democrática, que é o nosso consenso possível e que todos juramos observar e proteger.

Então, como previsto na Constituição Federal de 1988 e no ordenamento jurídico erigido a partir dela, quando discordâncias vão para além de manifestações críticas, merecendo alguma providência, hão de ser encaminhadas pelas vias adequadas, de modo a não criarem constrangimentos e dificuldades, quiçá injustiças, ao invés de soluções.

Eis o primado do devido processo em face do voluntarismo: construir decisões legítimas, respeitáveis, sólidas, ainda que não sejam unânimes. O Ministério Público brasileiro, como instituição constitucional permanente, segue trabalhando pela sustentação da ordem jurídica e democrática, pois não há estabilidade e legitimidade fora dela.

Dentre os alicerces do constitucionalismo moderno está o da divisão, ou separação, das estruturas de exercício do poder estatal. Esse princípio está nas raízes do constitucionalismo, presente nas experiências históricas que insurgiram contra o absolutismo e culminaram no surgimento do Estado de Direito, diga-se, Estado da segurança jurídica, Estado da verdade e da memória.

Aristóteles e John Locke distinguiram as funções estatais, mas coube a Montesquieu, na clássica obra 'O Espírito das Leis', publicada em 1748, teorizar o princípio da divisão (ou separação) de poderes, demonstrando a necessidade de fragmentar o exercício do Poder do Estado em diferentes estruturas orgânicas e funcionais, de modo a proteger a liberdade dos cidadãos.

O princípio da Separação de Poderes foi acolhido na Constituição Americana de 1787, na Constituição Francesa de 1791, e tornou-se verdadeiro dogma da Ciência Política e do Direito Constitucional, a ponto de se dizer que não há verdadeiramente Estado Constitucional sem a adoção, formal e material, desse princípio.

No Brasil, a separação e a harmonia entre os Poderes foi adotado desde os projetos da Constituição do Império.

Integra a nossa história constitucional, sendo um dos marcos estruturantes da nossa República. Tamanha é sua importância, que o Professor Paulo Bonavides, em seu 'Curso de Direito Constitucional', coloca o princípio da Separação de Poderes como a 'garantia máxima da Constituição democrática, liberal e pluralista'.

O saudoso professor, cearense nascido na Paraíba, destaca que esse princípio é um “emblema de resistência a poderes autocráticos e a formas de governo havidas por usurpadoras de direitos e garantias fundamentais da pessoa humana”.

A independência entre os Poderes pressupõe harmonia. Sem esta, o equilíbrio transfigura-se em conflito permanente. Essa harmonia, que pregava John Jay, há de ser buscada por todos, e exige institucionalidade nas medidas e recursos próprios, e no devido tempo.

Não podemos desprezar os recursos e ferramentas da institucionalidade – o devido processo legal, o devido processo legislativo, o devido processo administrativo. Por meio dessas vias formais do nosso Estado Democrático de Direito, assegura-se que as minorias tenham voz e meios contra os excessos da maioria, e também que os direitos da maioria sejam preservados no processo decisório inerente às democracias representativas ou diretas.

A Democracia é um grande concerto de interesses. É o governo dos contrários, mas também do possível. É, mediante o diálogo --- com discordâncias, mas sem discórdias ---, um caminho para a paz, por meio do consenso social.

Nós amamos a Democracia, pois nela floresce a liberdade, com a qual tantos sonharam, e pela qual tantos se sacrificaram. É na Democracia que mulheres e homens livres realizam-se em sua existência. Reafirmamos que, juntos, trabalhando por uma sociedade livre, justa e solidária, aperfeiçoaremos a nossa democracia.

Afinal, como bem disse o Dr Ulysses Guimarães, na data da promulgação da nossa Constituição de 1988: 'A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca!'

O titular do poder constituinte, o povo brasileiro, por meio de seus legítimos representantes, tem sabido, dentro da institucionalidade, superar os desafios e crises que se impuseram ao Brasil desde 1988.

O Ministério Público brasileiro atua e atuará para que, com diálogo, independência e harmonia, continuemos a perseverar nesse percurso de engrandecimento do nosso Brasil.

Muito obrigado."

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