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Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão no TSE
Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, durante cerimônia de diplomação no TSE, em dezembro de 2018| Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

Não é só o novo inquérito aberto no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para investigar críticas às urnas eletrônicas, que poderá tirar o sono do presidente Jair Bolsonaro neste segundo semestre de 2021. O mesmo ministro que vai conduzir essa apuração, Luís Felipe Salomão, que é o corregedor-geral da Justiça Eleitoral, também deve, a partir de agora, aprofundar outra investigação, ainda em andamento, relativa a duas ações do PT que buscam cassar o atual mandato do presidente e do vice, Hamilton Mourão.

No início do mês passado, ao encerrar o inquérito dos chamados “atos antidemocráticos”, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), mandou compartilhar parte do inquérito dos atos antidemocráticos com o TSE, para dar sobrevida às ações de cassação. No último dia 4, após receber o material, Salomão pediu ao ministro mais informações e provas "que possam vir a interessar" para o julgamento final do caso, ainda sem data para ocorrer.

A Gazeta do Povo consultou os processos e apurou junto ao TSE que há pressa para julgar as ações, que tramitam desde 2018. Até o momento, a avaliação da defesa do presidente e da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) é que não existem provas robustas para uma condenação e a punição com a perda do mandato.

Ainda neste mês, Salomão deverá analisar o material enviado por Moraes. Também pretende reunir sua equipe com assessores do ministro do STF para avaliar sua pertinência com as acusações apresentadas pelo PT. Na sequência, vai abrir prazo para a defesa de Bolsonaro manifestar-se. Depois, o objetivo é prosseguir para o julgamento.

As ações, quase idênticas, acusam Bolsonaro e Mourão de abuso de poder econômico na campanha de 2018, por supostamente mobilizarem empresários para bancar, fora da contabilidade oficial, o disparo em massa de mensagens de WhatsApp contra o então candidato do PT Fernando Haddad.

Os próprios ministros do TSE, porém, reconhecem que não ainda foram encontrados elementos concretos para sustentar a suspeita: nunca foi apresentado o conteúdo dessas mensagens nem a comprovação do efetivo envio delas para os eleitores. Também não foram achados indícios de pagamento do serviço por empresários por meio de caixa 2.

Essa conclusão ficou assentada no julgamento, em fevereiro, de duas ações muito semelhantes às do PT, mas apresentadas pelo PDT. Por unanimidade, os sete ministros da Corte Eleitoral arquivaram essas ações.

“O conjunto probatório produzido descortinou-se deveras frágil, não tendo a coligação representante trazido aos autos uma única prova da existência das mensagens com conteúdo falso. A autora também não foi capaz de demonstrar, sequer de forma inicial, a existência de relação jurídica entre a campanha de Jair Bolsonaro ou apoiadores desse último e as empresas de publicidade que teriam realizado os disparos em massa […] A cassação de um mandato requer a demonstração evidente do ilícito e de sua repercussão e/ou alcance, pois meras ilações não autorizam a mencionada sanção”, diz o acórdão do julgamento.

De lá para cá, nada havia sido acrescentado às duas ações que restaram, do PT. Em maio, Luis Felipe Salomão chegou a enviar cópia das ações para Moraes, consultando-o sobre a “pertinência temática” delas com o inquérito das fake news, semelhante ao do atos antidemocráticos. Pediu perícias das buscas e apreensões e quebras de sigilo da investigação.

O que surgiu de novo

Sem responder diretamente a essas questões, Moraes enviou em julho ao TSE uma cópia do inquérito dos atos antidemocráticos. Na decisão, determinou a remessa de um documento específico da investigação: o Relatório de Análise de Material Apreendido (RMA) 01/2020, produzido pela Polícia Federal em julho do ano passado (leia abaixo a íntegra desse documento, a partir da página 12).

Trata-se de uma descrição de arquivos digitais encontrados em dois discos rígidos apreendidos em junho de 2020 com o empresário Otávio Fakhoury. Dois deles chamaram a atenção dos agentes. O primeiro é um aditivo contratual, elaborado em maio de 2019, para elevar o valor de locação de um imóvel do empresário alugado pela Petrobras. O valor subiu de R$ 30 mil para R$ 150 mil, com pagamentos retroativos a 2017.

O segundo arquivo, esse sim diretamente ligado à eleição de 2018, continha orçamentos e notas fiscais da compra de materiais de propaganda eleitoral para Bolsonaro. Segundo a PF, os papéis atestaram que, em outubro daquele ano, Fakhoury pagou R$ 53,3 mil a gráficas de João Pessoa e Natal para a impressão de 560 mil panfletos e adesivos.

Na conclusão do inquérito dos atos antidemocráticos, Moraes afirmou que é preciso apurar se, “de alguma forma”, os valores cobrados por Fakhoury da Petrobras serviram para financiar a campanha eleitoral ou bancar "notícias falsas" e "ataques às instituições democráticas".

O que dizem as partes sobre a investigação do TSE

Para a defesa de Bolsonaro, essas suspeitas — relacionadas a material impresso de campanha — não têm qualquer relação com as acusações ligadas aos disparos por WhatsApp.

“A ação contra o presidente e o vice-presidente deve se limitar aos fatos mencionados na inicial, conforme jurisprudência firmada pelo próprio TSE na caso Dilma/Temer. A lei não permite a inclusão de novas provas sobre acusações diferentes da denúncia original”, afirmou à Gazeta do Povo a advogada Karina Kuffa, que defende Bolsonaro nas ações.

Posição semelhante foi adotada em agosto do ano passado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, que participa do caso. Na época, o PT queria incluir nos processos um relatório do Facebook que apontava perfis falsos ligados a assessores da família Bolsonaro que foram banidos da plataforma.

Esse material havia sido incorporado por Alexandre de Moraes aos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. Mas, segundo a PGE, ele não tinha relação com a acusação dos supostos disparos de mensagens com ataques ao PT pelo WhatsApp na campanha de 2018.

“Em razão de a diligência pleiteada pela representante referir-se à coleta de elementos fáticos que não dizem respeito à causa de pedir exposta na inicial, a implicar alteração objetiva da lide, o deferimento do requerimento encontra-se inviabilizado”, escreveu, em parecer, o então procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes.

O advogado Marcelo Schmidt, do escritório Aragão e Ferrara, que cuida do caso no TSE, informou que ainda não analisou o material enviado por Moraes. Disse, no entanto, que o fato de o ministro ter compartilhado o inquérito indica que ele vê nele elementos que podem influenciar a decisão do tribunal.

"Se serão suficientes, não temos segurança, porque não conhecemos, e não podemos sequer comentar", disse à Gazeta do Povo. O advogado defende, no entanto, que o relator Luis Felipe Salomão, antes de levar o caso a julgamento, admita a incorporação de eventuais provas que, em sua visão, ainda podem surgir em outros órgãos de investigação, como a CPMI das Fake News, na Polícia Federal e no Ministério Público Eleitoral.

Ele diz que, apesar disso, não há intenção de arrastar o processo. "O interesse não é prolongar, mas instruir com todos os elementos. Não queremos que o tribunal se debruce sem todos os elementos, que estão eventualmente disponíveis em outros órgãos."

A defesa de Bolsonaro diz que o material do STF não tem provas e que a ação já deveria ter sido julgada. “Em termos estritamente legais, não vemos qualquer possibilidade de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão. Não existem provas sobre eventual caixa dois para impulsionamento de WhatsApp, como adversários do governo alegam”, afirma Karina Kuffa.

“Entendemos também que esta ação já deveria ter sido julgada. O artigo 97-A, da lei 9.504/07 [que estabelece normas para as eleições], deixa claro que julgamento para este tipo de demanda deve ocorrer no máximo um ano após da apresentação da ação à Justiça Eleitoral. Qualquer conclusão fora do que está previsto, é mero exercício de especulação política, um jogo da oposição", acrescentou.

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