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Policiais militares de São Paulo.
Policiais militares de São Paulo.| Foto: Eduardo Saraiva/A2img/Governo de SP

Desde a semana passada, cresceu entre governadores a apreensão sobre a participação de policiais militares na manifestação a favor do governo marcada para o próximo dia 7 de setembro, feriado de Independência. Associações que reúnem praças e oficiais, no entanto, descartam a possibilidade de paralisações ou motins. Mas, por outro lado, defendem que eles possam participar dos atos à paisana, caso não estejam em serviço – atividade que, no entendimento do Ministério Público é proibida por lei no caso de PMs da ativa.

A Gazeta do Povo ouviu algumas lideranças para saber qual o motivo da participação de policiais nas manifestações e se realmente faz sentido o temor de parte dos governadores de algum tipo de rebelião, especialmente depois que alguns PMs, a maioria da reserva, incentivou a participação com o discurso de enfrentamento a outros Poderes. Esses policiais entendem que parte do Supremo Tribunal Federal e do Congresso estariam travando a governabilidade de Bolsonaro.

O caso mais notório foi o de Aleksander Lacerda, coronel da Polícia Militar de São Paulo. Ele foi afastado pelo governador João Doria do Comando de Policiamento do Interior-7 (CPI-7), abaixo do qual estão sete batalhões, com mais de 5 mil homens que atuam em 78 municípios da região de Sorocaba. Motivo: postagens em redes sociais convidando "amigos" para o ato em favor de Bolsonaro.

O policial chamou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), de “covarde”, por rejeitar o pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Em outro post, retratou Doria em trajes femininos junto com os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-PA), Humberto Costa (PT-PE) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Todos foram chamados por Aleksander Lacerda de “cepas indianas prontas para acabar com o Brasil”.

O coronel postou ainda que o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, recém-nomeado secretário de Projetos e Ações Estratégicas de São Paulo, é beneficiário de um esquema "mafioso".

Em 5 de agosto, em outra publicação em suas redes sociais, escreveu: “Sinto nojo do STF”. E em 16 de agosto, afirmou: “Liberdade não se ganha, se toma. Dia 7/9 eu vou”; e “Precisamos de um tanque, não de um carrinho de sorvete”. Sobre o dia 7 de Setembro, compartilhou a mensagem: “caldo vai esquentar”.

Também chamou a atenção a convocação para o ato, feita na redes, pelo coronel da reserva Ricardo Augusto Nascimento de Mello Araújo, atual presidente da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), estatal vinculada ao Ministério da Economia, e apoiador ferrenho de Bolsonaro. Em vídeo, chamou "veteranos" para ajudar o presidente no dia 7.

“A Polícia Militar do estado de São Paulo participou dos principais movimentos do nosso país. Já lutamos em Canudos, as revoluções, 32, 64, sempre estivemos presentes. Não podemos nesse momento, em que o país passa por essa crise, que nós percebemos o comunismo querendo entrar, de forma lenta, trabalhada, ao longo dos anos, eles vêm implantando, mudando o ensino, querendo entrar no nosso país. Eu vejo que nós, Polícia Militar de São Paulo, a força pública, nós devemos nos unir. E no dia 7 de setembro, todos os veteranos da polícia de São Paulo, estar presente na avenida Paulista”, disse na gravação.

Outro policial que convocou colegas para os atos foi o coronel da PM paulista Homero de Giorge Cerqueira, ex-presidente do ICMBio, um órgão do governo federal. “7 de setembro deveremos estar na Paulista em apoio ao nosso presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. São Paulo recebe os piores salários de toda a Federação. Assim, como coronel da PM SP, convoco os veteranos a participar. Basta a essas ilegalidades”, disse o coronel, em vídeo publicado nas redes sociais.

Na capital paulista, um dos pontos de partida da manifestação dos policiais será na sede da Rota – um dos batalhões de elite da PM de São Paulo. Apesar do convite a veteranos da reserva, há expectativa que policiais da ativa que não estiverem em serviço compareçam à paisana e desarmados.

Como está a mobilização de policiais em outros estados

Governadores de outros estados, especialmente de partidos de oposição a Bolsonaro, também tentam garantir o controle de suas tropas para impedir atos de insubordinação nas PMs. Isso ficou claro recentemente, quando eles se reuniram em Brasília e pediram, sem sucesso, uma reunião com Bolsonaro.

No encontro, foram lembrados dois episódios: a paralisação de policiais em março de 2019, no Ceará, estado governado por Camilo Santana (PT); também a reação violenta de policiais, em maio deste ano, em Pernambuco, a manifestantes de rua que protestavam contra Bolsonaro nas ruas de Recife. Pernambuco é governado por Paulo Câmara (PSB)

No primeiro episódio, Bolsonaro disse que o movimento foi apenas uma "greve" e não um "motim" – a paralisação ficou marcada por um distúrbio em Sobral (CE), onde o senador Cid Gomes (PDT) foi atingido por dois tiros quando avançou sobre policiais com uma retroescavadeira. No segundo episódio, deste ano, em Recife, uma vereadora do PT levou um jato de spray de pimenta no rosto, ao se aproximar de uma viatura.

Um alerta soou no último dia 23, quando o coronel da reserva Davi Azim, do Corpo de Bombeiros do Ceará, divulgou vídeo chamando militares da reserva para Brasília para "adentrar ao STF e ao Congresso". “Queremos entrar na paz, mas, caso haja reações, aí, sim, nós vamos ter que enfrentar, mesmo com a força, porque o que tiver lá para nos impedir, nós poderemos atropelá-los [...] Temos que tomar atitudes severas. O povo forçará com isso a ação do nosso presidente e das Forças Armadas", disse Azim, que ainda falou em entregar parlamentares e ministros do STF para serem julgados pela Justiça Militar. "Aí, sim, eu digo que será a nossa vitória", disse no vídeo.

No mesmo dia, também causou apreensão entre governadores uma nota da Associação Nacional dos Militares Estaduais do Brasil. Nela, o presidente da entidade, o coronel da reserva Marcos Antônio Nunes de Oliveira, afirmou que as forças policiais não servem a objetivos políticos de governadores, ressaltando que elas são auxiliares do Exército – missão dada, no entanto, em caso de guerra contra invasores externos.

Lideranças descartam motins e apontam pautas

Apesar de todas essas manifestações, líderes representativos dos policiais descartam qualquer possibilidade de motim ou paralisações, ainda que admitam insatisfação da categoria com alguns governadores.

"A PM tem histórico de dois séculos de disciplina, de lealdade aos seus estados, ao povo brasileiro. Nunca haverá motim ou apoio à invasão do Supremo, por exemplo. Acho que quem diz que isso pode ocorrer quer é manchar a imagem da PM. Temos histórico de compromisso com a população; já servimos governos de esquerda, de direita e de centro, e nunca demonstramos nenhum tipo de indisciplina", afirmou à Gazeta do Povo o deputado Capitão Augusto (PL-SP), presidente da Frente de Segurança Pública da Câmara e que fez carreira na PM paulista.

Questionado sobre o motivo da participação de policiais, ele responde que é apenas para apoiar Bolsonaro. "A gente quer demonstrar apoio ao Bolsonaro, por causa de decisões do STF, do próprio Congresso, dificultando o governo. Estão jogando contra", diz. "O Supremo nitidamente colocou o Lula no jogo novamente, com anulações da Lava Jato. O Congresso está dominando as pautas, com a CPI da Covid, que já está extrapolando. E também tem o inquérito das fake news, com perseguição sobre conservadores", diz o deputado.

Capitão Augusto diz que dois fatos recentes podem potencializar ainda mais a participação de policiais: em São Paulo, a própria decisão de Doria de afastar o coronel Aleksander Lacerda; e, em todo o país, a tentativa de deputados de aprovar, no novo Código Eleitoral, uma quarentena para que policiais não possam se candidatar a cargos eletivos antes de completarem cinco anos de exoneração de seus cargos nas corporações.

Para boa parte da categoria, o afastamento de Lacerda foi exagerado e arbitrário. "Emitir opinião política tem vedação, mas é transgressão leve. Ele não teve o direito de defesa, e nem se sabe se aquele é o Facebook dele ou não. É desproporcional. Quer punir? Instaura-se procedimento e, no final, dá advertência. Agora, sem direito à defesa, exonera do cargo, um policial com mais de 30 anos de bons serviços prestados? Doria jogou isso no lixo", diz Capitão Augusto.

Boa parte da insatisfação com Doria também ocorre porque o governador não cumpriu a promessa de campanha de elevar o salário dos 90 mil policiais do estado. O apoio a Bolsonaro, por outro lado, está na promessa do presidente de editar uma medida provisória para que a Caixa libere uma linha de crédito para financiar imóveis com juros mais baixos para policiais de todo o país.

Em relação à proposta de quarentena eleitoral, o deputado diz que é um claro ataque aos conservadores. "Vai inflar ainda mais os ânimos. A esquerda defende marginal e a gente [policiais] vai contra as bandeiras que a esquerda defende. Isso também com magistrados e Ministério Público, porque a gente anda junto contra os bandidos", disse.

MP afirma que participação de policiais em atos políticos é ilegal

Uma controvérsia sobre a manifestação é a participação de policiais da ativa que, por lei, não podem se envolver em atos políticos. Associações de policiais defendem a possibilidade de participação, desde que eles não estejam em serviço e compareçam à paisana, desarmados e sem qualquer demonstração de que representem a PM.

"Uma coisa é ser da ativa, outra coisa é estar em serviço. O policial é da ativa, mas está de folga. Não pode colocar sua calça jeans e manifestar como qualquer cidadão?", questiona o coronel da reserva da PM de São Paulo Elias Miler da Silva, diretor de assuntos legislativos da Federação Nacional das Entidades dos Oficiais Militares Estaduais (Feneme).

O Ministério Público (MP) considera que qualquer participação de policiais em atos políticos é ilegal, mesmo à paisana. O MP é responsável pelo controle externo da atividade policial.

A Procuradoria do Distrito Federal, por exemplo, já pediu à PM de Brasília esclarecimentos acerca de uma nota, enviada ao site Congresso em Foco, de que a corporação não pretende punir policiais que participem dos atos, desde que não compareçam representando a instituição.

Em São Paulo, o MP também pediu informações sobre a participação de policiais no ato a favor de Bolsonaro. A Corregedoria da PM informou que nenhum policial terá folga no dia, de modo que todo o efetivo no estado seja usado para "reforçar o patrulhamento disciplinar" e, assim, impedir a participação de quem está na ativa.

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