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Suspeita levantada por Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal pode prejudicar ingresso do Brasil na OCDE, segundo chefe anticorrupção da organização.
Suspeita levantada por Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro tentou interferir politicamente na Polícia Federal pode prejudicar ingresso do Brasil na OCDE, segundo chefe anticorrupção da organização.| Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

As acusações do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que levantaram suspeitas sobre uma interferência política do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal, podem ter impacto sobre uma importante meta do atual governo: tornar-se membro da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), informalmente conhecido como "Clube dos Ricos" por reunir um grupo restrito de potências mundiais.

Na quarta-feira (6), o chefe do grupo de trabalho anticorrupção da OCDE, Drago Kos, afirmou em entrevista à Bloomberg que as revelações do ex-ministro podem colocar em risco a candidatura do Brasil a membro pleno do órgão. No começo do ano, o país aumentou suas chances de ingresso na organização ao receber apoio explícito do governo dos EUA.

"Nós queremos ter a certeza absoluta de que o Brasil não está retrocedendo”, disse Kos, que afirmou ainda ter ligado para autoridades brasileiras para se informar sobre a situação.

Uma semana antes, um documento com teor parecido ao das declarações de Kos, supostamente elaborado dentro da OCDE, vazou para diversos veículos de imprensa. A organização não confirmou a veracidade do documento.

Segundo Kos, uma videoconferência será realizada em junho para discutir, entre outros assuntos, a saída de Moro do governo. O tema principal do encontro será a candidatura brasileira, que foi submetida em 2017, ainda no governo Michel Temer.

Como figura importante dentro da OCDE no tema do combate à corrupção, Kos tem influência para fazer com que a organização fique mais atenta ao Brasil nesse quesito. Mas até que ponto isso realmente ameaça a candidatura brasileira à OCDE?

Saída de Moro, por si só, não representa risco, dizem especialistas

Segundo Daniela Alves, especialista em relações internacionais do Ibmec-SP, as declarações de Kos sobre a saída de Moro do governo têm caráter de recomendação, mas não são decisivas sobre o processo de entrada do Brasil na OCDE. Para ela, a fala em que o dirigente da OMS diz esperar que o país não esteja retrocedendo deixa evidente que nenhuma decisão foi tomada.

“Essa fala dele indica que a organização não tomará a decisão levando em conta apenas o fato isolado, mas sim fazendo uma análise global das instituições brasileiras”, afirma Daniela.

Segundo a especialista, o processo de entrada na organização, chamado de "avaliação 360º", leva em conta o sistema político e econômico como um todo. “Não é uma avaliação pontual. É uma avaliação de todos os aspectos da economia brasileira, da política e também dos aspectos jurídicos”, diz.

Ela ressalta que o próprio Kos já fez declarações afirmando que as recomendações da OCDE não têm caráter punitivo nem viés de sanção, e não influenciam a decisão sobre a possível entrada do Brasil como membro pleno da organização.

Para o analista político Carlo Barbieri, o risco de que a decisão tenha influência no processo “é muito pequeno”. Sobre o documento vazado para a imprensa, ele crê que se trata de um documento interno, que não reflete a posição oficial do organismo.

Segundo Barbieri, membros da organização costumam ter suas visões “pessoais, políticas e ideológicas”, mas não se trata, ainda, de “um alerta no nível da direção da organização”.

“Acho que é um documento preparado pela ala burocrática, que sabemos que tem sua posição, que deixou vazar o documento, o que teve, logicamente, uma consequência política, que é o que nós estamos vendo. Mas não representa a opinião de poder decisório”, afirma ele. “Não creio que haja força política suficiente para desestabilizar a perspectiva de entrada do Brasil.”

Moro é símbolo, mas OCDE deve olhar além da crise

Drago Kos afirmou à Bloomberg ter ficado "chocado" com a saída de Sergio Moro do governo. No ano passado, os dois haviam se encontrado em Brasília para discutir medidas anticorrupção adotadas pelo governo brasileiro.

"Quando você vê uma pessoa como Moro deixar o Ministério da Justiça, sabe que algo está terrivelmente errado", disse o dirigente da OCDE. "No Brasil, eu encontrei com policiais, procuradores e especialistas muito qualificados que lidam com casos de corrupção. A pergunta agora é quão livre eles estarão para fazer o seu trabalho”, questionou.

“Ele era um símbolo do combate à corrupção, isso é fato. Mas um organismo como a OCDE não toma decisões focado em símbolos”, reitera Daniela Alves.

Para Barbieri, “os países do mundo ocidental, em geral, não questionam o direito de mudança” de figuras do governo, mas a importância de Moro pode ter algum impacto no que se pensa sobre o Brasil. “A percepção vai depender das ações que forem tomadas pelo governo, particularmente pelo novo ministro, para ver se vai haver continuidade ou não”, diz.

Imagem do Congresso e do STF também é importante

O nível de corrupção no Brasil avaliado pelo grupo de trabalho anticorrupção da OCDE levará em conta não só as ações do poder Executivo, mas também as do Legislativo e do Judiciário. Para Barbieri, as declarações de Kos sobre o Brasil são “um alerta importante” também para o STF e o Congresso.

Daniela lembra que “a OCDE já manifestou em 2019 uma preocupação com o que eles chamaram de possíveis retrocessos no cenário jurídico e político brasileiro”.

Entre esses possíveis retrocessos, a organização mencionou a aprovação da Lei de Abuso de Autoridade pelo Congresso e as decisões do Supremo Tribunal Federal que limitaram a comunicação de auditores fiscais com o Ministério Público Federal e impediram o uso de relatórios de movimentações financeiras em investigações.

Questões econômicas e tributárias contarão mais para a OCDE

Periodicamente, a OCDE faz avaliações dos países candidatos ao ingresso na organização segundo determinados quesitos. A próxima avaliação sobre a aplicação da convenção anticorrupção da organização no Brasil vai ser realizada em dezembro de 2022.

“Eles estão realizando várias reuniões técnicas. A OCDE acompanha periodicamente tudo o que acontece no Brasil”, explica Daniela Alves. “Por enquanto, só algumas recomendações e preocupações serão lançadas pela OCDE, mas o conjunto será nessa avaliação de 2022.”

O combate à corrupção tem relevância, segundo a especialista, mas “o maior peso para a entrada do Brasil na OCDE está ligado a questões econômicas e tributárias”.

Segundo ela, é preciso recordar que o interesse do ingresso do Brasil na OCDE não é unilateral. "Não é o Brasil lutando para entrar na OCDE. A OCDE quer que o Brasil seja membro e, para isso, ele tem que aderir a algumas condições para que, realmente, seja um país forte dentro da organização, e não apenas um membro observador”, diz.

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