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Os obstáculos que Bolsonaro vai enfrentar para privatizar os Correios
| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O anúncio do presidente Jair Bolsonaro de que foi iniciado um estudo sobre a privatização dos Correios abriu caminho para mais um tópico que, assim como a reforma da Previdência e outras medidas de grande impacto no campo econômico, deverá gerar longos embates entre governo e oposição e também motivar ruídos no campo bolsonarista.

Também tende a ser mais uma prova sobre o verdadeiro caráter liberal do governo Bolsonaro, viés que é personificado pelo ministro Paulo Guedes (Economia) e atacado, em algumas ocasiões, pelo próprio presidente da República.

Além disso, o debate também esbarrará no universo judicial, já que tem ligação com uma contenda instalada no Supremo Tribunal Federal (STF) no ano passado e ainda não resolvida.

Tema divide Congresso da mesma forma que a reforma da Previdência

No Congresso Nacional, ao menos em um momento inicial, a discussão sobre a privatização dos Correios deve dividir a casa do mesmo modo do que faz a reforma da Previdência: parlamentares de siglas como PT e PSOL se posicionarão de modo contrário, enquanto a base aliada do governo Bolsonaro e deputados e senadores do campo liberal militarão a favor.

O PT comanda a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Correios, com o deputado federal Leonardo Monteiro (MG). O grupo, que reúne 210 deputados federais e três senadores, tem no combate à privatização uma das suas principais agendas. “Vamos continuar trabalhando na Frente pelo diálogo, em defesa da estatal e seus trabalhadores e na construção de alternativas por um Correios público e de qualidade”, afirmou Monteiro, no ato de lançamento da frente.

Também como no caso da reforma da Previdência, em que a atuação de grupos de servidores públicos se mostra como uma das maiores forças contrárias, os funcionários dos Correios prometem intensificar a luta contra uma eventual privatização. Os sindicatos da categoria já iniciaram mobilização sobre o tema e, no próximo mês, estudam deflagrar uma greve.

Um dos atos previstos para a articulação dos funcionários é o diálogo com clientes dos Correios, tanto nas lojas da empresa quanto na entrega de cartas e encomendas, como explicou a presidente da regional do Distrito Federal da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), Amanda Corsino.

“Nós queremos mostrar à população que a privatização dos Correios será um problema não apenas para os funcionários da empresa, e sim para o país como um todo”, apontou Corsino. Segundo ela, os principais efeitos negativos que uma eventual privatização traria seria o encarecimento dos produtos e uma diminuição de serviços em localidades mais remotas – hoje os Correios estão presentes em todos os municípios do país.

Na mão oposta, o Partido Novo deve figurar entre os defensores da venda da estatal. A sigla tem agenda privatizante e a venda de empresas públicas figurou entre as principais propostas do presidenciável do Novo em 2018, João Amoêdo.

A deputada federal Adriana Ventura (Novo-SP) relata que um dos motivos que a leva a considerar como positiva uma eventual venda dos Correios está nos casos de corrupção que atingiram a estatal nos últimos anos. O mensalão, principal controvérsia do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tornou-se público após o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) se sentir acuado por acusações que pairavam sobre um diretor da estatal, indicado sob sua influência.

Ventura aponta, entretanto, que a privatização isolada dos Correios não resolverá os problemas relacionados à estatal. Para a deputada, a abertura do mercado é uma etapa essencial: “O que nós devemos evitar é sair de um monopólio estatal para cair em um monopólio privado”, diz.

A parlamentar também afirma que a questão da prestação de serviços em cidades menores poderia ser resolvida com a adoção de modelos híbridos da atuação dos Correios, que eventualmente poderiam manter uma fração sob comando estatal.

Em relação à expectativa para a discussão da privatização no Congresso, a deputada disse se preocupar com a atuação de grupos que deteriam interesses “não republicanos” no momento de se contrariar à proposta. “Vão dizer que quem vai pagar a conta é o mais pobre, que alguns específicos vão enriquecer com isso. Não há problema em alguém enriquecer. O problema é se manter uma situação em que todos pagam a conta, especialmente os mais pobres”, disse.

Como no passado

Se a intenção do governo de privatizar os Correios for mesmo levada à frente, o Congresso poderá ter um ambiente semelhante ao vivido durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), quando estatais de grande porte, como Vale e Telebras, foram privatizadas.

À época, a oposição – capitaneada pelo PT – também promoveu mobilizações de grande expressão e pautou o argumento de que as operações prejudicariam a população pobre. O governo, entretanto, triunfou e conseguiu executar a agenda.

O deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que durante o governo de Fernando Henrique Cardoso integrava o PT, identifica semelhanças entre as iniciativas das gestões distintas.

“Tanto naquela época quanto hoje, existe um discurso de tentar emplacar a ideia de que as estatais não funcionam, de que elas só trazem prejuízos ao Brasil. Isso não é verdade. Nós tínhamos uma empresa de telefonia que produzia tecnologia de ponta. Hoje os Correios são uma empresa admirada. O plano do governo, com isso e com a reforma da Previdência, é tentar vender confiança para o mercado internacional”, aponta.

Fogo amigo

À parte os opositores, o governo terá que superar barreiras internas para levar adiante o projeto de vender os Correios.

São obstáculos tanto de ordem técnica como também na esfera política. Os problemas na execução são materializados pela dificuldade que, até o momento, o governo tem tido na tentativa de realizar privatizações. A meta de se arrecadar R$ 20 bilhões com a venda de estatais em 2019 se mostra cada vez mais distante. E as negociações que já estão em curso são, principalmente, projetos iniciados pela gestão de Michel Temer.

Outro empecilho vem por parte do ministro Marcos Pontes, titular da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. Ele declarou que não gostaria de ver privatizadas as empresas que estão sob sua alçada – como os Correios.

No último dia 21, o presidente da estatal, General Juarez Cunha, escreveu em seu perfil no Twitter uma declaração que também sugere, no mínimo, cautela na ideia de se privatizar a empresa: “Sobre privatização, o Ministro Marcos Pontes defende que a decisão deve ser baseada em fatos, números e um plano de negócios bem estruturado, que leve em conta as necessidades estratégicas do País, o retorno para o governo e principalmente a garantia dos direitos dos servidores”.

Líder do PSL na Câmara, o deputado federal Delegado Waldir (GO) minimiza os obstáculos internos. Segundo ele, o debate sobre privatizações foi colocado por Bolsonaro durante o período eleitoral e, portanto, o tema foi referendado pela população. “Nosso ministro [Paulo Guedes] é privatista, as pessoas nos locais estratégicos também são, têm a mesma visão. Esse projeto está implícito dentro das ações que vínhamos divulgando quando ganhamos a Presidência”, apontou.

O deputado também acredita que a percepção popular sobre o tema está se modificando. “O povo está cada vez mais ciente de que o governo precisa fazer caixa, que é necessário reduzir o tamanho do Estado para se investir no que é essencial”, declarou.

Na Justiça

Ainda será necessário que o governo acompanhe uma decisão do STF para executar a venda dos Correios.

No ano passado, a Corte abriu um debate sobre a necessidade de o Planalto ouvir o Congresso para empreender uma privatização. A discussão se iniciou após a gestão de Michel Temer decidir vender refinarias da Petrobras sem consultar o Legislativo.

A federação de funcionários da Caixa Econômica Federal (Fenafe) acionou o STF questionando o procedimento e o ministro Ricardo Lewandowski emitiu, em junho, uma liminar impedindo a comercialização das refinarias.

O tema deverá ser apreciado pela totalidade dos ministros do Supremo, mas ainda não há data para que o julgamento ocorra.

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