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A fachada do Ministério da Economia
A fachada do Ministério da Economia| Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

O presidente Jair Bolsonaro tem como um de seus slogans, desde a campanha eleitoral, uma frase de efeito: "Mais Brasil, menos Brasília". O mote traduz a intenção de reduzir a ingerência da União nos gastos dos demais entes federativos, dando mais liberdade para que estados e municípios apliquem suas receitas do modo que considerarem mais conveniente.

No entanto, mesmo que o Congresso aprove a proposta do pacto federativo – que busca justamente colocar esse slogan em prática –, a crise fiscal de estados, municípios e da própria União não estará automaticamente resolvida. Ainda que aperte os cintos e tenha mais liberdade para usar o dinheiro que sobrar, se tudo continuar como está, o poder público ainda verá, nos próximos anos, suas despesas aumentando de forma constante.

Os vilões do orçamento: crescimento vegetativo e indexação

O cenário fiscal apertado, que não é exclusividade da União, se deve aos gastos obrigatórios, que crescem automaticamente e acabam comprimindo as despesas discricionárias, de livre escolha do governo, entre as quais os investimentos.

Entre as obrigações do governo estão os benefícios previdenciários, as despesas com o funcionalismo público e os mínimos constitucionais de investimentos vinculados a saúde e educação.

Um estudo elaborado pela Secretaria de Orçamento Federal, vinculada ao Ministério da Economia, explica que dois elementos são responsáveis pelo aumento automático das despesas obrigatórias: o crescimento vegetativo e a indexação. Juntos, eles respondem por 81% do crescimento previsto para as despesas federais em 2020, de acordo com o estudo.

De um incremento total de R$ 76,7 bilhões projetado para os gastos da União no ano que vem, R$ 62,1 bilhões serão provocados por esses dois fatores. E a estimativa já considera a economia advinda da reforma da Previdência.

Entre os gastos que esses dois elementos influenciam está justamente o pagamento de benefícios previdenciários, maior despesa primária do governo, responsável por 43% de todos os desembolsos.

A despesa com o INSS cresce de forma vegetativa porque o número de pessoas que usufruem dos benefícios está aumentando, por conta do envelhecimento da população. De acordo com a Base de Dados Históricos da Previdência, a quantidade de benefícios emitidos – que estão sendo pagos – aumentou de 26 milhões em 2008 para quase 34,5 milhões em 2017. Ao fim de 2018, o total chegou a 35 milhões, segundo boletim estatístico de dezembro de 2018.

Ao retardar a aposentadoria de boa parte dos trabalhadores, a reforma da Previdência ajudará a desacelerar esse crescimento vegetativo, mas não será suficiente para interrompê-lo.

Além disso, boa parte do gasto público é indexado, ou seja, corrigido automaticamente por algum índice. No caso de aposentadorias e pensões, por exemplo, o piso (menor valor de benefício) acompanha o valor do salário mínimo, que por sua vez cresce de acordo com a inflação.

No caso do INSS, essa indexação continuará existindo, pois não foi enfrentada pela reforma da Previdência. E, até onde se sabe, a desindexação prometida pelo ministro Paulo Guedes como parte do pacto federativo também não afetará a despesa previdenciária.

"Existem duas saídas possíveis para o orçamento brasileiro: diminuir o valor da indexação (...) e/ou diminuir o crescimento vegetativo das despesas – saída adotada para pautar a reforma da Previdência, e que poderá ser estendida para outros componentes da despesa obrigatória", afirma o estudo da Secretaria de Orçamento Federal.

Pacto federativo prevê flexibilizar o orçamento

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo concordam que o engessamento do orçamento público precisa ser revisto, mas apontam que o processo tende a ser duro e impopular.

"Em todo lugar do mundo, a discussão do orçamento e dos planos plurianuais é feita para que o poder público possa ir mudando suas prioridades, conforme a evolução da sociedade. Quando você faz vinculações e despesas obrigatórias, as prioridades ficam amarradas ao passado", explica Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.

O governo Bolsonaro prevê mudanças do tipo, mirando a primeira saída apontada no estudo da Secretaria. A desindexação – e também a desvinculação – das receitas seria realizada por meio da proposta do pacto federativo.

Há, porém, um ruído entre o que vem sendo ventilado entre os parlamentares e o que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem planejando com sua equipe.

"Enquanto os parlamentares têm demonstrado que o pacto implica que a União enviará mais dinheiro para estados e municípios, o ministério tem como ideia principal desvincular, desobrigar e desindexar o orçamento", explica Mendes.

Apesar de não se concentrar somente na redistribuição das receitas entre os entes federativos, o pacto deve melhorar a gestão de estados e municípios ao flexibilizar a execução do orçamento, avalia o pesquisador do Insper.

"A vinculação das despesas com saúde e educação pesa muito mais para estados e municípios do que para a União. Se há um aumento de arrecadação no final do ano, por exemplo, o governador ou prefeito precisa correr para investir em saúde e educação e não descumprir os limites mínimos", diz Mendes.

Além do pacto, reformas precisam mirar despesas obrigatórias

Mesmo que consiga vencer a barreira política e implementar um orçamento mais flexível nas três esferas, porém, o governo federal não irá resolver, somente assim, o problema do aperto fiscal do poder público. Isso porque, mesmo que haja autorização para que os recursos sejam utilizados de forma discricionária e que as despesas não sejam indexadas, os gastos com pessoal e com aposentadorias devem seguir representando a maior fatia do bolo orçamentário.

"Se o pacto federativo se limitar a atender ao pleito de governadores e prefeitos para o recebimento de mais recursos, estaremos só adiando um problema que já está estabelecido e é grave. Temos que enfrentar a questão na raiz, que são os gastos obrigatórios, ou será apenas mais dinheiro sendo consumido pelos mesmos focos de desequilíbrio", pondera Ana Carla Abrão, economista sócia da consultoria Oliver Wyman.

Abrão afirma que, para além da reforma no regime previdenciário, é preciso, ainda, rever as despesas destinadas ao gasto com pessoal. "Precisamos estabelecer mobilidade dentro da máquina pública e repensar mecanismos que garantem o crescimento vegetativo da folha, mas trazem piora da produtividade e na contrapartida para a sociedade", opina.

Economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, Alex Agostini aponta que esta também é a preocupação do mercado financeiro. "Já que o pacto federativo tende a transferir parte da gestão do orçamento para estados e municípios, descentralizando receitas, a grande preocupação se refere às travas e aos controles que esses gestores terão na utilização dos recursos. Já existe a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mas sabemos que, muitas vezes, não há punição para quem desrespeita essa norma", afirma.

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