As divergências entre procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, ganharam um novo – e mais acirrado – capítulo nesta sexta-feira (26). A Lava Jato em Curitiba acusou uma auxiliar de Aras de ter feito uma "manobra ilegal" para obter informações sigilosas. O fato precipitou o pedido de demissão de três procuradores da PGR e expôs o mal-estar com Aras, que já havia perdido uma eleição interna importante nesta semana.
A tensão começou ainda durante a tarde, quando veio a público um ofício enviado pela força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba à Corregedoria do MPF, acusando a subprocuradora-geral da República Lindora Araújo – uma das auxiliares de Aras – de realizar uma "manobra ilegal" para obter dados das investigações conduzidas pelo MPF na capital paranaense.
Segundo a PGR, o episódio foi, apenas, uma "visita de trabalho" para "obter informações globais sobre o atual estágio das investigações" (veja a nota completa no final desta reportagem). Mas a informação foi contestada pela força-tarefa da Lava Jato.
De acordo com o ofício encaminhado pelos procuradores regionais, Araújo fez uma visita à força-tarefa em Curitiba nas últimas quarta (24) e quinta-feira (25), no que seria uma espécie de "inspeção informal" nos trabalhos da operação. Ainda segundo o ofício, a subprocuradora "buscou acesso a informações, procedimentos e bases de dados desta força-tarefa em diligência efetuada sem prestar informações sobre a existência de um procedimento instaurado, formalização ou escopo definido".
Os procuradores narraram no ofício que Araújo justificou o desejo de examinar o acervo de informações da força-tarefa porque investigações mais antigas estariam ocorrendo em ritmo mais lento. De início, a subprocuradora teria afirmado que seria acompanhada pela corregedora do MPF, Elizeta Maria de Paiva. A corregedora, porém, não teria participado da viagem por conta de problemas de saúde.
A própria corregedora confirmou, em um telefonema, que não havia nenhum procedimento na Corregedoria do MPF a respeito do assunto mencionado pela subprocuradora, segundo os procuradores da Lava Jato.
PGR confirma que solicitou dados. Procuradores dizem que pediram formalização do acesso
A própria PGR confirma que, no dia 13 de maio, fez uma solicitação de compartilhamento de dados à força-tarefa. "Diante da demora para efetivação do compartilhamento, a reunião de trabalho serviria também para se compartilhar o material com a Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea). A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento dos dados sigilosos com a PGR para utilização em processos no STF [Supremo Tribunal Federal] e no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", diz nota encaminhada pelo órgão ao jornal O Globo, que revelou a existência do ofício.
O pedido foi feito não só para a força-tarefa de Curitiba, mas também para os grupos do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo os procuradores da Lava Jato paranaense, entretanto, já estavam em curso tratativas para o compartilhamento de informações com a Sppea – o que a subprocuradora teria ignorado.
"Em razão da existência de informações vinculadas a investigações e a processos sigilosos nos procedimentos e nas bases de dados, entre os quais informações sobre operações a serem deflagradas, dados sujeitos à cláusula de reserva jurisdicional obtidos a partir de decisões judiciais para instruir apurações específicas, além de provas obtidas por meio de cooperação jurídica internacional sujeitas ao princípio da especialidade, com restrições e condicionantes de uso, é importante resguardar o procedimento de acesso das cautelas constitucionais e legais devidas, motivo pelo qual não se vedou o acesso, mas se pediu a adequada formalização, até mesmo para a prevenção de responsabilidades", diz o ofício.
Em reação às ressalvas dos procuradores, Araújo teria "expressado indignação" e afirmou que a situação configurava uma "quebra de confiança".
A subprocuradora teria, ainda, solicitado acesso a um sistema de gravações de conversas telefônicas dos procuradores e funcionários do MPF, adquirido pela força-tarefa em 2015, após ameaças recebidas pelos investigadores. De acordo com o ofício, a suspeita da subprocuradora e de sua equipe era de que o sistema funcionasse como uma central de grampos ilegais.
No documento, a força-tarefa ressalta que as gravações sempre foram pedidas pelos próprios usuários dos ramais, e que o sistema foi utilizado poucas vezes desde que foi instalado.
Procuradores pedem demissão, e recebem apoio de colegas de Curitiba
O episódio envolvendo uma auxiliar tão próxima a Aras levou a um pedido de demissão coletiva dos procuradores que integram o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Com a saída de Hebert Reis Mesquita, Luana Vargas de Macedo e Victor Riccely, o grupo fica sem integrantes – já que outros dois procuradores que integraram a equipe também já haviam pedido para sair anteriormente.
Em resposta, a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba emitiu nota dizendo que tem "integral confiança" nos procuradores. O texto expressa, ainda, "profundo agradecimento e admiração pelos procuradores", considerados "competentes, dedicados, experientes e amplamente comprometidos com a integridade, a causa pública e o combate à corrupção e enfrentamento da macrocriminalidade".
Quem é a subprocuradora que provocou a elaboração do ofício
Lindora Araújo, pivô do desentendimento dentro da Lava Jato, é a subprocuradora responsável pela coordenação do grupo de trabalho da Lava Jato na PGR. Ela também coordena a negociação de um acordo de delação premiada com o advogado Rodrigo Tacla Duran. A colaboração premiada de Duran, entretanto, já havia sido rejeitada pelo próprio MPF em 2016.
Muito próxima a Aras, a subprocuradora é conhecida pelo apoio ao presidente Jair Bolsonaro. Segundo os investigadores, a tentativa de ressuscitar a delação premiada de Tacla Duran, inclusive, teria relação com a saída do ex-ministro Sergio Moro do governo federal. Isso porque, nos fatos que relatou à Justiça, o advogado implicava um amigo do ex-ministro, o também advogado Carlos Zucolotto.
Na sexta-feira (26), a colunista Bela Megale, do jornal O Globo, informou que a suspeita dos procuradores é de que a tentativa de acesso aos dados da Lava Jato de Curitiba também seja uma estratégia para obter informações que possam prejudicar Moro.
Divergências com Aras não são de hoje
Esta não é a primeira vez em que integrantes do MPF demonstram insatisfação com decisões e procedimentos capitaneados por Augusto Aras. Na terça-feira (23), os procuradores já haviam enviado um "recado" a Aras: em uma eleição para o Conselho Superior do Ministério Público, foram eleitos dois candidatos considerados "opositores" do PGR.
Na própria Lava Jato, os desentendimentos já haviam se tornado públicos com a saída do então coordenador do grupo de trabalho da força-tarefa na PGR, José Adonis Callou de Araújo Sá, em janeiro deste ano. Para o lugar dele, Aras nomeou Lindora Araújo.
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, o nome de Augusto Aras não constava na lista tríplice formulada internamente pelo MPF para a escolha do Procurador-Geral da República. À época, a escolha fora da lista tríplice foi criticada por procuradores, por burlar um mecanismo democrático instituído pelo próprio MPF.
Leia a íntegra da nota encaminhada pela PGR à imprensa:
A respeito de notícias publicadas nesta sexta-feira (26), a Procuradoria-Geral da República (PGR) esclarece que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo, na condição de coordenadora da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), realizou visita de trabalho à Força-Tarefa Lava Jato em Curitiba (PR). Desde o início das investigações, há um intercâmbio de informações entre a PGR e as forças-tarefas nos estados, que atuam de forma colaborativa e com base no diálogo. Processos que tramitam na Justiça Federal do Paraná têm relação com ações e procedimentos em andamento no STJ.
A visita foi previamente agendada, há cerca de um mês, com o coordenador da força-tarefa de Curitiba - que, inclusive, solicitou que se esperasse seu retorno das férias, o que foi feito. O procurador Deltan Dallagnol sugeriu que a reunião fosse marcada para entre 15 e 19 de junho, mas acabou ocorrendo nessa quarta-feira (24) e quinta-feira (25).
Não houve inspeção, mas uma visita de trabalho que visava a obtenção de informações globais sobre o atual estágio das investigações e o acervo da força-tarefa, para solucionar eventuais passivos. Um dos papéis dos órgãos superiores do Ministério Público Federal (MPF) é o de organizar as forças de trabalho. Não se buscou compartilhamento informal de dados, como aventado nas notícias da imprensa, mas compartilhamento formal com acompanhamento de um funcionário da Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise (Sppea), órgão vinculado à PGR, conforme ajustado previamente com a equipe da força-tarefa em Curitiba.
A solicitação de compartilhamento de dados foi feita por meio de ofício datado de 13 de maio. Pedido semelhante foi enviado às forças-tarefas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Diante da demora para a efetivação da providência, a reunião de trabalho poderia servir também para que a Sppea tivesse acesso ao material solicitado. A medida tem respaldo em decisão judicial que determina o compartilhamento de dados sigilosos com a PGR para utilização em processos no STF e no STJ.
A corregedora-geral do Ministério Público Federal, Elizeta Paiva, também iria a Curitiba, mas não o fez nesta ocasião por motivos de saúde, conforme oficialmente informado ao gabinete do PGR. A corregedora vem acompanhando os trabalhos da Lava Jato porque determinou uma correição extraordinária, realizada por dois procuradores designados por ela, em todas as forças-tarefas em funcionamento no âmbito do MPF no país. Os assuntos da reunião de trabalho, como é o normal na Lava Jato, são sigilosos. A PGR estranha a reação dos procuradores e a divulgação dos temas, internos e sigilosos, para a imprensa.
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